Roberta Medina chegou ao negócio de família aos 17 anos atraída pelo encanto da Disney. Apaixonou-se pela possibilidade de concretizar ideias muito antes de se deixar conquistar por um festival “que pagou o preço por ser tão inovador num país que saía da ditadura militar”. Sente que faz o mesmo trabalho desde o primeiro dia, ligar pessoas que não falam a mesma língua e, garante, não se cansa de traduzir.
No dia-a-dia sente que está sempre em dívida. Um passivo que se mede em tempo para a família, para os amigos e mesmo para o trabalho. O caminho para a plenitude faz-se de inúmeros desvios, mas garante, está hoje mais perto, mais inteira, do que no passado.
Quando o tema é negócio, não tem meias palavras, mas vai fazendo ressalvas, porque a escrita tem outro peso, aquele que o sorriso aberto vai doseando na conversa.
Sem paciência para “pensamento pequeno”, diz que se desgasta mais com coisas idiotas do que com problemas sérios, porque o que não se resolve a conversar, resolve-se depois do "riso de nervoso" e ao som de boa música. Anitta, Ariana Grande e Korn, também eles deram acordes nesta conversa.
Olhando para a concorrência, reconhece que ser líder de um mercado ativo dá mais trabalho, mas é também mais gratificante, e destaca Álvaro Covões como um dos promotores que se mexeu mais rápido e com maior eficiência no setor. E quando à saúde do Rock in Rio, “está bem, obrigada”. A entrada da Live Nation, um gigante do entretenimento, é musculatura para dar o salto, porque o mercado nos EUA é “brincadeira de gente grande”.
Acha Pink sensacional e já tem saudades de Dave Matthews Band, mas são só gostos pessoais, assevera, porque se gosta de um artista, tal como qualquer outra pessoa, “tem de ir atrás”. Sendo que desta vez, o SAPO24 é que foi atrás desta empresária de 40 anos, a poucas semanas da abertura de portas no Parque da Bela Vista, para conversar, à beira Tejo, sobre uma marca que atravessou o Atlântico em 2004 e se prepara para voltar a palco em Lisboa com nomes como Muse, Bruno Mars, The Killers ou Katy Perry.
“Eu não tinha essa paixão pelo Rock in Rio”
33 anos de Rock in Rio, 18 desde que a Roberta entrou para o negócio. Não ponderou outro percurso profissional?
Toda a gente acha que eu cresci com o Rock in Rio e não é bem assim. Eu tive um Rock in Rio com 7 anos de idade, outro com 12 e o seguinte só aconteceu quando eu tinha 21 anos e já trabalhava na produção. Quando comecei a trabalhar no Rock in Rio eu não gostava do Rock in Rio porque o festival tinha sido muito duro com o meu pai, foi um projeto que pagou o preço por ser tão inovador num país que saía da ditadura militar [1985]. Então eu não tinha essa paixão pelo Rock in Rio. Lembro-me, com 12 anos, que era fã dos New Kids on the Block e portanto só queria saber dos New Kids on the Block. Eu me apaixonei foi pela produção de eventos.
(...) Em 1995, estava eu com 17 anos, e a agência de publicidade do meu pai, a Artplan, estava com um outro projeto de shows da Disney num centro comercial, uma mega produção, e eu fui convidada pelo gerente de marketing do shopping para ser assistente da sua equipa. Eu achava que ele estava só a querer agradar ao meu pai, mas passado uma semana ele ligou e eu fui. E foi interessante porque eles me colocaram a fazer a ligação entre a equipa de marketing e a equipa de produção dos shows, que era externa. E tenho a sensação que é o que eu faço até hoje. Então, eu apaixonei-me por isso, por realizar ideias, por concretizar, por tirar ideias do papel, e com uma função que eu acho que é muito relevante não só na minha área de trabalho mas no mundo, que é você ser capaz de conectar linguagens absolutamente diferentes.
“Se tem coisa que me farta é pensamento pequeno, intriga, inveja."
Não há dias em que acorda de manhã e pensa: estou cansada de fazer este papel, de ser a ponte entre diferentes visões do mundo, de traduzir…
Não me farto de traduzir. Se tem coisa que me farta é pensamento pequeno, intriga, inveja. São aquelas coisas bobas que são absolutamente naturais do ser humano, que todos temos. Mas quando a gente se perde em pequenez, isso é que me faz ter vontade de jogar tudo para o alto porque tira o gosto. Eu faço as coisas com muita paixão, tive o privilégio na vida de trabalhar em algo porque me apaixonei de raiz, e de trabalhar num projeto em que acredito acima de tudo. Eu não faço nada para a atrapalhar os outros, eu faço por construir alguma coisa. Quando aparece pequenez, cara... fico super desmotivada.
Mas é um desafio de qualquer liderança encaixar essa “humanidade”.
É sem dúvida um dos desafios — e um desafio para mim que sou muito sensível às pessoas. É um desafio ter a capacidade de encaixar uma parte dessa humanidade e deixar parte dela de fora, porque numa empresa nem tudo vale. É uma empresa, é um negócio, está a gerar emprego e riqueza, e a gente tem de valorizar isso. Acho que a sociedade moderna tem uma visão em que o empresário acaba sempre sendo o bicho papão, quando na verdade há ali alguém assumindo uma grande responsabilidade. Há um preço a pagar por assumir essa responsabilidade e há benefício para receber se correr bem. O discurso no dia-a-dia por vezes é muito desequilibrado e gera alguma dessa pequenez a que me refiro. E não é só nas equipas, às vezes é mesmo o comportamento de mercado.
O que procura quando está formar uma equipa?
Eu acho que o essencial é a paixão e alguma identificação com aquilo que se vem fazer. Às vezes existe maior identificação com a função do que com o projeto no seu todo, mas tem de fazer sentido para quem vem, e invariavelmente a paixão acaba ganhando a eficiência pura e dura. Só com eficiência pura e dura não se chega lá. Obviamente que o ideal é você encontrar pessoas com paixão e com um alto grau de competência.
O meu percurso sempre foi muito empreendedor — joga no colo e sai, agora aprende. Vai lá e vê como te safas — mas acho que é preciso estabelecer processos, ser organizado, vemos benefícios concretos disso no Rock in Rio. O que não significa ficar frio ou cercear a criatividade ou a liberdade. Mas o dia-a-dia tem de estar estruturado e organizado porque isso facilita muito a vida das pessoas.
“Se for algo muito ruim, lido bem. Se for um assunto idiota fico completamente transtornada, o que é uma incoerência brutal não é?”
Tal como aconteceu no ano passado, voltará a ter lugar a Rock in Rio Academy, em pleno festival. É esta sua experiência que vai transmitir aos executivos que decidirem marcar presença neste evento de formação?
O Academy é um “canhão” de inspiração e com muitos casos concretos, porque estamos a falar na nossa história e não poupamos nada. Se for preciso falar de momentos ruins, falamos. No entanto, este ano a conversa no Academy será mais em torno de propósito, de lembrar onde estamos e porque estamos. Porque é que esta empresa existe? Qual é a sua função? O que é que eu estou aqui a fazer? Que parte é que me toca nesta função? E eu acho que a gente esquece isso, entra num operacional pateta, em que só se olha para as coisas do dia-a-dia, para as coisas pequenas, e estamos a olhar para o lado errado.
E falo por mim. Recentemente me peguei tentando explicar porque é que eu fico. É super exigente fazer um Rock in Rio, mas motiva-me muito estar num projeto e numa empresa onde podemos de facto tentar construir espaços para tocar o melhor das pessoas: gerar essa leveza que a sociedade precisa. Cultura, desporto, lazer, entretenimento… a gente tem uma função que é abrir esses espaços em que as pessoas entram em contacto com a sua espontaneidade, a sua verdade, com o lado bom.
Com é que lida com os dias que correm mal?
Se for algo muito ruim, lido bem. Se for um assunto idiota fico completamente transtornada, o que é uma incoerência brutal não é? Quer dizer, ainda bem que é assim, menos mal. Mas fico transtornada, fico num desgaste energético gigantesco quando é bobagem, e lido com alguma tranquilidade quando é encrenca.
Recorda-se de algum momento mais complicado que possa partilhar connosco?
Há casos recentes de stress que não eram comuns e, de repente, aconteceram seguidos, nomeadamente o cancelamento de artistas à última hora. No caso de Portugal, a Ariana Grande, que cancelou à 00h00 da noite anterior ao concerto — e a gente já vinha de um dia stressante com Korn, com problemas no equipamento, com a banda a recusar-se a voltar a tocar.
Depois de Korn, que foi uma situação que nunca nos tinha acontecido, chamo a equipa para dizer: ‘olha, o gato subir no telhado, a Ariana cancelou’. A reação foi de gargalhada, de ‘não é possível que isso esteja acontecendo’. Acho que essa é a melhor reação do mundo, você ri das encrencas. Há obviamente uma parte que é de riso de nervoso. Então, primeiro, gargalhada; depois, está acabando Marron 5 vamos lá ouvir uma música boa; e depois, a gente resolve.
“Eu, por exemplo, adoro funk, mas não acho minimamente aceitável expor os meus filhos a uma música que diz 'meu pau te ama'."
Falando em agendamento de artistas, este é um tema incontornável: como vê toda a polémica em torno de Anitta no ano passado no Brasil, até considerando que este ano ela vai marcar presença no Rock in Rio Lisboa e no próximo ano no Rio? Como se gere uma situação destas em que os fãs desejam um artista com quem o Rock in Rio não se identifica?
O primeiro passo nessa gestão foi exatamente aquilo que o Roberto [Medina, fundador do Rock in Rio] fez, que foi conversar. Chamou a Anitta para conversar. E se forem pessoas do bem e que estejam pelo bem, podem até não concordar, mas se entendem, mesmo que a gente decida ir por caminhos diferentes. E acho que com ela foi super bacana, porque ela é uma mulher super empreendedora, e o Roberto ficou fã dela enquanto pessoa. Nessa conversa se explicou que o ambiente do Rock in Rio pede outro diálogo. Eu, por exemplo, adoro funk, mas não acho minimamente aceitável expor os meus filhos a uma música que diz 'meu pau te ama' [música de MC G15, cuja segunda versão substituiu a expressão por 'o pai te ama']. Por exemplo, eu não posso fazer a mesma piada e a mesma conversa com os meus amigos e com um cliente, é só isso.
Eu já fiz cobertura em três edições do Rock in Rio e há sempre aquele momento, na abertura de portas, em que a toda a equipa vem receber o público. Ele é a estrela maior?
Sem dúvida nenhuma! Um concerto pode ser igual em qualquer lugar do mundo, mas só é especial porque tem determinadas pessoas reagindo na frente. O que é muito especial é a reação e a interação entre tudo o que a gente cria e promove, e que o artista cria e promove, e o que vem da plateia. Sem plateia aquilo não tem graça nenhuma.
O Rock in Rio diferencia-se de outros festivais pela aposta em ofertas de entretenimento para lá da música. É esse o caminho?
É claramente o diferencial. O Rock in Rio é um festival mais urbano, em que não temos propositadamente vários palcos a funcionar ao mesmo tempo porque gostamos que as pessoas possam assistir aos principais concertos e não fiquem na angústia de escolher o que podem ver. Agora, acho é que se pode optar por outros conteúdos [de entretenimento] e a Cidade do Rock está feira para isso. O que queremos proporcionar é relacionamento e para isso são precisas muitas horas e um ambiente em que você possa estar, como parque temático mesmo. Você não vai para a Disney passar lá duas horas.
Do ponto de vista de uma marca, criar relacionamento é fundamental — sobretudo numa era em que a informação é abundante e sempre urgente; e, no reverso da moeda, esmagadora e frequentemente superficial e efémera…
Sem dúvida. E acho que há outra coisa importante que é a construção de valor de marca. Nesta era dos media digitais, se a sua notícia pode estar em qualquer lugar e se a minha música pode estar em qualquer lugar, onde é que a gente se destaca? Nos nossos valores. Acho que nunca foi tão importante reforçar valores, posicionamento.
Sim, hoje já não se controlam as inúmeras plataformas por onde uma mesma informação, mensagem ou conteúdo circula…
A gente não controla nada, absolutamente nada! Você controla a qualidade da entrega do seu produto, mas não controla onde é que o consumidor o consome. Então é preciso existir uma identificação.
Falando em marca, Portugal tem cada vez mais festivais e festivais com cada vez mais reconhecimento, como por exemplo o NOS Alive, que atrai bastante público estrangeiro e tem feito apostas muito fortes ao nível do cartaz. Isto significa também maior concorrência para o Rock in Rio. Como é têm lidado com isso?
O Rock in Rio acabou virando um grande provocador deste mercado, e trouxe um modelo novo de negócio. A gente trouxe uma conversa nova e o mercado português foi absolutamente hábil e eficiente. E dos promotores, talvez o Covões tenha sido aquele que se mexeu mais rápido e com mais eficiência também. Ele construiu uma marca extremamente relevante em pouco tempo e isso é sinal de força de mercado. Isso é positivo. Se isso dá mais trabalho para a gente? Ser líder de ninguém dá menos trabalho, mas também tem menos gozo. Ser líder de um mercado ativo dá muito mais trabalho, mas é extremamente gratificante. Ainda assim, acho que na realidade do mercado português não tem nenhum evento ainda que fale com o target transversal com que o Rock in Rio fala.
Uma das coisas que se costuma ouvir é que o Rock in Rio é o festival da família…
Também. É o único que fala com as famílias. Não exclusivamente com as famílias, mas claramente com elas também, por conta da qualidade da infraestrutura, das acessibilidades, da segurança. O ambiente que se vive é muito leve e isso traz públicos diferentes, assim como a infraestrutura que se oferece — como o bar estar sempre disponível, comida de qualidade, cerveja sempre gelada, casas de banho limpas. Isso também traz um público que é mais exigente, mais velho. Então, há uma série de características que fazem com que o evento seja apetecível para um público não tradicional de festivais.
Mudando de assunto. A Live Nation, um peso pesado do entretenimento mundial, adquiriu 50% do Rock in Rio. O que é que esta entrada traz à empresa? Liquidez, solidez orçamental ou a possibilidade de expansão?
Claramente oportunidade de expansão, porque o Rock in Rio funciona muito bem, obrigada. Se há um projecto que é absolutamente gigante e que só cresce é o do Brasil, então não temos esse problema [de finanças]. Mas existe sim um potencial de crescimento, para o qual nós não temos musculatura. Para dar seguimento ao mercado em Vegas, por exemplo, onde é só peso pesado, você tem de bancar porque os EUA são brincadeira de gente grande. Então é absolutamente entusiasmante você ter a maior empresa de entretenimento do mundo participando, porque os sócios anteriores, pela situação em que entraram de recuperação judicial, não iam ter capacidade de investir no crescimento do projeto. A Live Nation está acabando de entrar no Brasil e quer crescer na América do Sul. O Brasil é a âncora da America do Sul, e o Rock in Rio é poderoso no Brasil mas mobiliza, em termos de turismo, a Argentina, e tem uma marca de reconhecimento forte na região. Estamos super empolgados…
“Se eu quiser ver alguma coisa [algum artista)] tenho de ir atrás.”
E o poder de decisão…
Roberto [Medina] continua como líder do projeto.
Disse numa entrevista em 2016 que adoraria trazer Bruno Mars ao Rock in Rio. Já está. Qual é o próximo desejo?
Ele foi a Vegas e eu não vi. Espero que aqui consiga ver alguma coisa do show. Olha, uma artista que a gente ainda não teve e que acho sensacional é a Pink. Um artista de quem já tenho saudades é Dave Matthews Band, adoro. Mas são só gostos pessoais, não quer dizer nada. É o perigo dessas perguntas é que depois fica parecendo que o Rock in Rio vai querer trazer esses artistas, mas nem sou eu a responsável pela nossa parte artística, e a nossa parte artística é muito racional e trabalha em cima do que o público quer ver. Se eu quiser ver alguma coisa tenho de ir atrás.
Como é um dia na vida de Roberta Medina?
Intenso, devo para todos os lados, devo para o trabalho, para os filhos, para o marido, devo para os amigos, tenho uma sensação de estar devendo para todos os lados! Mas, ao mesmo tempo, super rico, super dinâmico, uma agenda louca, mas com saúde, que é o mais importante.
O que é para si a medida de sucesso?
[Arregaça as mangas e mostra a parte interior do braço onde tem uma tatuagem]. “Plenitude, seja da forma que for. Acho que a gente tem de parar de procurar a realização em formatos estabelecidos. Quero sentir que estou inteira para os meus amigos, para a minha família, sentir que estou inteira no que quer que esteja fazendo. E não é fácil, é muito difícil, mas estou tentando construir nesse caminho, e estou mais perto do que já estive.
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