Há dezassete anos, foram milhares os jovens por todo o mundo que, em época de liceu, se deixaram contagiar pelo frémito de um senhor disco intitulado “Relationship of Command”. O caso não era para menos. Em pleno período nu-metal, os At the Drive-In traziam algo de que o rock se tinha esquecido, algo de que o punk hardcore nunca se esqueceu e mais uns quantos riffs a debitar atitude e juventude – ou ambas misturadas – com uma vontade que poucos paralelos tinha então e poucos paralelos parece ter agora, ainda que a nostalgia se encarregue sempre de elevar aquilo que anteriormente soava magistral.
A espaços, ainda soa: “Governed By Contagions”, tema presente no novíssimo “in•ter a•li•a”, álbum editado este ano que marca o regresso da banda, é uma das poucas canções dali retiradas que ainda nos fazem acreditar no poderio dos At the Drive-In. “One Armed Scissor”, com a qual fecharam o concerto, levou um festival inteiro a reviver a mesma juventude de outrora, os mesmos gritos, o mesmo punho fechado e erguido. Cut away, cut away... Fugir à monotonia da vida adulta, do sentimento bafiento da velhice e da parca perspetiva de futuro. «Vocês são todos meus irmãos e irmãs», ouviu-se da boca de Cédric. E um pedido: «vão para casa e espalhem esse amor».
Antes disso, foram uns At the Drive-In em modo profissional aqueles que se apresentaram pela primeira vez no país, depois de umas quantas visitas dos monstros prog Mars Volta. Houve disco novo para apresentar e foi por aí que mais deambularam, deixando momentaneamente de parte as paixões antigas. Como que querendo mostrar que os “antigos” AtDI pertencem a um tempo e os novos querem este mesmo em que vivemos. Cédric Bixler-Zavala, vocalista, ainda pula em palco como um coelho, a farta cabeleira coroando a garganta punk; Omar Rodríguez-López, guitarrista, é ainda o motor da banda, qual Frank Zappa ensinado pela energia dos Fugazi.
Quando acabaram pela primeira vez, em 2001, os At the Drive-In ficaram para sempre conhecidos por um momento ocorrido num festival australiano, no qual Cédric se insurgiu contra a “carneirada” - leia-se, aqueles e aquelas que durante um concerto rock sentem a necessidade de moshar. Antes do espetáculo deste segundo dia de festival, vários questionaram sobre se essa diatribe antiga voltaria ao de cima, já que invariavelmente o público sobretudo jovem se iria entregar a esse tipo de exaltações mais físicas. Outros tantos se lembraram de que foi exatamente isso que aconteceu, neste mesmo local, em 2008, ano em que os Mars Volta atuaram em Paredes de Coura. Foi puro engano: ou os At the Drive-In já não querem saber, ou já não têm a força necessária para explicar ao proletariado como este deve curtir a sua música. Ivete Sangalo que se cuide; foi muita a poeira levantada pelos norte-americanos.
Se deste lado o pó cobriu os céus, do outro, pouco antes, os Ho99o9 (leia-se: “Horror”) espalharam o caos e a violência perante uma audiência não menos selvagem que aquela verificada no prato do dia. Misturando a palavra hip-hop com faíscas de punk, metal, noise e eletrónica abrasiva, a dupla de Newark – que se fez acompanhar por um baterista – apontou baterias aos atuais Estados Unidos da América, tal como exemplificado no seu novo disco, “United States of Ho99o9”. Dir-se-ia que, mais que um concerto, foi uma enorme sessão de pancadaria destinada a despertar consciências. Traduzindo por miúdos e recorrendo a Provérbios, 13:24: Quem se nega a castigar seu filho não o ama, quem o ama não hesita em discipliná-lo. Poucos dias após os incidentes ocorridos em Charlottesville, Virgínia, é impossível não encontrar uma resposta dos Ho99o9 ao que se vai passando no seu país no verso nazis gotta die...
Foi o barulho a ditar as suas regras perto do final do dia, fechado pela melancolia pop de Nick Murphy, ex-Chet Faker; mas foi a melodia a escrevê-las durante a tarde, culminando num óptimo concerto de King Krule, regressado a Portugal para revisitar temas como “Out Getting Ribs”, editado ainda sob a designação Zoo Kid e que causou um imenso burburinho em 2010, tinha ele 15 anos. Hoje está apenas ligeiramente mais velho mas continua a cantar a melodia pop como um crooner sem-abrigo, gorgolejo de um punk que lamenta a vida que teve, a nível económico ou amoroso ou o que valha, e que a conta como os antigos contavam as suas histórias. Acompanhado pela sua banda, King Krule elevou corações e recebeu uma enorme ovação em troca. Mais não se pediria da sua parte por quem, durante a tarde, se foi passeando entre palcos, picando cada canto do recinto com brilhozinho nos olhos.
Os Timber Timbre, que tiveram em “Sincerely, Future Pollution” o mote para uma saudável presença em Paredes de Coura, atuaram pouco antes no palco secundário. A sua música, um rock de lareira acesa que não desdenha um beijo ou outro de um sintetizador, pediu uma absorção diferente, mais atenta, da parte do público. Já Car Seat Headrest, de quem muitos dizem ser a salvação do rock – ou do rock mais indie –, só precisou de entrar em palco para ser recebido em festa. As suas canções, pedaços poéticos que respiram as agruras da juventude, encontraram o mesmo carinho do público que havia encontrado no Primavera Sound portuense em 2016. Só falta mesmo um concerto em nome próprio, para que estas possam respirar ainda melhor. O som baixo dos shoegazers negros Nothing não deixou saudades, e os Sunflower Bean mostraram temas novos perante um grupo forte de fãs embevecidos, com dois minutos frenéticos e quase para além da hora estipulada a acenarem o adeus que se exigiria.
Comentários