"A aventura mais surpreendente que alguma vez já leu". Esta frase está não só no topo da capa da versão portuguesa do livro de Gregory David Roberts, como é também aquela que se destaca assim que procuramos por "Shantaram" num conhecido site de venda de livros nacional. E ainda que tudo isto soe a discurso de marketing do mercado livreiro, a verdade é que estamos perante um fenómeno literário a nível mundial (é um bestseller que vendeu entre seis a sete milhões de cópias) que faz parte do Plano Nacional de Leitura.
Publicado originalmente em 2003, o livro retrata uma história que mistura fugas de prisão, corrupção, política e o ambiente frenético e vibrante de Mumbai dos anos 80. A sua popularidade chegou a ser de tal ordem, que, por alturas do seu lançamento, não havia hostel na Índia que não tivesse no lobby um exemplar para apelar aos sentidos dos turistas. Assim como já houve várias tentativas para ser adaptado no cinema, em que nomes bem conhecidos de Hollywood (Russell Crowe, Johnny Depp, Joel Edgerton) chegaram a estar ligados ao projeto. Todavia, somente quase vinte anos depois é que o amado conteúdo das páginas (e vida) de Roberts iria ganhar vida em imagens. Não para a tela grande da sala escura com originalmente pensado, mas para o pequeno ecrã do streaming.
Em "Shantaram", tanto na série como no livro, seguimos a história de Lin, um ladrão de bancos que fugiu de uma prisão australiana para acabar nas ruas fervilhantes de Mumbai (ou Bombaim, já que é pelo nome antigo que a história trata a Cidade Dourada, ela própria uma personagem de luzes e vida) à procura de um momento de redenção. Na série, Lin (que não é o nome verdadeiro, mas o nome que consta no passaporte falso) é interpretado pelo ator britânico Charlie Hunnam, que revelou em entrevista que este é um projeto-paixão que perseguiu obsessivamente durante anos.
A história que dá mote ao livro é baseada na vida de Gregory David Roberts, mas não é uma autobiografia típica ou no sentido lato do termo (e é por isso que muitos sites de venda de livros categorizam a obra como "novel"). Quem o diz é o próprio autor, que explica que escreveu o livro como sendo um romance tendo por base factos verídicos. E os factos verídicos surgem da sua experiência na Índia, onde viveu durante oito anos, embora esse não fosse o plano.
Inicialmente, Roberts contava ficar apenas dois dias em Mumbai antes de seguir viagem para a Alemanha (onde foi apanhado mais tarde). A realidade é que acabou por ficar lá durante praticamente uma década. Desse período, 18 meses foram passados em bairros de lata, onde abriu uma espécie de "centro de saúde" — mas só até ser arrastado para o mundo traiçoeiro do crime organizado. Esta parte é retratada no livro e na série, mas com "acrescentos" ao que realmente aconteceu.
Porque, de facto, existem diálogos, personagens e situações fascinantes em ambos os casos; mas é tudo narração fictícia, ainda que seja baseada em experiências reais. Ou seja, estamos perante uma série levemente baseada num romance que é baseado levemente na vida do autor. Exemplo: na ficção, há um vício com droga à conta da surdina de um amor louco e jovem; na realidade, a adição deu origem a um divórcio. Ainda assim, na opinião de Roberts, não deixa de ser uma aventura digna e merecedora de ser contada. E a julgar pela quantidade de livros vendidos, é capaz de ter alguma razão.
"Shantaram", a série, começa no ano de 1980 e abre com a ousada fuga de Dale Conti (assim é o nome verdadeiro do personagem de Charlie Hunnam) de uma prisão, em plena luz do dia. Sem papéis legais ou hipótese de permanecer no país Natal a contas com o novo estatuto de foragido sem-lei, Conti aterra em Bombaim para ter uma experiência que lhe vai mudar a vida. E isto acontece muito por culpa das pessoas que conhece: seja pela amizade que nutre pelo recém-melhor amigo indiano Prabhu, seja pela atração que sente pelo enigma que é a sedutora Karla (Antonia Desplat, filha do famoso e oscarizado compositor francês).
Como explica esta crítica, rapidamente aprendemos que, independentemente dos crimes e defeitos, Lin / Dale não é tipo mau. É só alguém inteligente que teve um futuro promissor, mas algures pelo caminho da vida se deixou descarrilar pelo comboio do desespero e da heroína — sabemos isto através de flashbacks que abrem a maioria dos episódios, nos quais vemos os seus erros, incluindo aquele roubo falhado que o levou para a prisão na primeira instância. Porém, a moral da história é que tem muito para viver e muito para compensar.
Por falar em críticas, o que se escreve maioritariamente sobre este original da Apple TV+ é que estamos perante uma série sobre a qual não dá para dizer que é "má". As personagens são complexas, os atores estão todos a bom nível (se esquecermos o sotaque australiano de Hunnam, segundo os media locais) e a história mantém-se fresca e intrigante durante os 12 episódios que compõem a primeira temporada (esperam-se mais). Assim como é facilmente perceptível que está bem executada a nível técnico.
Porém, parece ser unânime quando se fala em termos de duração, com muitas vozes a escreverem que a série se deixa arrastar demasiado e que não eram precisos estes minutos todos para o arco narrativo das personagens. No entanto, esta podia muito bem ser uma crítica à Era atual do streaming e não somente a "Shantaram" — afinal, esta está longe de ser a única que nos últimos tempos se prolonga mais do que devia.
Os três primeiros episódios de "Shantaram" já estão disponíveis para visionameno na Apple TV+.
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