O realizador ganhou a distinção por "O Agente Secreto", o seu terceiro filme a competir em Cannes, depois de "Bacurau", em 2019, e "Aquarius", em 2016.

"Bacurau" ganhou o Prémio do Júri, empatado com o filme francês "Os Miseráveis".

Amor pelo cinema

Em 2021, Kleber Mendonça (Recife, 1968) foi membro do júri presidido pelo cineasta americano Spike Lee, depois de ter ficado à frente, em 2017, da Semana da Crítica, uma seção paralela de Cannes.

Mas não é de causar surpresa que Kleber se sinta em casa em La Croisette: como crítico, já visitou o festival cerca de 20 vezes e, em 2005, apresentou a curta-metragem "Eletrodoméstica" na Quinzena dos Realizadores, antes de fazer a grande estreia com "Aquarius", estrelado por Sônia Braga.

"Também sou programador de cinema. É algo que adoro fazer desde 1998, há quase 30 anos. Adoro descobrir curtas-metragens de jovens cineastas e montar os filmes", contou o cineasta à AFP.

A sua paixão pelo cinema refletiu-se no documentário "Retratos Fantasmas" (2023), também apresentado em Cannes, sobre os antigos cinemas de Recife.

Mas, acima de tudo, Kleber Mendonça é um cineasta politicamente de esquerda, que não teve medo de denunciar "um golpe de Estado" contra a presidente Dilma Rousseff quando sofreu um impeachment no Congresso. Quando um artista "está com raiva, frustrado, acaba a transformar isso em poesia, literatura ou filmes", confidenciou o realizador em 2019.

Casado com a produtora francesa Emilie Lesclaux, os seus filmes são baseados em guiões elaborados, com referências à política, ao cinema e às desigualdades sociais. Assim, "Bacurau", um filme de género sobre uma pequena comunidade que descobre ter um talento especial para a violência, soou como um grito de resistência dos povos indígenas contra o governo de Jair Bolsonaro.

"O Agente Secreto" é outro thriller, que acompanha um professor (Wagner Moura) que regressa ao Recife para se reunir com seu filho em 1977, em plena ditadura, sem saber que a sua cabeça está a prémio.

"É engraçado porque a cada filme traz novas reações. Todos os meus filmes foram muito difíceis de fazer, foram muito ambiciosos", disse o realizador que fez de Recife uma cidade emblemática do cinema brasileiro.

A sua primeira longa, "O Som ao Redor" (2012), analisa o medo que toma conta de uma comunidade após a chegada de uma empresa de segurança privada.

Essa reflexão sobre as classes sociais ganhou prémios em mais de uma dúzia de festivais internacionais e foi classificada pelo The New York Times como um dos dez melhores filmes do ano.

"Aquarius", por outro lado, refletia os efeitos colaterais do progresso capitalista no Brasil contemporâneo, com uma protagonista assediada por especuladores imobiliários.

Mas o realismo de Kleber Mendonça não é límpido. É tingido de elementos fantásticos, típicos de filmes de género e de terror, como, por exemplo, em "Bacurau", repleto de cenas macabras.

Lula exalta "gigantes" do cinema brasileiro premiados em Cannes

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saudou no sábado os "gigantes" do cinema brasileiro Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura, premiados como melhor realizador e melhor ator, respectivamente, no Festival de Cannes pelo longa-metragem "O Agente Secreto".

"Hoje é dia [...] de curtir a felicidade de viver em um país que tem gigantes do porte de @kmendoncafilho [Kleber Mendonça Filho] e Wagner Moura", escreveu Lula na rede social X.

"O cinema de nosso país não deve nada para ninguém" e "seguiremos encantando os públicos e os críticos ao redor do planeta", acrescentou o presidente.

Wagner Moura, de 48 anos, obteve no domingo o prémio de melhor interpretação masculina pelo seu papel como um professor que regressa ao Recife para se reunir com o filho durante a ditadura militar (1965-1984).

Pouco depois, Kleber Mendonça ("Aquarius", "Bacurau") recebeu o prémio de melhor realizador pelo mesmo filme.

O cinema brasileiro vive um momento de glória, depois de "Ainda Estou Aqui", do cineasta Walter Salles e que também retrata o período da ditadura, ter ganhado em março o Oscar de melhor filme internacional.

Wagner Moura, de Pablo Escobar a agente secreto em Cannes

Wagner Moura ganhou o prémio de melhor ator em Cannes pelo filme "Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho.

Aos 48 anos, Wagner Moura é um dos rostos mais conhecidos do cinema brasileiro internacionalmente por causas das participações na série Narcos e em filmes como Guerra Civil e Elysium.

Nascido em Salvador, começou no teatro, mas rapidamente foi para as telonas e participou em filmes como "Deus é Brasileiro" (2003), de Cacá Diegues; Tropa de Elite (2007) e Praia do Futuro (2014).

O papel como capitão Nascimento em Tropa de Elite, um sucesso mundial, catapultou-o para a cena internacional. O filme ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim.

Em 2013, atuou na produção americana "Elysium", ao lado de estrelas como Matt Damon e Jodie Foster.

E, dois anos depois, chegou "Narcos", sobre Pablo Escobar, uma das séries de maior sucesso da Netflix e um dos expoentes do recente fascínio do mundo do cinema com a figura do narcotraficante colombiano.

Wagner Moura, sem saber se ia ficar com o papel, mudou-se durante seis meses para Medellín para estudar o idioma e percorrer as ruas, procurando capturar a visão que ainda havia sobre o "El Patrón".

O intérprete, que foi nomeado para um Globo de Ouro por esse papel, considera que "o narcotráfico é uma realidade para todos os países latino-americanos" que merece ser contada.

"A série conta precisamente como começou, como se envolveram nessa guerra antidrogas [com os Estados Unidos] e [como] a tornaram uma guerra equivocada", disse numa entrevista à AFP.

Filmar em português

Após o sucesso mundial da série, o ator procurou distanciar-se um pouco dos papéis latinos.

"Quero fazer filmes nos Estados Unidos que não reforcem os estereótipos latinos, especialmente depois de interpretar Escobar", comentou.

Desde então, participou em grandes produções, entre elas "Sergio" (2020), com Ana de Armas, e "Guerra Civil" (2024) com Kirsten Dunst.

Com "O Agente Secreto", de Kléber Mendonça Filho, voltou a filmar no Brasil, onde não trabalhava como ator desde 2012.

"'Narcos' é seguramente a obra mais contundente que fiz", afirmou esta semana em Cannes. "Foi uma aventura totalmente extraordinária", mas "realmente precisava  devoltar ao Brasil, filmar em português".

A série "durou três anos, depois houve a pandemia, e depois o governo fascista que chegou ao poder destruiu todas as possibilidades de fazer um filme", prosseguiu.

Em "O Agente Secreto", Wagner Moura dá vida a um professor que volta a Recife para se reunir com o filho, sem saber que o seu passado, no qual enfrentou corrupção, o colocará em perigo.

"O personagem que interpreto quer viver apenas com os valores que o representam. É terrível que, nos momentos distópicos, prender-se aos seus valores de dignidade seja perigoso", disse em Cannes.