Os resultados eleitorais do passado fim de semana foram dos mais surpreendentes das últimas décadas. Menos surpreendente, embora não menos interessante, foi a dinâmica eleitoral de reconfiguração da direita portuguesa. Se é verdade que o bloco da direita cresce pela primeira vez face a 2015, esse crescimento deve-se essencialmente à expansão eleitoral dos novos partidos (Chega e Iniciativa Liberal). Num contexto também marcado pela estagnação eleitoral do PSD, o CDS ficou reduzido à sua expressão eleitoral mínima e, pela primeira vez na sua história, não conseguiu eleger nenhum deputado para a Assembleia da República, cumprindo-se assim o pior cenário anunciado por algumas sondagens.
Em todo o caso, olhando para o papel histórico do CDS e para o seu peso político e eleitoral num passado recente, como pode ser visto na Figura 1, o desaparecimento parlamentar de um dos partidos estruturantes da democracia portuguesa não deixa de ser um fenómeno surpreendente. Mas convém salientar que, contrariamente ao sucedido no final dos anos oitenta e início dos anos noventa, desta vez, a redução da expressão eleitoral do CDS nas legislativas (tanto em 2019 como em 2022) surge antecedido por um processo de erosão eleitoral bastante significativo em eleições autárquicas e europeias.
Das legislativas de 2011 (11,7%) às eleições de 2022 (1,61%), no espaço de dez anos, o CDS perdeu mais de meio milhão de eleitores (mais de 550 mil votos) e 24 mandatos parlamentares. O declínio do CDS torna-se ainda mais gritante se tivermos em consideração que, em março de 2018, o CDS encerra o seu 27.º Congresso apresentando a sua líder como a futura primeira-ministra de Portugal. Reeleita para um novo mandato e entusiasmada com o segundo lugar obtido em Lisboa nas autárquicas, Assunção Cristas assumiu o objetivo de fazer do CDS a “primeira escolha dos portugueses” nas legislativas de 2019. Assim, entre o Congresso de março de 2018 e as legislativas de janeiro de 2022 – ou seja, em pouco menos de 4 anos – o CDS passou da ambição eleitoral máxima à sua expressão eleitoral mínima, correndo seriamente o risco de se tornar, a partir de agora, pouco mais do que um objeto de estudo histórico.
O afunilamento eleitoral: a perder eleitores desde 2015
Pela leitura da Figura 2 é interessante verificar como o pico eleitoral do CDS, no quadro dos últimos 25 anos, correspondeu a uma capacidade de atração de segmentos do eleitorado com um perfil diferente da imagem padronizada do eleitorado tradicional do CDS. O crescimento eleitoral dos centristas em 2009 e 2011 parece estar associado à captação de um eleitorado mais jovem, coincidindo com um menor peso dos eleitores mais velhos (reformados), mais religiosos e de classes sociais mais elevadas. Aliás, em 2011, a senioridade e a prática religiosa, em menor grau, parecem tornar-se características pouco relevantes na caracterização do eleitorado do CDS quando comparado com a média dos restantes partidos.
No entanto, desde 2015, e muito particularmente em 2019, verifica-se uma diminuição da penetração do CDS no eleitorado mais jovem. Ao mesmo tempo, a prática religiosa e os níveis de rendimento voltam a ser uma dimensão fundamental do eleitorado que permanece fiel ao CDS. Nas legislativas de 2019, o eleitorado dos centristas parece ser constituído essencialmente por reformados, eleitores com níveis mais altos de prática religiosa e de classe social mais elevada. Apesar da prudência com que devemos sempre encarar a leituras destes dados, sobretudo devido à grande margem de erro associada a amostras muito pequenas da população, existem claros indícios de um progressivo afunilamento do eleitorado do CDS, que parece coincidir com a participação governativa durante a troika e, a partir de 2016, com a mudança de liderança.
O calcanhar de Aquiles do CDS: implantação local e expressão autárquica
Um dos pontos que marca a evolução eleitoral do CDS, particularmente desde as primeiras eleições autárquicas pós AD (1985), é a perda lenta, mas contínua, da sua expressão eleitoral autárquica, como pode ser visto na Figura 1. Foi essa expressão que permitiu que em certas regiões como Aveiro, Guarda ou Viseu o CDS conseguisse ter, em determinados momentos, uma estrutura partidária local mais forte e robusta.
Apesar das sucessivas quebras registadas nas eleições para o poder local, a implantação e a expressão autárquica do CDS continuam a ser referidas por antigos e atuais dirigentes do partido como um elemento importante e diferenciador do partido em relação ao Chega e à Iniciativa Liberal (IL), podendo mesmo servir de alavanca para facilitar uma possível recuperação do CDS. Contudo, embora tenha uma implantação superior em muitos sítios quando comparado com os novos partidos (por exemplo, os núcleos da IL não chegam a cobrir 15% dos concelhos do país), este efeito pode ser mais fraco do que esperado.
A Figura 3 ajuda a compreender melhor o efeito que as estruturas locais e a expressão autárquica podem ter em termos eleitorais. No gráfico da esquerda é possível verificar o efeito gradativo da existência de estruturas locais (onde existe um Presidente Concelhia eleito) ou as localidades onde existe uma presença mais deficitária a nível local (delegado concelhio) ou os casos onde, pura e simplesmente, não existe nenhum representante do partido. A diferença entre existir uma presidência de concelhia eleita ou não existir qualquer estrutura foi menos de meio ponto percentual, em média.
No gráfico da direita é possível encontrar efeitos mais significativos e simultaneamente mais interessantes. Onde o CDS concorreu sozinho (ou lidera coligações com partidos mais pequenos) e conseguiu eleger presidentes de câmara ou vereadores (o que só ocorre em 10 concelhos) o partido obtém, em média, 5% dos votos nas legislativas em 2022. Ao mesmo tempo, é possível verificar que não existe uma diferença assinalável nos resultados obtidos pelo partido onde não conseguiu eleger ninguém e os casos onde elegeu, mas coligado com o PSD, o que ocorreu em cerca de 115 municípios. Assim, o facto de o partido ter integrado várias coligações com os sociais-democratas (assegurando nalguns casos representação no executivo camarário) não o parece ter beneficiado em 2022.
Talvez alguns exemplos concretos possam ajudar a ilustrar o que fica dito. Nestas eleições, o CDS foi ultrapassado pelo Chega em todos os círculos eleitorais e apenas em três distritos, Viana do Castelo, Bragança e Guarda, conseguiu ficar à frente da IL. Curiosamente, estes três círculos eleitorais correspondem a três (dos cinco) distritos onde a IL não tem qualquer presença organizada. No caso de Viana do Castelo, distrito onde o CDS consegue o seu melhor resultado em termos nacionais (3,36%), o que fez a diferença foram os 2300 votos obtidos no concelho de Ponte de Lima, município a que o CDS preside desde 1976. O segundo círculo onde o CDS consegue melhor resultado (também aqui acima da médica nacional) é em Aveiro, distrito onde o CDS ainda preside a três municípios (Albergaria-a-Velha, Vale de Cambra e Oliveira do Bairro). Se deslocarmos o enfoque para o nível concelhio, só nos concelhos de Ponte de Lima e de Vale de Cambra o partido conseguiu ficar em terceiro lugar, simultaneamente à frente de Chega e IL. Nos restantes municípios aveirenses a que preside, apesar de ultrapassado pelo partido de André Ventura, consegue suplantar os liberais.
O efeito da popularidade: o irrevogável peso da liderança
Num partido com fragilidades estruturais tão acentuadas, a afirmação eleitoral torna-se muito mais dependente da imagem e popularidade da sua liderança. Os dados apresentados na Figura 4 mostram as variações na popularidade dos líderes do CDS nos últimos dez anos. Como é fácil constatar, nenhum líder posterior a Paulo Portas conseguiu atingir os indicadores de popularidade que o líder do CDS tinha quando o partido atingiu o pico eleitoral das últimas décadas. A trajetória da popularidade de Paulo Portas denota também quebras significativas com a aplicação das medidas de austeridade durante o programa da troika e, como seria expectável, com a crise interna espoletada pelo então Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, em julho de 2013, quando foi forçado a reverter a “irrevogável” decisão de se demitir.
Assunção Cristas, apesar de iniciar a sua liderança (março de 2016) com uma taxa de popularidade ligeiramente superior ao líder demissionário, tem uma trajetória descendente ao longo dos quatro anos que passou à frente do CDS. Existe uma fase em que a líder do CDS parece estabilizar a sua popularidade, isso é particularmente visível no ano de 2017 e num período que coincide com excelentes resultados obtidos por Assunção Cristas em Lisboa. Depois disso, de 2018 até às legislativas de 2019, a quebra é bastante acentuada, sobretudo se tivermos em consideração o ponto de partida registado aquando da subida à liderança.
De todos os líderes avaliados neste intervalo de 10 anos, Francisco Rodrigues dos Santos é o líder mais impopular da história recente do CDS. A popularidade baixa, pelo menos na sua fase inicial, pode denotar sobretudo o défice de notoriedade pública do líder fora do universo dos militantes do CDS que o elegeram em janeiro de 2020. A sua falta de experiência política, adstrita essencialmente aos cargos exercidos na Juventude Popular, combinada com uma projeção mediática bastante limitada (uma vez que ao contrário dos líderes dos novos partidos surgidos à direita, ficou de fora do parlamento) provavelmente não ajudou na estratégia de afirmação pública da nova liderança.
Ainda assim, e embora sempre em níveis muito baixos, é possível verificar uma trajetória de recuperação na impopularidade de Rodrigues dos Santos na primeira metade de 2020. No entanto, essa dinâmica de recuperação inverte-se a partir do momento em que o partido fica mergulhando num crescente clima de conflitualidade interna. Foi neste período que vários elementos da direção se demitiram (caso do grupo de Filipe Lobo d´Ávila) e surgiram várias críticas públicas por parte de muitos «notáveis» ou quadros políticos mais conhecidos do partido. As tentativas para discutir a estratégia e a liderança em Congresso foram sempre rejeitadas por Francisco Rodrigues dos Santos e, como consequência, muitas vozes críticas abandonaram o partido (como Mesquita Nunes e Pires de Lima) e outras afastaram-se da vida parlamentar (casos de Cecília Meireles, Ana Rita Bessa ou João Almeida).
Nova moeda versus velha moeda: estão os novos partidos a ocupar o espaço eleitoral deixado pelo CDS?
O esvaziamento eleitoral do CDS numas eleições marcadas pela ascensão e consolidação de novas forças políticas à direita tem alimentado alguma especulação sobre a possibilidade de Chega e IL, nestas eleições, terem ocupado o espaço deixado em aberto pelos centristas. O facto destes dois novos partidos terem obtido, conjuntamente, um resultado eleitoral (12%) que coincide matematicamente com os resultados obtidos pelo CDS em 2011 torna o raciocínio bastante sedutor. E mais sedutor se torna quando comparamos os círculos onde o CDS elegeu deputados em 2011 e os deputados eleitos agora, nesses mesmos distritos, pelos dois novos partidos.
Ainda antes de passar a análise mais específica das perdas e ganhos do CDS por comparação com o recente crescimento de Chega e IL, a associação entre os votos nos centristas em 2011 e o crescimento dos novos partidos merece algumas cautelas preliminares. Em primeiro lugar, apenas inquéritos a nível individual podem aferir com precisão este tipo de transferências de eleitores. Em segundo lugar, uma análise muito centrada no declínio do CDS, tende a obscurecer os efeitos causados pela quebra eleitoral registada no principal partido de centro-direita. De facto, entre 2011 (38,7%) e 2022 (29%), também o PSD sofre uma quebra eleitoral significativa, perdendo eleitoralmente mais do que o CDS, quer em termos absolutos (mais de 580 mil votos), quer em termos de mandatos parlamentares (32, ainda sem contemplar os eleitos pelos círculos da emigração).
A Figura 5 mostra que existe uma coincidência limitada e parcial quando comparamos os concelhos onde o CDS era mais forte e obteve melhores resultados em 2011 e os concelhos onde Chega e IL alcançaram melhores resultados em 2022. Parece que a correlação com o voto anterior no CDS é mais forte no caso dos liberais do que no partido de direita radical. A linha de tendência no gráfico com os dados da IL é mais evidente. Aliás, não existe nenhum concelho onde os liberais agora tiveram sucesso, onde antes o CDS não tivesse obtido um sucesso similar. Em segundo lugar, é interessante verificar que a mesma tendência já não se verifica no caso do Chega. Na verdade, o partido liderado por André Ventura obtém resultados expressivos em concelhos onde o CDS revelava, anteriormente, uma fraca penetração eleitoral. E há concelhos onde o CDS conseguiu bons resultados onde nem a IL nem o Chega conseguiram obter grande sucesso.
Conclusões: por onde passa o declínio do CDS?
Qualquer tentativa de explicação do declínio CDS tem de ter em consideração, preferencialmente de forma combinada, os quatro fatores anteriormente descritos: progressivo afunilamento do eleitorado; debilidade das estruturas locais e redução da expressão autárquica; quebra na popularidade dos líderes; e competição no espaço à direita com o surgimento de novos atores. A conjugação destas quatro dimensões ajuda a explicar o esvaziamento eleitoral e parlamentar do CDS e constitui, a partir de agora, uma séria limitação ao sucesso de qualquer estratégia de recuperação.
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André Paris é doutorando em Política Comparada no ICS-UL (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) e co-autor do livro "Breve História do CDS-Partido Popular" (2019).
António Luís Dias é investigador de Ciência Política no ICS e no IPRI-NOVA (Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa).
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