Uma incompreensão orçamental
"[O] Governo considera incompreensível que, quando o país mais precisa, não possa contar com Bloco de Esquerda para viabilizar um orçamento de estado que combate uma pandemia gravíssima, protege as pessoas e que apoia a economia e o emprego", disse hoje Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em reação à tomada de posição anunciada por Catarina Martins, dando a conhecer que o Bloco de Esquerda (BE) vai votar esta quarta-feira contra o Orçamento do Estado de 2021 na generalidade.
A decisão — há muito uma ameaça dos bloquistas caso o governo não fizesse alterações mais significativas relativamente ao Sistema Nacional de Saúde (SNS) — não caiu bem no goto dos socialistas. Segundo o parlamentarista, ao decidir votar contra, o BE decidiu também "colocar-se do lado de quem não quer este Orçamento viabilizado". A resposta é compreensível: o voto contra vai contra aquilo que tem sido regra nos últimos anos ou não tivessem PS e BE a viabilizado juntos os últimos cinco orçamentos.
No passado e durante a sua formação, a geringonça não deixou de ter os seus arrufos, mas esqueceu quezílias e diferenças, de modo a validar a união necessária à esquerda para fazer esquecer os tempos da direita. Mas este ano o executivo liderado por António Costa já teve duas pedras no sapato, isto é, duas situações que demonstram que os tempos são definidamente outros. Uma, deu-se em julho quando o PCP esteve contra o Orçamento Suplementar para 2020 na votação final global; a outra foi comunicada no domingo pela coordenadora do BE. Porque apesar do anúncio de Catarina Martins ter sido feito no domingo, o Governo só reagiu esta manhã.
"Este Orçamento do Estado falha na questão mais importante do nosso tempo. Não dá a Portugal a garantia de que teremos os técnicos e as condições suficientes para que os hospitais nos protejam. Quando tudo se pede ao SNS, este orçamento não tem o bom senso de o proteger. Por isso, a Mesa Nacional do Bloco de Esquerda decidiu por unanimidade votar contra a proposta do Orçamento, tal como está formulada", frisou a coordenadora do BE, antes de sublinhar que encara o debate na especialidade "sem tabus" e admitiu que "não encerrou nenhum processo negocial".
Ora, acontece que o Governo não acompanha esta linha de raciocínio. Nem tampouco se conforma com a posição do BE. Duarte Cordeiro vai mais longe e sublinha que o executivo até se comprometeu a viabilizar propostas do Bloco na especialidade de modo a responder às exigências do partido no sentido de o SNS ser reforçado com a contratação de profissionais de saúde. Trocando por miúdos, o Bloco, além do já referido reforço do SNS, pretende a abrangência do novo apoio social, impedir despedimentos e o fim das transferências orçamentais para o Novo Banco. Porém, o executivo liderado por António Costa diz que já alterou as medidas e diz que já se aproximou do que os bloquistas pretendem — que acham que não, daí o voto contra.
Tudo somado, a proposta do Governo tem apenas um voto favor (obviamente a do PS). Já os votos contra são vários e vêm das bancadas do PSD, Bloco de Esquerda, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal. No entanto, a proposta, na generalidade, pode ser viabilizada pelas abstenções de PCP, PAN, PEV e das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Complicado? Um pouco. Mas poderá encontrar a respostas para as contas de uma complicada operação chamada Orçamento do Estado 2021 aqui.
O debate do Orçamento no parlamento vai ter lugar amanhã e quarta-feira, sendo votado, na generalidade, no último dia. Porém, o primeiro-ministro falará sabendo que dentro do grupo de abstenções ninguém garantiu ainda ao seu Governo garantias de que manterá esse sentido de voto após o processo na especialidade. Um cenário pouco condizente com estabilidade, portanto.
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