Quem foi criança adolescente ali pelo final dos anos 90 certamente que se lembrará de um célebre episódio de “South Park”, no qual um Robert Smith gigante se digladia com uma Barbra Streisand também ela imponente, vencendo e restaurando a paz na pequena cidade animada onde se passa a ação. No final, o vocalista dos Cure sai de cena como um herói, corpo banhado pelo pôr-do-sol, com o jovem Kyle a oferecer-lhe a melhor das despedidas em tom de grito: “o 'Disintegration' é o melhor álbum de sempre'!”.

Começa-se por “Disintegration” porque foi este o álbum que, há 30 anos, ameaçou impor aos Cure o estatuto de “melhor banda do mundo”, que vai variando consoante o tempo, o gosto ou a vontade de cada um. É o álbum onde encontramos canções como o tema-título, 'Lovesong', 'Pictures of You' ou 'Fascination Street', o álbum onde milhares de outsiders encontraram uma voz que podiam fazer sua, um homem que cantava aquilo que eles sentiam no fundo da sua alma. O romance, a amargura, o existencialismo.

Ao longo do ano corrente, a banda britânica foi celebrando esse mesmo disco com uma série de concertos especiais, mandando aquele olá ao passado antes de começar a pensar no futuro – futuro esse que passa por um novo trabalho, o qual já se encontra a ser ultimado e que sucederá a “4:13 Dream”, editado em 2008. No entanto, não foi (lamentavelmente...) esse passado em concreto que os milhares de fãs que acorreram ao Passeio Marítimo de Algés puderam revisitar.

Em mais uma visita a Portugal, os Cure apresentaram-se, como têm feito nas últimas datas da atual digressão, em modo best of: houve vários temas sacados a “Disintegration”, sim, mas a amargura ficou de lado. Dir-se-ia, até, que Robert Smith e seus comparsas estavam estranhamente alegres – e isto, tendo em conta que estamos a falar de um grupo onde a melancolia era um modo de vida, onde o negro sibilava sobre todos os padrões, é uma situação rara.

Ao NOS Alive, e durante duas horas (uma a menos que as suas últimas passagens por cá, em 2008, 2012 e 2016), os Cure começaram por trazer a cor dançante de temas como 'Shake Dog Shake' ou 'Burn', que deram início a um espetáculo vivo onde o ritmo da bateria e o baixo galopante de Simon Gallup (perdoem-nos o trocadilho infame) foram a chave, e não tanto a voz sofrida de Smith. Lembramo-nos, por vezes, da magnífica 'Soon', dos My Bloody Valentine, canção onde a dança e o feedback caminham lado a lado – e depois lembramo-nos de que os Cure foram uma importante influência para todo o movimento shoegaze. Lembramo-nos, sobretudo, que não é preciso ser-se sempre tão soturno mesmo que o lado depressivo da vida nos sirva como uma luva, por entre um mundo que não nos entende, a nós, aos fãs dos Cure.

Ia-se percebendo a emoção nos rostos que, nos ecrãs laterais, iam sendo filmados, entregues à apoteose. Talvez esses tenham igualmente percebido, naquele momento, que o que importava era celebrar a vida na sua plenitude e não ceder a qualquer tipo de niilismos (mesmo que, mais à frente, se tenha escutado essa canção cortante que é 'One Hundred Years', onde Robert Smith assume que não importa que morramos todos). Adeus, tristeza: a radiância chegou para ficar.

'In Between Days' e 'Just Like Heaven' espicaçaram-nos o positivismo, pelo menos até 'Pictures of You' ter voltado a baixar ligeiramente as emoções, desaguando em 'A Forest', uma das grandes canções dos britânicos e do período pós-punk desse país, no início dos anos 80. Para o encore, toda uma sucessão de êxitos: 'Friday I'm In Love', 'Close To Me', 'Why Can't I Be You?' (onde o vocalista ainda arriscou uma proto-dança envergonhada e desconexa, abanando os braços) e, naturalmente, 'Boys Don't Cry', com várias pessoas abraçadas aos amigos mais próximos, saltando e pulando de alegria, talvez por terem percebido a mensagem ou por simplesmente não conhecerem mais nenhuma canção dos Cure além desta. Pouco importa: se Robert Smith quer que sejamos felizes, só temos é que lhe fazer a vontade.

Horas antes, o palco principal do NOS Alive foi alvo de uma outra espécie de melancolia: a de se saber que os Ornatos Violeta iriam ali matar saudades antes de voltarem a desaparecer, ou pelo menos até voltarem a ter vontade de atuar juntos num mesmo evento. Igual a si própria, a banda portuense fez rolar as lágrimas de todos aqueles que tiveram a sua adolescência moldada pelas melodias e poesias e Manel Cruz, que não demorou muito a tirar a t-shirt (como é, aliás, seu apanágio), pelo menos até resgatar uma da sua banda a um membro do público. «Só estava habituado a despir-me...», brincou.

Começando com uma versão de 'Circo de Feras', dos Xutos & Pontapés, os Ornatos Violeta foram desfilando clássico atrás de clássico, com 'Ouvi Dizer' a deixar os corações bem lá no alto mesmo que todos eles soubessem que o nosso amor acabou. 'O.M.E.M.' e uma 'Chaga' (para lembrar que há um fim) tão urgente quanto necessária foram outros dois grandes momentos de um concerto em modo retrofilia, ou o enorme fascínio por tudo o que tenha que ver com o passado: aquilo que sentíamos em putos era tão melhor, não era?

Quanto aos putos de hoje, preferiram outras paragens, como o Palco Sagres onde Jorja Smith se apresentou ao público português com as canções de “Lost & Found”, o seu álbum de estreia, editado o ano passado. A cantora britânica mostrou ser uma forte concorrente ao trono que antes foi de Sade Adu no que à sensualidade emotiva diz respeito, através de uma música entre o jazz e a pop onde a sua voz se sobrepunha como uma chama acesa lutando contra a ventania. Melhor que ela, só mesmo o público, maioritariamente jovem, que encheu o palco em questão e mostrou efusividade em todos os segundos do concerto. Mas saímos de lá a pensar que Jorja Smith talvez merecesse outro palco e horário: seria melhor escutá-la sob o signo de um belíssimo pôr-do-sol.

Esse horário ficou reservado para os Weezer, banda de verdadeiro culto dentro do rock alternativo mas que, possivelmente, não tem tantos fãs em Portugal quanto poderia ter. No seu regresso ao país após longa ausência, o conjunto de Rivers Cuomo deu um concerto morno, pautado por duas falhas ao nível do som, e no qual valeu 'Pork And Beans', êxito viral de 2008, e as versões que fizeram de 'Take On Me', dos a-ha, e de 'Africa' dos Toto, esta última editada recentemente e que lhes valeu toda uma nova legião de fãs. Quem disse que as canções que marcaram os nossos pais eram sempre uma seca?

Se Sharon Van Etten não foi surpreendente – apesar de terem sabido melhor ao vivo as texturas electrónicas e sintetizadas que imprimiu ao seu novo disco, “Remind Me Tomorrow”, editado em janeiro – , valendo-lhe essa grande canção que é 'Comeback Kid' (cantada de punho no ar, como se fora um qualquer tema de intervenção), os Linda Martini ainda o foram menos, apesar de terem uma vez mais tido a tarefa inglória de abrir um grande festival, mesmo tendo em conta que estamos a falar de uma das melhores bandas rock portuguesas do séc. XXI. Já está na altura de lhes darem a  oportunidade de encabeçar um dia qualquer.

O NOS Alive continua esta sexta-feira, no Passeio Marítimo de Algés, com concertos de Primal Scream, Vampire Weekend ou Grace Jones. Os bilhetes diários estão à venda pelo preço de 60,98 euros.

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