Como é que te sentes por ter tornado o Festival da Canção uma coisa fixe? E desta forma conseguimos arrancar-lhe uma gargalhada logo às primeiras palavras. Ao telefone, a conversa começou pelo tom que a caracterizou, descontraída. Salvador não ficou com os louros perante a nossa pergunta: “Acho que não fui eu sozinho. Acho que a RTP teve uma grande influência. Até porque eles próprios fizeram um esforço enorme para chamar malta fixe para conseguir que o festival fosse fixe outra vez”. Mas não só, também “porque a canção é belíssima”.
O cantor de 27 anos não é um “festivaleiro” em “nenhum sentido da palavra”. “Nem no sentido dos festivais de música, nem no sentido do Festival da Canção ou da Eurovisão. Nunca me interessou”, diz sem rodeios. “Nem sei quem é que representou Portugal da última vez”, acaba por confessar.
À Eurovisão concorrem este ano 43 canções. Já ouviu “uma ou outra”, mas a que gosta mesmo é a de Itália. “Gosto do gajo, parece ser fora da caixa e eu gosto disso. Precisamos de mais gente assim”, diz referindo-se a Francesco Gabbani.
O músico de “Amar Pelos Dois”, que se encontra no top cinco de favoritos à vitória final no evento, garante que a vitória não lhe interessa muito, quer “é levar a canção e passar uma mensagem bonita”.
Sobre a sua concorrência disse há uns dias, num evento organizado por uma associação de fãs do Festival da Eurovisão, que “há muitos hambúrgueres e a nossa canção é um bife tártaro”. E, já que falamos com Salvador Sobral na sua hora de almoço, puxamos o tema. “A música é crua, sem pretensões”, como um tártaro e parece-lhe “um bocadinho mais rica musicalmente” do que as restantes que tem ouvido. Era isso que queria dizer.
Na Internet, o seu aspeto físico foi alvo de comentários e críticas e a música considerada “pouco festivaleira”. Salvador diz ter uma “noção filtrada” do que é dito, tendo-lhe “passado tudo ao lado”. Até porque não tem especial relação com as redes sociais, as suas páginas são geridas pela agente. “As pessoas têm de falar mal, é algo cultural. É quase obrigatório”. Especialmente no que à música se refere, “acham que são todas super conhecedoras”.
Apesar disso, inúmeros elogios abafaram qualquer ruído negativo. Elogios como as palavras que Miguel Esteves Cardoso lhe dedicou no início de março para o jornal Público. Na sua crónica semanal, MAC diz que Salvador Sobral tem, entre outras coisas, “uma musicalidade irrequieta que se atreve a cantar por cima do canto. Canta como se toda a música dependesse dele. Cada canção é um tudo ou nada”.
Sobre a sua saúde já muito se escreveu. Dos títulos mais alarmistas à possibilidade da participação na Eurovisão estar em risco, muita tinta já correu. A agente do músico, Ana Paulo, já fez saber que a sua participação não está em causa e o músico prefere não falar no assunto. Ao SAPO24 disse apenas que “está tudo bem”.
“Amar Pelos Dois” é da autoria da sua irmã, Luísa Sobral, com quem tem uma relação muito “sincera” e “frontal”, mas Salvador participaria na mesma no Festival da Canção se fosse interpretar algo de um músico que admira, como Samuel Úria ou Márcia.
Dos Ídolos à Eurovisão
Foi no programa Ídolos, em 2009, que apareceu pela primeira vez na televisão. Tinha 19 anos quando participou no concurso de música da SIC onde ficou em sétimo lugar.
Voltou ao grande ecrã apenas este ano. Longe dos grandes holofotes, diz que andou a conhecer-se “pessoal e musicalmente” e a compor. Também a fazer “algumas loucuras” e apaixonar-se algumas vezes.
"Excuse Me", lançado em março de 2016, é o primeiro disco de Salvador Sobral. Teve a coprodução musical do pianista Júlio Resende, do compositor venezuelano Leonardo Aldrey e do próprio cantor. Com a Eurovisão ainda distante, tem vindo apresentá-lo pelo país. E a receção não podia ser melhor: “Tem sido tudo super-mega-incrível. As pessoas têm sido muito queridas”.
Na conferência de imprensa da Organisation Générale des Amateurs de l'Eurovision (OGAE), que aconteceu em Lisboa no passado dia 21 de março, Salvador Sobral confessou que muitas das salas que o haviam recusado, "agora ligam a dizer que têm vagas já em abril".
Quando estava a fazer Erasmus em Maiorca, no curso de psicologia, desistiu “de tudo” e foi para Barcelona estudar. O “jazz era a minha música”, percebeu na altura. “Se gostas mesmo de música, estudá-la é essencial”, diz-nos. Chet Baker, Billie Holiday e Caetano Veloso são algumas das suas influências. Recomenda-nos que ouçamos “Heritage”, de Richard Bona. Aquilo que anda a ouvir por estes dias.
Um fenómeno de popularidade
Salvador é um fenómeno na Internet. No YouTube, o vídeo da atuação no Festival conta já com mais de um milhão de visualizações. Na mesma plataforma, músicos anónimos partilharam já a sua versão de “Amar pelos Dois”. Da bossa-nova ao metal, são muitas as versões do tema. Para Salvador Sobral isso “é uma honra”.
Esta é a primeira vez que uma música nacional está tão bem classificada antes da Eurovisão. No ranking global, que agrega todas as casas de apostas que se dedicam a prever o vencedor de cada edição, “Amar Pelos Dois” encontra-se em quinto lugar da lista liderada pela canção italiana “Occidentali’s Karma” de Francesco Gabbani.
Já no top Cision BLITZ, que mede a notoriedade mediática dos músicos portugueses, Salvador Sobral encontra-se no primeiro lugar do pódio com mais de 100 milhões de impressões e mais de 2 mil referências, tanto nos meios de comunicação social, como nas redes sociais.
Portugal nunca venceu o Festival Eurovisão. A melhor prestação foi a de Lúcia Moniz, em 1996, com a canção "O Meu Coração não tem Cor ", que alcançou o sexto lugar. Desde 2010, com a cantora Filipa Azevedo e a canção “Há Dias Assim”, que um tema português não passa à final.
Salvador Sobral vai “Amar Pelos Dois” e representar Portugal na primeira meia-final do Festival da Eurovisão, no dia 9 de maio. A segunda semifinal está agendada para 11 de maio e a final decorre no dia 13 do mesmo mês.
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