Sentámo-nos à fala com Salvador Sobral numa hora de almoço: nós com curiosidade, ele com fome. Ainda antes da comida vir para a mesa advertiu que não ia dar grandes títulos. Sem problema, anuímos. Uma conversa de Lisboa a Paris, como o seu novo álbum, mas sem sobremesa. O disco, que bebe inspiração nas cores e no título de “Paris, Texas”, de Wim Wenders, é uma nova vida, uma história de alegrias e sobretudo de esperança. Sem vender a alma.

Salvador Sobral não precisa de apresentações. Quase tudo já se escreveu sobre a sua vida, sobre "Amar pelos Dois" ou sobre a doença — e quase tudo, quiçá, foi demais. Não quer isso dizer que não tivéssemos abordado esses temas, acrescentando-lhe ainda outros como a possibilidade de cantar em Israel. Mordaz, fascinado, com vontade de entrar num filme, penetra em cadeiras da Faculdade de Letras e em paz sobre a ideia do "comboio da Eurovisão” um dia passar. É sobre isso e muito mais que esta entrevista trata. E Anderson .Paak, se nos estás a ler, manda lá um e-mail ao rapaz!

Quando ouvi pela primeira vez o disco...

Isso é bom sinal, quer dizer que ouviste mais vezes.

O primeiro tema do disco, “180, 181 (catarse)” é de cortar a respiração, por um lado, mas também um novo fôlego aos restantes. Era essa a intenção?

Completamente. Era isso mesmo o que pretendia: o de efeito de choque, causar impacto. Para pensarem 'olha, o gajo ficou louco...'. Depois, há uns dez segundos de silêncio, para começar uma nova vida, com nova cor e nova alegria.

Isso quer dizer que “Paris, Lisboa” é um disco para ouvir do princípio ao fim.

Acho que todos os discos que gosto e admiro são assim. É triste porque hoje em dia há a mania da playlists. E os discos são histórias, desde os Beatles até ao Brad Mehldau Trio.

Então e qual é a história deste disco?

É uma história de renascimento, de alegria, esperança sobretudo, e de cor. Daí também o "Paris, Lisboa", a referência ao Wim Wenders pela cor que ele tem nos filmes dele. Queria ter o máximo de cores possível no meu disco. Por isso é que também há vários estilos e vários grooves. Estou feliz com a minha recuperação e queria passar essa mensagem.

E quando é que “Paris, Lisboa” começou a ser pensado?

Foi [feito] de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019. Começou em fevereiro de 2018, quando, depois da operação, já conseguia pensar. Ainda com as mãos muito a tremer ia escrevendo as ideias que tinha, que compositores e letristas queria chamar, arranjos possíveis para canções que já tinha...

Este é um disco feito entre amigos?

Sim.

Conta com o Júlio Resende, António Zambujo e tem com o Joel Silva, baterista de Alexander Search, na produção. Só podia ser dele essa função?

Não... Olha, estiveram na mesa outras opções com mais nome. Houve, na altura, a ideia de chamar um gajo de fora [para produzir o disco]. O típico provincianismo... Mas o Joel, na altura que gravávamos o disco de Alexander Search, tinha altas ideias. Muito criativas, e sensíveis ao mesmo tempo. Ele tem um ouvido sensível ao que as pessoas podem gostar, tem o ouvido de produtor. Lembro-me de pensar que o iria chamar para produzir o meu próximo disco. Dito e feito. E acho que fiz uma boa escolha. Adoro fazer música com amigos. A música é isso, não é mais que comunhão.

E quem é que colocou essas opções de outros produtores em cima da mesa, foste tu?

Foi a indústria. Antes de assinar com a Warner Spain houve a opção de assinar com a Decca Records, que é incrível. Um contrato assassino! Para vender a minha alma! Eles falavam de um produtor de fora, para dar aquele prestígio, e eu até considerei. Mas não aconteceu. Já tinha de trocar de coração, trocar de alma também não me apetecia nada. 

Antes de assinar com a Warner Spain houve a opção de assinar com a Decca Records, que é incrível. Um contrato assassino! Para vender a minha alma! Já tinha de trocar de coração, trocar de alma também não me apetecia nada.

Em "Prometo não prometer" voltas a ter a Luísa na composição. Foi um pedido teu, como volta a surgir esta colaboração com a tua irmã?

Foi tão simples. Em 2017, depois do Festival, liguei-lhe e disse-lhe: 'olha, escreve-me aí o próximo "Amar Pelos Dois"'. E ela disse 'está bem' e escreveu este tema. 

É possível um "próximo" "Amar pelos Dois"?

É muito difícil! É muito difícil que um tema consiga chegar à escala daquele, nacional e internacionalmente. Foi uma conjugação de fatores, não foi só a canção em si. Se calhar, se fosse com o “Prometo não prometer” era o “Prometo não prometer". Acho que não foi o "Amar pelos Dois" em si. Foi do Festival, das pessoas, da necessidade de uma música despedida. Do próprio momento que Portugal estava a viver, de ascensão. Mas é muito difícil voltar a repetir essa conjugação. É muito difícil que alguma canção minha, e sejamos honestos, tenha o impacto que o "Amar pelos Dois" teve.

créditos: MIGUEL A. LOPES/LUSA

O disco tem temas em quatro línguas, para além do português, cantas em inglês, espanhol e francês. Já te ouvimos a falar em italiano e, mais recentemente, em sueco. Como te sentes mais confortável a cantar?

Português, porque é a minha língua mãe, aquela com que cresci. E é aquela que acho que tem os vocábulos mais bonitos. 

E o público, lá fora, reage de forma diferente a um tema em português ou em espanhol? Por exemplo, agora quando estiveste em Macau?

Reação diferente... na altura não. Mas há muita gente que vem ter comigo depois e diz: 'quando tu cantas em português, acontece alguma coisa de especial'.

É muito difícil que alguma canção minha, e sejamos honestos, tenha o impacto que o "Amar pelos Dois" teve.

E como é ouvir isso?

Eu gosto. Sou orgulhoso de ser português, não num sentido nacionalista. Tenho orgulho nas minhas origens. Agora, não sinto que cante com menos afinco noutra língua. A verdade é que todo o meu background e a minha história se calhar reflete-se naqueles minutos das canções em português, algo que talvez ainda não aconteça com as canções em francês. Ainda que adore cantar em francês porque sinto que é uma língua super romântica e erótica; e em espanhol, porque leva-me sempre para a América Latina. Cada língua tem uma personalidade e eu assumo-a, não só a cantar.

Se o francês tem um lado mais romântico, que lado tem o espanhol?

Quando fui viver para Espanha fiquei logo amigo dos latinos, não tenho muitos amigos catalães. Tive mais uma relação com a Venezuela que com qualquer outro país da América Latina. Foi com o meu amigo Leo, que é ainda meu grande amigo e co-compositor do disco, que comecei a conhecer a música de lá. Eu andava sempre rodeado de venezuelanos. Eles são super calorosos e são pessoas muito alegres. Agora estão a passar um período horrível, mas acho que vão ressurgir e voltar a ser aquilo que diziam ser: o país mais feliz do mundo.

Por falar em sueco… Foste recentemente convidado para um programa de televisão na Suécia onde conheceste o Anderson.Paak, que te teceu inúmeros elogios no Instagram. 

Imagina... Estou a chegar ao programa, depois de estar um mês fora de qualquer tipo de fama e a fazer um curso intensivo de sueco, como um gajo qualquer... Cheguei aos camarins, de repente passo por uma porta e vejo um gajo e penso 'conheço este gajo de algum lado'. Olhei de novo pensei que ele era muito parecido com o guitarrista do .Paak. Quando chego ao meu camarim, ao lado está um papel a dizer Anderson .Paak. 'Eia, cum ca*****'. Liguei à Jenna [sua mulher] e pensei: 'pá, tens que fingir que estás na boa porque o gajo também é convidado, estamos em pé de igualdade'. Quando ele acaba de tocar e vejo que vem no meu sentido, encosto-me à parede [e exemplifica, junto da parede mais próxima] porque isso até parecia mais cool. O gajo vem e eu digo-lhe que também sou convidado do programa. 'Nice to meet you', responde-me. Disse-lhe que gostava muito de jazz, que era daí que vinha, mas que tinha flipado com a cena do gajo tocar e cantar na NPR [NPR Music Tiny Desk Concert]. 'Ando a fazer vídeos de milhões de dólares e nenhum vai ter tantas views como esse', responde-me. É porque aquilo foi tão especial, com uma energia incrível naqueles quinze minutos de vídeo. Ainda lhe perguntei se ainda estudava bateria; ele disse que não. Enfim, uma conversa de música. Depois disse-lhe que ia cantar de seguida e convidei-o para assistir, mas ele disse que tinha de bazar. 'Tá bem. Fui para o estúdio e a Ana, a minha manager, disse-me, depois, que ele começou a perguntar 'who works with this guy, who works with him?' [quem é que trabalha com aquele gajo?]. 'Let me get his contact, this is amazing' [Quero o contacto dele, isto é incrível]. O manager dele ficou com o contacto da Ana e escreveu-lhe depois a dizer: '.Paak really wants to listen to the song, how can he do it?' [o .Paak quer muito ouvir a canção, como pode fazê-lo?]. Na altura o disco ainda não tinha saído e a Ana até lhe disse que podia lhe mandar um bootleg, que eu não tinha Instagram [pessoal], mas que me podia mandar um e-mail. Nunca mais me mandou o e-mail. Mas nessa conversa ele até disse: 'I would love to work with him' [Eu ia gostar muito de trabalhar com ele]. Quando ele diz isso, eu fiquei completamente louco. Mas eu estou à espera do momento perfeito para lhe escrever um e-mail, não quero ser chato. E quando escrever, quero ser objetivo, quero dizer-lhe: 'queria fazer esta canção contigo'.

Entretanto o meu Instagram [de artista, não gerido pelo Salvador] foi hackeado, pouco depois dele ter feito as stories comigo. E pediram um resgate. Que sociedade é esta em que existem já resgates virtuais. Recuperámos a conta sem o pagar, mas as conversas já tinham desaparecido. Não sei se ele tentou enviar algo no tempo que em que aquilo esteve em baixo [cerca de duas semanas]. É estranho explicar-lhe isso. Imagina que vais sair com uma miúda e a desculpa que dás é esta. 

Quando chego ao meu camarim, ao lado está um papel a dizer Anderson .Paak. 'Eia, cum ca*****'.

Voltando ao disco, explica-me esta relação com o "Paris, Texas".

Na verdade, essa relação começou ainda antes de nascer. O filme sai em 1984, o meu pai foi ao cinema ver, tinha casado há pouco tempo com a minha mãe, estava na altura de se calhar fazer uma família... E, na altura, ele vê o filme e identifica-se com a personagem do gajo. Pensa: 'vou bazar, não sei se estou preparado para uma família...'. Eu não sabia disto até há bem pouco tempo, até dizer ao meu pai que ia chamar ao disco de "Paris, Lisboa". Comigo, começou na faculdade de Letras, numa altura em que lá estive infiltrado. O Nuno Nabais, o 'pai' da Fábrica do Braço de Prata, a minha segunda casa, disse-me para ir às aulas dele de Filosofia. E eu comecei a ir. Como foi no início do ano [2017], comecei a ir a outras aulas porque os professores não sabiam que eu não era de lá. Então fui a Estudos Pessoanos, Cinema Independente Norte-Americano e Inglês, Estudos de Género e mais uma data de aulas que vi na Internet.

Fizeste quase um minor nunca inscrito.

Foi só um ano porque no ano seguinte já me conheciam. Mas atenção, fui falar com todos os professores e disse-lhes que estava ali infiltrado e pedi autorização. Disse-lhes 'não posso falar'. Só que eu tenho uma necessidade, como qualquer artista, de chamar a atenção. Lembro-me de na aula de Cinema Independente Norte-Americano, do professor perguntar o nome a cada aluno e de ter respondido: 'olá, eu sou o Pedro...'. E devia só ter dito: '...e gosto de cinema'. Mas não, disse: '.... E não gosto nada dos Estados Unidos, exceto de duas coisas: o jazz e o cinema'. Chamei demasiado a atenção. 

Nunca ninguém te reconheceu, pelo menos dos Ídolos?

Não, não. Eu mudei muito. Mas ainda tentei ir uma vez depois do Festival da Canção, mas já era bué da chato.

Tenho uma necessidade, como qualquer artista, de chamar a atenção.

Tenho de te fazer esta pergunta, porque foi um dos temas da semana. Como é que olhas para incêndio na Catedral de Notre Dame?

A história escreve as suas páginas. Pensei que quem fosse pagar aquilo era o Governo Francês, mas afinal várias famílias deram milhões. Acho vergonhoso quando há refugiados, Moçambique... Porque é que não dão esse dinheiro às pessoas. Achei que o governo pagaria a Catedral, mais tarde ou mais cedo.

créditos: MIGUEL A. LOPES/LUSA

A tua mulher está tão presente quanto omnipresente neste disco. Por um lado há um tema escrito por ela, e a presença na contracapa, por outro há uma certa noção de distância que leva a uma de ‘reencontro’.

Eu dizia sempre que a chave da nossa relação era a distância, mas não, é mesmo o reencontro. Não temos nenhuma rotina, cada um está do seu lado, e quando nos vemos é pura alegria e puro amor. Agora, por exemplo, vai fazer um filme Itália, que eu vou cantar a banda sonora.

Escreveu-se no início do ano que irias entrar num filme com ela.

A sério? Não vou entrar, vou só cantar o tema dos créditos. Mas eu gostava um dia de ser ator, como um Jacques Brel, um Yves Montand ou um Frank Sinatra. Adorava, adorava.

Algum tipo de filme em particular?

Filmes independentes, de autor.

Gostava um dia de ser ator, como um Jacques Brel, um Yves Montand ou um Frank Sinatra. Adorava, adorava.

Já foste aconselhado a deixar de dizer alguma coisa?

Porra, todos os dias. Todos os dias.

Pergunto isto porque já foste tão amado como criticado por algumas ‘tiradas’ mais irónicas ou cáusticas como ‘a do peido’ ou, recentemente, “Eurovision was my prostitution” [A Eurovisão foi a minha prostituição].

O concerto de Pedrógão, qual? Aquele que se perdeu o dinheiro? Ah não, desculpa. Grave é ter dito "peido". Estou sempre a ser aconselhado. E eu próprio estou a viver uma época de conflito interior em que penso se a verdadeira liberdade está em dizer tudo o que quero, sendo que depois não durmo à noite ou fico preocupado com as coisas que possam dizer de mim — como quando dizem que sou um mal-agradecido por ter tido que a Eurovisão foi a minha prostituição. Será que a liberdade está aí ou está em meter um filtro e não dizer coisas que possam não agradar. Não sei, mas continuo ainda a dizer tudo. Mas isso pode mudar.

Irrita-te então essa imposição do politicamente correto?

Os comediantes podem, já percebi.

A Eurovisão é uma coisa à qual estarei sempre orgulhosamente ligado.

Bem, uns dizem que não. Tanto está muito em voga a questão se há limites para o humor. 

Acho que tem de ser tudo baseado no bom senso. As pessoas têm de perceber o que é a brincar ou não.

A Eurovisão é um capítulo arrumado?

Acho que nunca vai ser. Nem por mim, nem pelos jornalistas, nem pelo público e nem pela própria Eurovisão. Acho que é uma coisa à qual estarei sempre orgulhosamente ligado.

O melhor de teres ganho foi conhecer o Caetano Veloso?

Eu já disse isso?

Não, por isso estou a perguntar.

Conhecer e cantar. O Caetano Veloso deitou a baixo a premissa do 'nunca conheças os teus ídolos'. É a pessoa mais querida, sem qualquer tipo de divismos, quase frágil. Quase que me apetece abraçá-lo o dia todo. E é completamente apaixonado pela música, não parava de tocar... Como é que é possível com 76 anos ainda ser fascinado desta forma com a música.

Revês-te nisso?

É o que almejo. Ter aquela idade e que a música continue a seduzir-me daquela forma.

A música e os novos músicos, porque com a idade do Caetano e com a vida e as pessoas que conheceu ao longo dela, ter esta vontade para abraçar a novidade é algo espantoso.

E para enfiar-se num mundo daqueles [final da Eurovisão]. Eu às vezes perguntava-lhe: 'estás bem aqui?'. Ele é uma pessoa fácil. É engraçado porque ele apanhou-me numa fase quase revolucionária, chateado com tudo, com as selfies, com os concertos onde as pessoas não se calavam... E ele dizia-me: 'não tem mal, não'. 

O Caetano Veloso deitou a baixo a premissa do 'nunca conheças os teus ídolos'. É a pessoa mais querida.

Isso já não te chateia?

Hoje em dia já estou muito mais em paz com isso, porque também acalmou.

Em algum momento sentiste que a tua privacidade não foi respeitada?

Porra, então entraram-me no hospital e pelo quarto a dentro. Não eram jornalistas, eram pessoas para ver... E quando diziam que eu estava a morrer? Foi horrível. Fico logo angustiado quando começo a falar disso.

Custou mais a ti ou custou por saberes que a tua família estava a ler?

Boa pergunta. Uma vez disseram-me: 'se pensas que sofres com a tua doença, a tua família sofre mil vezes mais'. Porque tu está dentro do teu corpo, sabes mais ou menos o que está acontecer.

créditos: Rita Sousa Vieira | MadreMedia

Em Kiev usaste uma camisola a dizer “SOS Refugees”...

'Se fosses este ano?’

Agora, se alguém hoje quisesse um concerto meu em Israel. Eu não ia.

Ias a Israel?

Muito difícil responder a isso. Mas a pressão do público da Eurovisão, do público português, da RTP... Não te esqueças que quando fui à Ucrânia já existia a questão da Crimeia. E eu fui. Agora, se alguém hoje quisesse um concerto meu em Israel. Eu não ia. Agora, a Eurovisão é outra coisa. Ir e levar uma camisola a dizer "Libertem a Palestina"... não posso. Acho que nem tinha coragem para o fazer. Mas é o que digo sempre, é preciso muito mais coragem para não ir do que para ganhar.

O que é que responderias ao Roger Waters, se estivesses na situação de receber uma carta dele?

Não sei. Gostava de responder: 'tens razão, não vou'. Mas é muito difícil.

Como é que te foi permitida essa camisola?

Não foi. Foi tudo às escondidas. Eu era o terror dos gajos. Acho que agora há uma nova cláusula nos contratos a dizer que não se podem levar camisolas. Por minha causa, já nem sei quem me contou isto.

Mas houve outra ocasião. Já estava farto de ensaiar, porque com a minha banda nunca ensaiamos, somo músicos de jazz, e ali eram mil ensaios… Então um dia digo assim à minha irmã: 'não queres escrever uma letra em inglês para neste ensaio, por graça, fazê-lo em inglês?'. E ela assim o fez, da noite para o dia. Quando ia no corredor para ir cantar, esses ensaios já são com público, vem-me a Carla [Bugalho], chefe da delegação portuguesa, e diz-me que se eu cantasse em inglês éramos desclassificados. Se ela não tivesse reparado que eu ia fazer aquilo, já que não lhe disse nada, mas a minha irmã comentou, podíamos ter sido desclassificados. Foi um anjinho da guarda que a empurrou naquele corredor, para não ter sido desclassificado, ter ganho, e ter-me acontecido tudo de bom que depois aconteceu.

Tenho falado com alguns músicos, relacionados com o Festival de agora ou do passado, e todos me dizem uma frase : há um “antes e um depois do Salvador Sobral". Como lidas com uma afirmação destas?

Gosto de ter aquela postura altruísta de dizer que não fui eu, foi a minha irmã e a RTP. Foi também o grande Nuno Artur Silva, que quis fazer aquela reforma no Festival, que faz parte da tal conjugação de fatores que antes falava. Mas há é um antes e um depois da reforma do Festival. 

A que se deve esta inclusão de "Anda Estragar-me os Planos", composta originalmente por Francisca Cortesão e Afonso Cabral para ser interpretada por Joana Barra Vaz na edição de 2018 do Festival da Canção, no disco. Porquê?

Fiquei completamente apaixonado por essa canção. Na altura em que ainda tinha a voz um bocado fraca e ia a casa do Júlio fazer a minha reabilitação, cantávamos várias coisas e surgiu essa. E comecei a cantar com um groove diferente da balada original. Pouco a pouco entrou no repertório e foi num concerto na Madeira que decidi que ela tinha de entrar no disco.

Há um conjunto de datas nacionais e internacionais em agenda, sendo que farás os teus primeiros Coliseus em Lisboa e no Porto em maio. O que é que está a ser preparado?

Haverá convidados e está a ser preparado algo de especial. Vão acontecer coisas engraçadas, espero. Mas tenho medo que não venha ninguém, não sei…

Se o comboio da Eurovisão, como lhe gosto de chamar, já tiver passado, mas tiver um sítio para tocar, se tiver bares, se tiver a Fábrica… estou pronto para isso.

Imaginas alguma vez deixar de tocar a "Amar pelos Dois" ao vivo?

O que é certo é que ainda tenho um prazer enorme em tocá-la. Mas amanhã, se conheço a sensação de olhar para um alinhamento e ver uma canção que não me apeteça tocar... Quando tiver essa sensação, vou reconhecê-la bem, vou deixar de a colocar no repertório.

Pode ser com o "Amar pelos Dois" como com outro tema.

Sim, isso já aconteceu.

O que é que nunca te perguntaram que quisesses responder?

Olha, já me perguntaram essa e na altura também não soube o que responder. Às vezes as pessoas pensam que os artistas ganham e esbanjam muito dinheiro... Se me perguntassem se o dinheiro é importante para mim… Não! Não tenho nenhum vício, para além do comer bem. Há quem me diga: 'tens de ter cuidado, hoje és o Salvador Sobral, mas amanhã as coisas...'. Se tiver saúde, quero lá saber. Se o comboio da Eurovisão, como lhe gosto de chamar, já tiver passado, mas se tiver um sítio para tocar, se tiver bares, se tiver a Fábrica, se tiver a minha tournée pela Andaluzia… Estou pronto para isso.