É um dos momentos altos da temporada dos prémios da indústria cinematográfica. O pontapé de saída foi com neve, em Sundance, depois a coisa deu um saltinho por Berlim e seguiu em Cannes onde a Palma D'Ouro foi entregue a Parasitas, na Boulevard de la Croisette da Riviera Francesa, mas só como desculpa para que Veneza se levantasse da cadeira para aplaudir Joker de pé. O que se seguiu? Uma viagem transatlântica até à festa do champagne dos Globos de Ouro, que colocou 1917 definitivamente no mapa — coisa que continuou com os prémios dos Sindicatos de Atores e Realizadores norte-americanos.

Ou seja, tudo isto para se escrever que chegou o tempo dos BAFTA. E, diga-se, é coisa para dar barulho não só por causa das polémicas em torno das nomeações, mas também porque são um forte indicador daquilo que poderá acontecer nos Óscares, a  9 de fevereiro. Portanto, não é de estranhar que o olhar cinéfilo esteja atento a esta edição dos prémios da Academia britânica — nem que seja pelo sururu que ganhou tração especial (na Internet, claro) quase imediatamente após serem conhecidos os nomes que irão disputar as máscaras douradas.

Explicando: do momento em que foram anunciados os vencedores dos Globos de Ouro às nomeações dos BAFTA passaram-se apenas 48 horas. Estávamos a 7 de janeiro. É esperado que se celebre o melhor que se fez no Reino Unido, mas a par da proximidade temporal, as escolhas para a corrida aos prémios britânicos não se destacaram pela diversidade. Há quem diga que a cerimónia está a perder a irreverência e se está a aproximar demasiado de algo que não aquilo que a distingue. Está mais popularucha e branca. No entanto, é de referir que no ano passado A Favorita, do grego Yorgos Lanthimos, arrecadou sete dos 12 prémios para que estava nomeado, e foi Roma, de Alfonso Cuáron, que acabou por sair por cima na categoria de Melhor Filme e de Melhor Realizador.

A cerimónia tem em Graham Norton o mestre-de-cerimónias e vai decorrer a 2 de fevereiro, sendo esperado que o Royal Albert Hall, em Londres, se engalane com pompa e circunstância para receber as estrelas do cinema. Em 2020, o cenário é um tanto ou pouco semelhante aos Óscares, ou, pondo de outra forma, Joker, de Todd Phillips, é o filme mais nomeado este ano, seguido pelo O Irlandês e Era Uma Vez Em... Hollywood. Há uma atriz branca duplamente nomeada e pouca diversidade nos nomes apresentados. Porém, antes de nos atirarmos às razões que estão na origem das reações negativas em torno das indicações, vamos a uma pequena explicação do que são, quem organiza e qual a relevância dos BAFTA. 

BAFTA e Óscares

Os prémios BAFTA são comummente designados como os Óscares britânicos, mas a cerimónia merece destaque por si só. É certo que a glória cinematográfica afinca o seu expoente máximo com os prémios norte-americanos, contudo, não raras vezes os vencedores do primeiro evento tendem a servir como fortes indicadores dos favoritos para a atribuição dos segundos. Mas o que os torna tão parecidos ou distintos?

A BBC America, por exemplo, diz mesmo que os BAFTA "têm certamente todas as características" que andam de boleia da Gala de Hollywood. Uma das razões, enumera, reside no prestígio. Se a cerimónia das estatuetas decorre no Dolby Theatre em Hollywood Boulevard, a britânica é realizada na famosa sala de espetáculos Royal Albert Hall, em Londres. E ambas contam com a presença da nata das indústrias cinematográficas britânica e norte-americana. As estrelas estão presentes, a elegância da passadeira vermelha idem (com a devia ressalva que em Londres faz um bocadinho mais de frio) e os discursos são igualmente impactantes — e com toda pompa e circunstância que estas coisas acarretam.

Assim, existindo tal comparação, não é difícil adivinhar que os BAFTA, organizados pela Academia Britânica de Artes do Cinema e Televisão, são considerados os maiores prémios de cinema do Reino Unido. A Academia, uma entidade de caridade independente e com aproximadamente 8.000 membros, foi formada em 1947 e distingue o que melhor se fez na televisão, cinema e videojogos durante o ano. Todavia, fá-lo em três situações distintas e em três cerimónias diferentes: a de cinema acontece esta noite, a de televisão acontecerá em maio, no dia 17, ao passo que a celebração dos jogos de vídeo acontece em abril, dia 2. Entre 1968 e 1997, não havia diferenciação entre os prémios de televisão e de cinema e eram atribuídos na mesma cerimónia. Todavia, chegado o 1998, tal deixou se acontecer. 

(Cabe ainda a curiosidade de que a história da família real está intrinsecamente ligada à da Academia britânica, ou não fosse o Duque de Cambridge, o príncipe William, o seu presidente desde 2010. Diga-se que o filho da princesa de Diana segue as pisadas do avô, tendo em conta que o Príncipe Felipe, Duque de Edimburgo, foi o primeiro presidente.)

Máscaras e timings

Os Óscares têm as suas icónicas estatuetas, os BAFTA têm as máscaras. A primeira de todas elas, fundida a bronze, foi entregue a Charlie Chaplin, em 1976. A origem do seu desenho remonta a 1955. Andrew Miller-Jones, do sindicato dos produtores de televisão do Reino Unido, encomendou o desenho do prémio à artista norte-americana Mitzi Cunliffe — que se tinha mudado para solo britânico em 1949. Cunliffe, de acordo com a CNN, baseou-se numa máscara tradicional de teatro. No entanto, acrescentou no seu interior um átomo em torno de um dos olhos e um ecrã no outro. O intuito? Simbolizar a ligação entre o drama e a tecnologia (na televisão).

Tal informação é relevante porque o Sindicato dos Produtores de Televisão do Reino Unido iria fundir-se, em 1958, com a Academia Britânica Cinematográfica, que, posteriormente, daria origem à Academia Britânica de Artes do Cinema e Televisão (BAFTA), em 1976.

Nos últimos anos, os BAFTA tem decorrido antes dos Óscares, mas nem sempre foi assim. Aliás, a ordem até era inversa: primeiro eram entregues as estatuetas douradas e só depois, em abril ou maio, é que a indústria britânica celebrava o que melhor tinha sido visionado no seu território. Ora, tal cenário inverteu em 2001, quando as festividades foram recalendarizadas para meados de fevereiro, altura em acontecem também os Globos de Ouro, a par dos conhecidos — para os cinéfilos, pelo menos — prémios dos Sindicatos dos Atores (SAG), Produtores dos Estados Unidos (PGA) e dos Realizadores dos Estados Unidos (DGA), tudo prémios e distinções que servem para se ter ideia de quem poderá triunfar nos Óscares. 

E é por isso que, inadvertidamente ou não, os prémios britânicos do cinema acabam por influenciar muita da massa votante da Academia norte-americana — nem que seja porque quando os BAFTA revelam os seus nomeados se está perto do fim do prazo que estes têm para votar nos nomeados dos Óscares, e quando os BAFTA anunciam os vencedores estamos no dia anterior à Academia de Hollywood abrir a janela para os votos finais. É certo que o inverso pode igualmente ter lugar, mas é inegável que há situações de voto em comum, muito por culpa dos 500 membros que fazem parte de ambas as Academias, a britânica e a norte-americana — o que não significa que os vencedores sejam sempre os mesmos e que os prémios britânicos funcionem como uma espécie de oráculo para o que aí vem. São, afinal de contas, duas entidades distintas. 

É certo que Gladiador (2001), Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei (2004), 12 anos de Escravo (2014) ou O Artista (2012) foram filmes que coincidiram, mas há anos em que tal não se verifica. Em 2016, os BAFTA galardoaram o The Revenant: O Renascido, ao passo que os Óscares deram "a maior" das estatuetas à história de investigação jornalística sobre abusos sexuais na Igreja, Spotlight. Um ano antes, a escolha para Melhor Filme recaiu sobre o trabalho de uma década de Richard Linklater, Boyhood – Momentos de Uma Vidaenquanto Hollywood preferiu Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância). O mesmo sucedeu o ano passado: Green Book — Um Guia Para a Vida ganhou o Óscar de Melhor Filme, Roma ganhou o BAFTA. 

Polémicas, nomeações e #BaftasSoWhite

Depois das nomeações, as críticas foram quase imediatas. Foram muitas as vozes que se levantaram apregoando a necessidade de mudanças pró-diversidade nos BAFTA. Uma delas foi mesmo a presidente executiva da academia britânica, Amanda Berry, que afirmou à BBC "concordar totalmente" com aquilo que foi dito sobre as escolhas dos membros. E não seria a única dentro da Academia britânica. Também Marc Samuelson, responsável pela comissão de cinema, adiantou à Variety que foi "exasperante" constatar as nomeações. O motivo? Não só não constam mulheres entre a lista final de realizadores — o mesmo se verificou nos Globos de Ouro e nos Óscares —, como nos 20 nomes que compõem as categorias de representação (Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Ator Secundário e Melhor Atriz Principal) não consta nenhum elemento que não seja branco/branca. E, por isso, está já em curso um plano para reformular as regras de modo a que já para o ano que vem os resultados sejam diferentes. 

Note-se que esta é uma luta que não é exclusiva da Academia britânica. A homóloga norte-americana debate-se com o mesmo problema nos últimos anos e, nesse sentido, tem feito um esforço para aumentar a diversidade dos membros que entraram para a Academia desde a campanha #OscarsSoWhite, de 2016 — altura em que pelo segundo ano consecutivo os nomeados eram quase exclusivamente brancos nas principais categorias de atores. Só que em 2020 há outra questão que está a marcar os BAFTA e os Óscares: o facto da australiana Margot Robbie estar nomeada duas vezes na categoria de Melhor Atriz Secundária (por Bombshell e Era Uma Vez Em… Hollywood) e de Scarlett Johansson contar com outras duas (Marriage Story e Jojo Rabbit, na categoria de Atriz Principal e Secundária, respetivamente).

O facto de duas atrizes brancas dividirem quatro nomeações entre si enquanto não existem pessoas de cor entre as quatro categorias de atores, de acordo com o site Screen Rant, pode enviar uma mensagem deveras preocupante: a de que o BAFTA prefere anunciar o mesmo nome duas vezes do que apostar noutros que saiam da "zona de conforto". Paralelamente, dá conta dos nomes que podiam figurar entre os nomeados para justificar este ponto. Em termos de realizadoras, dá três sugestões: Greta Gerwig, Olivia Wilde (Booksmart) e Lorene Scafaria (Ousadas e Golpistas). Mas nesta lista também podiam figurar ainda Lulu Wang (A Despedida), Marielle Heller (Um Amigo Extraordinário) ou Joanna Hogg (The Souvenir). Nas categorias de representação, vários sites especializados referem os nomes de Lupita Nyong'o (Nós), Jennifer Lopez (Ousadas e Golpistas), Cynthia Erivo (Harriet) e Eddie Murphy. Ainda assim, refira-se que não são apenas os sites especializados e que escrevem de cinema todo o ano que dão opiniões. Realizadores e atores bem conhecidos do Reino Unido também o fizeram.

Steve McQueen
Steve McQueen créditos: AFP

Esta falta de diversidade pode "arruinar a credibilidade dos prémios". E quem o diz é alguém que deles percebe e que até já subiu ao palco para receber a mais cobiçada das máscaras: Steve McQueen. O realizador que ganhou dois BAFTA — um pelo seu primeiro filme, em 2009, Fome e outro por 12 Anos Escravo, em 2014 — e não poupou as palavras numa entrevista ao The Guardian.

"A menos que os BAFTA pretendam ser como os Grammy, que não interessam a ninguém e que não tem qualquer credibilidade, então devem continuar neste caminho. Se não [querem], então precisam de mudar. Facto", disse McQueen.

Todavia, nota a Variety, na edição deste ano dos BAFTA, a categoria Rising Star ("Estrela em Ascensão", em tradução livre), que premeia atores que dão os primeiros passos na indústria, é mais inclusiva e conta com uma maior representação. Ora, nota a revista especializada que tal pode ter acontecido porque estes nomes são nomeados por um júri e não pela Academia. A atriz Awkwafina, que recentemente se tornou a primeira norte-americana com descendência asiática a ganhar um Globo de Ouro para Melhor Atriz, é uma das favoritas, mas Kelvin Harrison Jr. (Waves) ou Micheal Ward (Blue Story) também estão na corrida.

A lista completa dos nomeados

Melhor Filme

1917 

The Irishman

Joker 

Once Upon A Time... In Hollywood 

Parasite 

Melhor Filme Britânico

1917

Bait

For Sama

Rocketman

Sorry We Missed You

The Two Popes

Melhor Estreia por um Argumentista, Realizador ou Produtor

Bait

For Sama

Maiden

Only You

Retablo

Filme de língua não inglesa

The Farewell

For Sama

Pain and Glory

Parasite

Portrait of a Lady on Fire

Documentário

American Factory

Apollo 11

Diego Maradona

For Sama

The Great Hack

Filme de Animação

Frozen 2

Klaus

A Shaun the Sheep Movie: Farmageddon

Toy Story 4

Realizador

1917 — Sam Mendes

The Irishman — Martin Scorsese

Joker — Todd Phillips

Once Upon A Time... In Hollywood — Quentin Tarantino

Parasite — Bong Joon-ho

Argumento Original

Booksmart — Susanna Fogel, Emily Halpern, Sarah Haskins, Katie Silberman

Knives Out — Rian Johnson

Marriage Story — Noah Baumbach

Once Upon A Time... In Hollywood — Quentin Tarantino

Parasite —  Han Jin Won, Bong Joon-ho

Argumento Adaptado

Irishman — Steven Zaillian

Jojo Rabbit — Taika Waititi

Joker — Todd Phillips, Scott Silver

Little Women — Greta Gerwig

The Two Popes — Anthony McCarten

Atriz Principal

Jessie Buckley — Wild Rose

Scarlett Johansson — Marriage Story

Saoirse Ronan — Little Women

Charlize Theron — Bombshell

Renée Zellweger — Judy

Ator Principal

Leonardo DiCaprio — Once Upon a Time… In Hollywood

Adam Driver — Marriage Story

Taron Egerton —  Rocketman

Joaquin Phoenix —  Joker

Jonathan Pryce — The Two Popes

Atriz Secundária

Laura Dern — Marriage Story

Scarlett Johansson — Jojo Rabbit

Florence Pugh — Little Women

Margot Robbie — Bombshell

Margot Robbie — Once Upon a Time… in Hollywood

Ator Secundário

Tom Hanks — A Beautiful Day in the Neighborhood

Anthony Hopkins —  The Two Popes

Al Pacino — The Irishman

Joe Pesci — The Irishman

Brad Pitt — Once Upon a Time… in Hollywood

Banda Sonora Original

1917 — Thomas Newman

Jojo Rabbit — Michael Giacchino

Joker — Hildur Guđnadóttir

Little Women — Alexandre Desplat

Star Wars: The Rise of Skywalker — John Williams

Casting

Joker — Shayna Markowitz

Marriage Story — Douglas Aibel, Francine Maisler

Once Upon a Time… in Hollywood — Victoria Thomas

The Personal History of David Copperfield — Sarah Crowe

The Two Popes — Nina Gold

Diretor de Fotografia

1917 — Roger Deakins

The Irishman — Rodrigo Prieto

Joker — Lawrence Sher

Le Mans ’66 — Phedon Papamichael

The Lighthouse — Jarin Blaschke

Montagem

The Irishman — Thelma Schoonmaker

Jojo Rabbit — Tom Eagle

Joker — Jeff Groth

Le Mans ’66 — Andrew Buckland, Michael McCusker

Once Upon a Time… in Hollywood — Fred Raskin

Design de Produção

1917 — Dennis Gassner Lee Sandales

The Irishman — Bob Shaw, Regina Graves

Jojo Rabbit — Ra Vincent, Nora Sopková

Joker — Mark Friedberg, Kris Moran

Once Upon a Time… in Hollywood — Barbara Ling, Nancy Haigh

Guarda-Roupa

The Irishman — Christopher Peterson, Sandy Powell

Jojo Rabbit — Mayes C Rubeo

Judy — Jany Temime

Little Women — Jacqueline Durran

Once Upon a Time… in Hollywood — Arianne Phillips

Maquilhagem

1917 — Naomi Donne

Bombshell — Vivian Baker, Kazu Hiro, Anne Morgan

Joker —  Kay Georgiou, Nicki Ledermann

Judy — Jeremy Woodhead

Rocketman — Lizzie Yianni Georgiou

Som

1917 — Scott Millan, Oliver Tarney, Rachael Tate, Mark Taylor, Stuart Wilson

Joker — Tod Maitland, Alan Robert Murray, Tom Ozanich, Dean Zupancic

Le Mans ’66 — David Giammarco, Paul Massey, Steven A. Morrow, Donald Sylvester

Rocketman —  Matthew Collinge, John Hayes, Mike Prestwood Smith, Danny Sheehan

Star Wars: The Rise of Skywalker — David Acord, Andy Nelson, Christopher Scarabosio, Stuart Wilson, Matthew Wood

Efeitos Visuais

1917 — Greg Butler, Guillaume Rocheron, Dominic Tuohy

Avengers: Endgame — Dan Deleeuw, Dan Sudick

The Irishman — Leandro Estebecorena, Stephane Grabli, Pablo Helman

The Lion King — Andrew R. Jones, Robert Legato, Elliot Newman, Adam Valdez

Star Wars: The Rise of Skywalker — Roger Guyett, Paul Kavanagh, Neal Scanlan, Dominic Tuohy

Melhor Curta de Animação Britânica

Grandad Was a Romantic — Maryam Mohajer

In Her Boots — Kathrin Steinbacher

The Magic Boat — Naaman Azhari, Lilia Laurel

Melhor Curta-Metragem britânica

Azaar — Myriam Raja, Nathanael Baring

Goldfish — Hector Dockrill, Harri Kamalanathan, Benedict Turnbull, Laura Dockrill

Kamali — Sasha Rainbow, Rosalind Croad

Learning To Skateboard in a Warzone (If You're A Girl) — Carol Dysinger, Elena Andreicheva

The Trap — Lena Headey, Anthony Fitzgerald 

Estrela em Ascensão 

Awkwafina

Jack Lowden

Kaitlyn Dever

Kelvin Harrison Jr

Michael Ward