Um dos novos murais é da autoria de Odeith, um ‘filho da terra’, que em agosto pintou o rosto do ator Vasco Santana na parede de um prédio na zona da Falagueira, perto da estação de metro Amadora-Este.
Vasco Santana junta-se assim a Carlos Paredes, Amália Rodrigues, José Afonso e Fernando Pessoa, figuras que o artista começou a pintar em prédios naquela zona em 2015, ano da primeira edição do “Conversas na Rua”.
“A ideia foi manter o mesmo conceito, de artistas que já tinham morrido e que marcaram a história [de Portugal] a nível cultural”, explicou Odeith à agência Lusa.
Este mural, pintado em modo ‘free hand’ [mão livre], sem ser projetado na parede, vai ser de particular lembrança para Odeith, já que quando o pintou apanhou “dias de 44 graus”, numa parede que está ao sol entre as 10:00 e as 19:00.
Odeith demorou entre cinco e sete dias a pintar cada um dos murais, “tudo a ‘spray’ e com a ajuda de uma grua”, tendo usado “entre 150 e 280 latas, dependendo da altura de cada um”.
Pantónio demorou um pouco mais – dez dias – a pintar a fachada da Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), onde tentou “não fazer uma história fechada, mas dar só a sugestão de que há uma história, para que quem passa tente imaginar essa história”.
Tal como Odeith, também Pantónio pinta sem projetar o desenho na parede. “No meu caso, tenho que desenhar com erros de proporção e diretamente, não faz sentido projetar. As soluções que vou encontrando no trabalho é desenhando diretamente, aproveitando esses erros, que não são erros [porque] fazem parte do processo de trabalho”, partilhou.
O artista, originário dos Açores, começa por pintar “primeiro a rolo” e depois “com trinchas mais largas para fazer as linhas” as figuras esguias em movimentos entrelaçados que caracterizam o seu trabalho.
No mural que criou na Amadora tentou “brincar com a cor de fundo [a fachada da ESTC está pintada de amarelo]”, da qual inicialmente “não assim gostava tanto”, acabando por “tentar aproveitar para pô-la a interagir com elementos brancos”.
“Começo a rolo, faço as formas a preto. Está tudo na escuridão e depois vou introduzindo a luz. Há uma fase em que é um pouco abstrata e depois torna-se figurativo, e eu gosto desse jogo”, referiu.
Este é o primeiro mural de Pantónio na Amadora, enquanto Odeith, que nasceu e cresceu na freguesia da Damaia, é um dos protagonistas locais — e um dos artistas portugueses com maior projeção internacional, nomeadamente devido aos trabalhos desenvolvidos com técnica 3D (três dimensões) — no que à arte urbana diz respeito.
Por isso, foi convidado “para integrar a primeira edição do projeto, no sentido de ser uma espécie de embaixador artístico” do mesmo, disse à Lusa Catarina Valente, coordenadora do “Conversas na Rua”, projeto da Câmara Municipal de Amadora que surgiu para “promover a arte pública mural na cidade”.
“Tínhamos conhecimento do historial deste tipo de manifestação na cidade. Desde a década de 1970, com a pintura mural política, muito presente na cidade à época, e depois com o ‘graffiti’, que entrou nos anos 90, com bastantes murais a surgirem”, referiu Catarina Valente.
A responsável acredita que “esta pode ser uma forma de democratizar o acesso à Arte, tornar um pouco mais aprazível a paisagem urbana e, por outro lado, fazer com que as pessoas se aproximem mais do espaço público, o vivenciem mais”.
O projeto inclui artistas “que vieram da arte pública mural”, como Odeith ou Pantónio, mas também “outros com outros ‘backgrounds’, dispostos a aceitar o desafio de vir para a rua”.
Caso do arquiteto e ‘designer’ gráfico Pedro Peixe, do Estúdio Altura, que pintou este verão na Amadora o seu segundo mural.
“A pintura acaba por ser o meu ‘hobby’ e tem vindo a crescer”, contou à Lusa junto à parede do prédio onde pintou uma bailarina, que “é um bocado uma reflexão sobre a dança contemporânea”.
“Não é o óbvio, [não é] uma bailarina a dançar. Ela repousa, descansa entre atos. É mostrar também o movimento, as luzes, as cores, a música”, contou.
Para alguém mais habituado a desenhar em telas, papel ou computadores, pintar um mural “é difícil, é uma luta brutal para perceber como é que o desenho encaixa na parede, como é que as formas e as cores se interligam”, mas “é sempre uma experiência espetacular”.
Com estes convites a artistas de outras áreas, explicou Catarina Valente, o projeto visa “promover a diversidade de linguagens, que vai corresponder ao que é a cidade da Amadora, uma cidade com bastante diversidade cultural”.
Além disso, “numa cidade como a Amadora, que tem um estigma negativo associado, um conjunto de estereótipos a ela quase intrínsecos”, a autarquia considera que “é por via da Arte que pode haver uma maior participação a nível de cidadania”.
“As pessoas ajudam a manter o espaço a partir do momento em que ele tem algo com o qual elas se identificam. Achamos que isso é um sintoma de que é o caminho. O caminho para promover esta participação comunitária, para promover uma cidade mais dinâmica, mais criativa”, disse.
Para que possa fazer-se “uma viagem pela arte urbana da Amadora”, foi feito um levantamento fotográfico dos murais ali existentes, reunidos num mapa disponibilizado ‘online’.
“Começámos com os registos que tínhamos encontrado – a maior parte deles em contexto ilegal, mas que tinham uma presença bastante ubíqua na cidade – e fomos integrando novos registos no âmbito do ‘Conversas na Rua'”, explicou.
Atualmente estão registados no mapa mais de uma centena de murais, incluindo os que foram pintados este verão por Odeith, Pantónio, Pedro Peixe, Eime e a dupla Draw & Contra.
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