A Relação de Lisboa confirmou assim a decisão de primeira instância, que absolveu cinco administradores do Grupo GPS, acusados de peculato, falsificação de documentos e burla qualificada por alegadamente se apropriarem de mais de 30 milhões de euros de verbas de financiamento do Estado para a prestação de serviço público de educação.
“Não se provou que tivesse havido qualquer prejuízo para o Estado, nem que os arguidos tivessem enriquecido ilegitimamente ou sequer que tivessem essa pretensão”, lê-se na decisão de 24 de janeiro.
Em reação a esta decisão, o porta-voz das defesas, Mário Diogo, afirmou que o grupo GPS “integra nos seus valores o respeito pelo Estado de Direito, onde pontifica, naturalmente, o respeito pelas decisões dos tribunais, pelo que aguardará, serenamente, o trânsito em julgado do acórdão do TRL, que confirmou o acórdão absolutório”, da primeira instância e “reserva, pois, para momento ulterior uma reação”.
No acórdão, o coletivo sublinha que “os recursos, por definição, destinam-se não a proceder a segundos julgamentos, mas sim a reparar erros”.
“Neste caso, o MP não demonstra o erro – a prova não pode ser qualificada como pericial antes tendo sido, corretamente – considerada documental – como não demonstra a influência do erro na decisão”, lê-se no acórdão do coletivo que tem como relator o desembargador Rui Teixeira.
A apreciação, que confirma o entendimento da primeira instância, prende-se com um dos argumentos principais do MP, que insistiu que a análise financeira realizada pelos especialistas da Polícia Judiciária aos dados bancários e contabilísticos do Grupo GPS fosse considerada prova pericial, ou seja, que tivesse um caráter incontestável, algo negado pelo TRL, confirmando a decisão tomada ainda na fase instrutória.
“Analisada prova em causa não vemos que a mesma, para além do labor de compilação e ordenação documental, reflita uma mais-valia em relação aos documentos que lhe estão na base. É que a perícia, por definição, representa um valor acrescentado em relação aos elementos que lhe subjazem”, defende o coletivo.
Os desembargadores rejeitaram ainda alegações de incorreções na apreciação dos factos, acusando o MP de não ter apontado quais os factos mal apreciados em primeira instância nem de fundamentar porque mereciam uma apreciação diferente: “Relido todo o recurso final interposto não vislumbramos qualquer erro notório na apreciação da prova”.
Sobre os crimes imputados, o coletivo recupera a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) relativamente a trabalhadores do setor social para dizer que também no caso dos colégios GPS, de natureza privada, não é possível aplicar-se o conceito de funcionário público aos administradores por receberem fundos públicos para prestar um serviço, rejeitando assim que possam ter cometido o crime de peculato.
O acórdão em causa do STJ já tinha motivado uma reviravolta na fase de julgamento, quando na primeira sessão a procuradora do MP o citou para deixar cair da acusação os crimes de peculato, mais tarde recuperados pela procuradora que produziu a acusação, Andrea Marques, que substituiu a procuradora inicial no processo e recuperou a acusação na íntegra para as alegações finais.
O TRL considerou que não ficaram provados quaisquer dos crimes imputados pelo MP, pelo que “o acerto da decisão recorrida é total”.
O coletivo deixa ainda reparos ao recurso do MP, acusando-o de falta de educação e “de afrontar” os “deveres de urbanidade” ao acusar o tribunal de decidir com base em ideias pré-concebidas, ou seja, de forma parcial, sem “no tempo oportuno” ter suscitado a questão.
“A educação, as boas maneiras, é algo a preservar. Os tribunais e os intervenientes processuais, designadamente os magistrados e os advogados, devem ser um exemplo radiante desses valores. (…) Nada se fazer no tempo oportuno e vir agora fazer uma tal alegação é totalmente ineficaz para operar a modificação da matéria de facto, por não corresponder a um argumento de facto ou de direito. É tão só uma proclamação conclusiva, inconsequente e cuja única utilidade é a de afrontar os sobreditos deveres de urbanidade”, lê-se no acórdão.
Cinco administradores dos colégios do grupo GPS começaram a ser julgados a 16 de setembro de 2021 por peculato, falsificação de documento e burla qualificada, tendo sido absolvidos em fevereiro de 2022.
Em julgamento estiveram os gestores do grupo GPS António Calvete, Fernando Manuel Catarino, Agostinho dos Santos Ribeiro, Manuel Marques Madama e António Marques Madama, que ainda na fase de instrução viram cair acusações por corrupção ativa e abuso de confiança.
Segundo a acusação, os arguidos ter-se-ão apropriado de mais de 30 milhões de euros dos mais de 300 milhões de euros recebidos pelos colégios para financiar contratos de associação com o Estado, que asseguram financiamento público a instituições privadas para garantir o acesso à escolaridade obrigatória.
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