Marcelo Rebelo de Sousa falou destes dois temas de passagem, durante uma intervenção de cerca de dez minutos na sessão solene comemorativa do 108.º aniversário da Implantação da República, na Praça do Município, em Lisboa, em que apelou à permanente construção da democracia, advertindo para as lições da história dos últimos cem anos.
"Mais de um século de lições úteis para todos nós. Lições de como não há verdadeira democracia sem democratas. Não há verdadeira democracia sem direitos do homem e liberdade. Não há verdadeira democracia sem condições económicas e sociais que lhe confiram legitimidade de exercício. Não há verdadeira democracia sem permanente combate às desigualdades à pobreza, à corrupção das pessoas e das instituições. Não há verdadeira democracia sem sistema político dinâmico e gerador de alternativas. Não há verdadeira democracia sem atenção a entidades estruturantes como as Forças Armadas", afirmou.
Antes, Marcelo Rebelo de Sousa passou em revista cada década, desde 1918 até hoje e, chegado a 1968, referiu que Portugal "assistiria à chamada renovação na continuidade, ou seja, à continuidade no essencial da ditadura apesar da renovação na liderança".
Neste contexto, acrescentou: "Porque os regimes de poder pessoal são incompatíveis com a renovação dos mandatos, logo ali se descortinava o fim do fim da ditadura. Ou seja, por contraposição, o sentido de que a democracia é tudo menos o culto e a convicção da perenidade do poder pessoal".
"Lições" da história década a década
No início do seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa descreveu o contexto da chegada de Sidónio Pais ao poder, e mais tarde de Salazar, declarando: "Há precisamente cem anos, em 1918, divisões fratricidas, debilidade partidárias, tratamento errado das Forças Armadas e incapacidade para enfrentar crises económicas e sociais conduziram ao antiparlamentarismo e ao providencialismo de um homem, num apelo ao Estado pós-partidário que a si próprio se chamava República Nova".
"Dez anos volvidos, em 1928, na linha dessa brevíssima República Nova, e na ressaca, chegaria ao poder quem viria a encabeçar quatro décadas de regime antidemocrático, antiparlamentar, antiliberal e antipartidário", declarou.
O Presidente da República acrescentou que, passados dez anos, "1938 testemunharia o crescendo na Europa das forças hipernacionalistas, xenófobas e racistas, prefigurando a guerra que estava a chegar", com "a crise a levar a soluções antidemocráticas, ditatoriais, nuns casos autoritárias, noutros casos totalitárias".
"Ainda mais dez anos e 1948 assinalaria o contraste entre a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a persistência de um regime cerceador desses direitos em Portugal, ficando claro que, sem a efetiva proteção dos direitos fundamentais, não há verdadeira democracia", prosseguiu.
O chefe de Estado recordou depois "a inesquecível campanha corajosa, destemida, quase impossível de Humberto Delgado" uma década mais tarde, "a revelar o começo do fim da ditadura, assim como a necessidade de, sem cessar, combater pela liberdade para que ela se possa afirmar".
Marcelo Rebelo de Sousa recorreu à história dos últimos cem anos para advertir que "o 5 de Outubro, tal como a República que permitiu implantar e a democracia que viria a consagrar, é obra de todos os dias, nunca autocontemplativa, nunca deslumbrada com a efeméride ou com os passos dados".
"Antes obra que aprende com as lições do passado e, em particular, que não comete os mesmos erros ou se resigna às mesmas omissões", disse.
Inovação no sistema político contra "tentações radicais"
O Presidente da República apelou ainda à permanente construção da democracia, defendendo que isso implica "a inovação e a proximidade no sistema político", voltando a advertir para as "tentações radicais, egoístas, chauvinistas ou xenófobas".
"As mesmas tentações que já lembrei em 25 de Abril passado, perante a incompreensão de alguns, mas que continuam a multiplicar-se um pouco por toda a parte", declarou.
O chefe de Estado chamou a atenção para "as lições do passado" em Portugal e na Europa, passando em revista cada década do último século, para que não se cometam "os mesmos erros" que conduziram a crises, ditaduras e guerras.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou que "vale a pena recordar estas e outras lições, num tempo em que a Europa terá de demonstrar que quer um futuro muito diferente do passado de há cem anos".
"Portugal terá de afirmar, em permanência, a qualidade da democracia, a inovação e a proximidade no sistema político, a consistência do crescimento económico, a equidade do sistema social, a capacidade para atrair os que não querem partir ou partiram e querem regressar, para oferecer horizontes que nos poupem a tentações radicais, egoístas, chauvinistas ou xenófobas", acrescentou.
Segundo o Presidente da República, é essencial "uma democracia cada vez mais forte" para concretizar "a verdadeira ideia para Portugal, a ideia de que tanto se fala e tantos buscam: ser plataforma entre culturas, oceanos e continentes".
A um ano de eleições legislativas e a cerca de meio ano de eleições europeias, Marcelo Rebelo de Sousa apontou o voto como "um caminho fundamental, na Europa como em Portugal, para a expressão dessa vontade coletiva", mas disse que "não é o único caminho".
"Todos os dias se constrói ou se destrói a democracia. Todos os dias se constrói ou se destrói o 5 de Outubro, a que ela se encontra hoje constitucionalmente ligada. Saibamos nós, todos nós, pelo voto e pela prática de cada dia, dar vida a esta celebração", apelou, declarando: "Viva a República, viva a democracia, mas, sobretudo, viva Portugal".
O chefe de Estado discursou na presença do primeiro-ministro, António Costa, do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, do antigo Presidente da República Jorge Sampaio, da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e dos líderes do PSD, Rui Rio, do CDS-PP, Assunção Cristas, entre outros representantes dos partidos com assento parlamentar.
[Última atualização às 17h13 - Acrescenta declarações do discurso do Presidente da República]
Comentários