![1€ por fotocópia de uma partitura. Bandas e coros chegam a pagar 1700€ por ano e agora vão ao parlamento](/assets/img/blank.png)
Existe uma lei que até há pouco tempo não estava a ser cumprida pelos músicos portugueses. O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) estabelece que é permitida “a reprodução de obras, para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar [...], com excepção das partituras”, mas, até ao ano passado, a cópia dos originais era feita sem custos.
Mas em que consiste esta lei?
Esta é uma diretiva europeia que "foi transposta para o ordenamento jurídico português há cerca de 20 anos", explica João Vidinha, vice-presidente do Conselho de Administração da AD EDIT – Associação de Editores de Partituras e Compositores, e desde esse momento "assistimos à inoperância da fiscalização". A AD EDIT surge como "uma entidade que, dentro do seu âmbito de legitimidade de ação, passou a reclamar a devida compensação aos titulares de direitos pela reprodução das obras dos seus associados".
Quando se aperceberam que, na prática, a lei nunca foi aplicada, um conjunto de editoras e autores juntaram-se e criaram a AD EDIT, uma associação que surge como interlocutor entre os grupos e os autores, com o objetivo de garantir a proteção dos direitos dos compositores e compensá-los pela utilização privada das suas obras.
A lei inicial “resultou de uma transposição de uma diretiva europeia (n.º 2001/29/CE, artg. 5, nº2 alínea a) que uniformiza matérias de direito de autor para toda a União Europeia" e exclui do direito da cópia privada das partituras, refere João Vidinha. Foi aprovada pelo IGAC - Inspeção-geral das atividades culturais, uma entidade governamental ao serviço do ministério da Cultura, no início do ano passado e entrou em vigor no dia 1 de setembro, data que marca o começo da atividade da AD EDIT.
Assim, as partituras deixaram de poder ser livremente reproduzidas pelos utilizadores, estando dependente da autorização dos autores, que pode ser obtida através da AD EDIT mediante o pagamento da licença. Segundo o regulamento, o pagamento deve ser obtido previamente à reprodução das partituras e está sujeito aos valores tabelados.
Carlos Guimarães Pinto, deputado do Iniciativa Liberal e rosto desta reivindicação, cita o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) para explicar que, depois de transposta, a lei passou a definir que “qualquer pessoa que compre um livro pode fazer cópias desse livro para o seu uso pessoal, desde que não seja para uso comercial ou para dar a outra pessoa, mas uma pessoa que compra uma partitura não está autorizada fazê-lo". No entanto, para os livros existe a lei da cópia privada e, nesse caso, as editoras são compensadas pelas reproduções, sem ser preciso a interferência de uma entidade de gestão coletiva.
Aplica-se a qualquer grupo musical que use as partituras, tal como a músicos a título individual, e não dispensa o pagamento do original. Carlos Guimarães Pinto lembra os exemplos dos “coros e das das bandas das Forças Armadas”, grupos que atuam regularmente na rua, “mas não querem levar partituras que às vezes custam 400, 500 euros para se estragarem”.
No início, cada licença tinha o valor de 1€, mas neste momento isso aplica-se apenas a grupos ou pessoas sem contrato com a AD EDIT. O valor das licenças gerais voltou a ser negociado e já está tabelado. "As tabelas que ainda não se encontram disponíveis, como as referentes às Escolas e às Bandas Filarmónicas, estão actualmente em fase de negociação", explica João Vidinha.
Para Carlos Guimarães Pinto, a entidade começou por apresentar “valores absurdos”, mas que se estabilizaram numa anuidade para todos os grupos. Ainda assim, a estimativa do IL é de que uma banda com 100 músicos pague 1700€ por ano pelo licenciamento das cópias, e uma banda de dez pague cerca de 380€.
Quando questionados sobre o porquê de, até ao momento, a lei não ter sido cumprida, o vice-presidente da AD EDIT refere que "todas as partituras editadas contêm uma indicação expressa de que qualquer tipo de reprodução é proibida", e, por isso, "a falta de conhecimento da lei não pode ser alegada como justificação para o incumprimento". O incumprimento da lei pode ser configurado como prática de crime de usurpação punível com penas de prisão e multa, com a consequente apreensão dos exemplares.
O que está em causa?
A nova medida pretende combater a reprodução ilegal, proteger os autores e responsabilizar os músicos que compram partituras através do pagamento de uma licença para a fotocópia dos originais. Só assim é autorizada a utilização e distribuição das respetivas partituras, tal como previsto pela lei. A direção da AD EDIT acredita que esta é uma "compensação justa", que "acontece em qualquer outro País da União Europeia".
Para Carlos Guimarães Pinto, “não faz sentido que se uma banda compra as partituras originais ainda tenha que pagar extra pelas cópias de trabalho, uma folha de A4 que levam para a rua, para as procissões, onde pode chover e é exposta ao vento, que a pode deteriorar”, explica, em entrevista ao SAPO24. Este é um custo acrescido que muitos grupos não conseguem suportar, somado ao valor de “algumas partituras, que podem custar centenas de euros”, e pode pôr em causa a sua sobrevivência.
Já segundo a direção da AD EDIT, o motivo de contestação dos músicos é o "surgimento de uma entidade com voz ativa pelos compositores e pelas editoras", que impede que as reproduções sejam feitas sem consequências.
Para os grupos sem recursos nem disponibilidade financeira, é uma taxa "impensável"
Por norma, as cópias são utilizadas em concertos ao ar livre ou nos ensaios para preservação dos materiais originais. “Utilizamos as cópias e não os originais, para os proteger, [...] porque não podemos arriscar estragar as partituras”, explica Carlos Pereira, maestro da Banda de Música de Mateus, de Vila Real, ao SAPO24.
Em causa não está o pagamento do repertório original, mas o pagamento das fotocópias utilizadas pelos instrumentistas. “As bandas têm o direito de tirar fotocópias das partituras se as tiverem comprado aos autores", defende Carlos Guimarães Pinto, "seria completamente injusto para os compositores e para as editoras se isso não for feito, porque devem ser compensados pelo seu trabalho”.
O maestro Carlos Pereira reconhece que existem bandas que, “durante muitos anos, tocaram obras de outros autores de uma forma bastante intensiva, sem que fosse feito o devido pagamento”, o que, na sua opinião, “não pode acontecer”. No entanto, acredita que “é impensável pagar por cada exemplar fotocopiado”, porque “as bandas não têm, de maneira nenhuma, forma de sobreviver a isso”.
A Banda de Música de Mateus, de Vila Real, tem cerca de sessenta músicos, distribuídos por diferentes naipes, cada um com a sua partitura. E, por isso, são precisas muitas cópias para poderem trabalhar. O maestro explica que, além das atuações, também na escola de música são utilizadas fotocópias dos originais comprados às editoras de música, de forma a assegurar a sua manutenção.
A chuva e o mau tempo, ou a degradação pelo uso, são uma preocupação dos instrumentistas, que defendem a compra dos originais aos autores dos temas, mas não entendem a taxa sobre as fotocópias: “Não faz sentido nenhum”. “Todas as bandas têm grandes dificuldades em sobreviver”, lembra, “já pagam as fotocópias e o papel, não há disponibilidade financeira para pagar um selo branco por fotocópia”.
Como exemplo, o maestro diz que se vão “tocar num serviço e levam um original e há um problema, ou se perde uma pasta com as partituras ou vem uma chuvada e se estraga tudo”, não têm como as recuperar. E, por isso, “estar a pagar uma taxa cada vez que é necessário fazer cópias é impensável”.
“As bandas são organizações amadoras, mas de uma forte índole cultural e, portanto, é necessário haver apoio por parte do governo, por parte das autarquias, para as preservar”. A Banda de Música de Mateus faz formação, que “não se restringe apenas a aprender o nome das notas e o solfejo, há outras coisas que são mais valias, que se ganham com a participação numa filarmónica”, conclui, apelando à consideração dos deputados.
Em resposta, a AD EDIT pede "aos interessados que contactem diretamente a organização para obter informações concretas sobre os valores propostos e as medidas em discussão", o que não aconteceu até agora. Além disso, revela que "todos os pedidos de reunião feitos pela AD EDIT aos principais contestatários nunca obtiveram resposta positiva, o que demonstra uma falta de interesse no verdadeiro debate e uma intenção de manter a desinformação e a contestação sem fundamento legal".
"Os utilizadores habituados a não pagar reagem com forte contestação", comenta, "ao ponto de terem convencido duas forças políticas a apresentar ao parlamentos propostas para se alterar o CDADC".
Qual é a proposta do IL?
O IL defende que a lei original deve ser alterada e "retirada a parte que refere a excepção das partituras". A missão do partido e do deputado Carlos Guimarães Pinto é a de impedir que seja atribuída outra despesa às bandas filarmónicas, “pólos culturais das cidades e aldeias, onde muitas vezes os grandes investimentos culturais não chegam, deixando os grupos com recursos muito escassos”, reforça.
“O que estamos a dizer é que quem compra as partituras originais pode fotocopiá-las, pois tem esse direito, como acontece com um livro ou com um jornal, que copiamos sem sermos punidos por isso”. Neste caso, os músicos “devem ter exatamente o mesmo tratamento em relação às suas partituras”, defende.
O seu avô, Joaquim Guimarães, é quem inspira esta proposta, conta, numa intervenção na AR, que partilha nas redes sociais. Dedicou-se à banda filarmónica da sua freguesia durante setenta anos, o grupo que o acolheu durante uma infância difícil, e o acompanhou até ao momento da sua partida.
E, em homenagem do avô, Carlos Guimarães Pinto deixa a sua opinião clara. A taxa aplicada é “uma ameaça existencial às centenas de bandas filarmónicas” de Portugal e de outros grupos de música, pelo que é dever do país recusá-la e “garantir que estes grupos sobrevivem”.
Para apoiar a medida do partido, o deputado convocou através das redes sociais os vários músicos a quem esta medida afeta para se juntarem nas galerias da AR “e demonstrarem a todos os deputados quão importante este tema é para o futuro das bandas filarmónicas e da cultura em Portugal”.
Segundo João Vidinha, a AD EDIT está "disponível para a discussão", mas não acredita que a lei possa ser alterada, "sob pena de Portugal ser gravemente penalizado pela União Europeia, uma vez que as propostas apresentadas violam as Diretivas Europeias que o País está obrigado a observar".
A proposta do IL levada ao parlamento é, na sua opinião, baseada "em informações falsas e distorções" e "parece ser promovida por pessoas cujos objetivos não são claros, que apenas pretendem perpetuar o uso indiscriminado de reproduções de partituras sem o devido consentimento dos titulares de direitos". Segundo a diretiva europeia, todos os Estados-membros devem cumprir esta norma
Para terminar, reitera a disponibilidade da entidade para o diálogo, "desde que este se baseie em factos concretos e no respeito pela legislação em vigor, e não em narrativas que apenas servem para desinformar e fragilizar a proteção dos direitos de autor".
*Edição de Ana Maria Pimentel
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