Desde 2 de setembro, este tribunal julga 50 homens por terem violado ou agredido sexualmente Gisèle Pelicot, enquanto estava drogada pelo seu ex-marido, num julgamento acompanhado de perto em França e no mundo.

Associações de apoio especializado à vítima de violência sexual:

Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)
910 846 589
apoio@quebrarosilencio.pt

Associação de Mulheres Contra a Violência - AMCV
213 802 165
ca@amcv.org.pt

Emancipação, Igualdade e Recuperação - EIR UMAR
914 736 078
eir.centro@gmail.com

Perante os magistrados, as advogadas Isabelle Crepin-Dehaene e Nadia El Bouroumi atacaram frontalmente a vítima, que se tornou um ícone na luta contra as agressões sexuais às mulheres, acusando-a de possuir moral fraca e insinuando que teria consentido os atos.

O advogado Guillaume De Palma afirmou, por sua vez, que há "violação e violação", numa aparente tentativa de minimizar o papel de alguns dos 50 acusados, cuja defesa passa por dizer que planeavam participar nas fantasias de um casal libertino.

A vítima respondeu sem rodeios. "Desde que cheguei a este tribunal, sinto-me humilhada. Chamaram-me de alcoólica, afirmaram que eu estava num estado de embriaguez, que sou cúmplice", declarou.

Os outros 50 acusados "não se questionaram [sobre o consentimento]? O que são estes homens, são degenerados ou o quê?", indagou.

"Opiniões"

El Bouroumi, que há anos comenta no Instagram os julgamentos que acompanha, negou ter "gozado" com Gisèle Pelicot, após uma polémica publicação na sua conta seguida por cerca de 50 mil pessoas.

"Desde o início deste julgamento, tenho sofrido ameaças, assédio, insultos públicos. Os meus filhos também são vítimas de assédio (...) Esta pressão incessante do público e dos meios de comunicação amordaça-me e impede-me de defender imparcialmente os meus clientes", escreveu.

"Ela é a vítima, não o Bouroumi", respondeu o ator e ativista LGBTQIAP+ Guillaume Mélanie.

Um dos advogados de Gisèle Pelicot, Stéphane Babonneau, lamentou, em declarações à AFP, que, "sob o pretexto de fazer perguntas" à sua cliente, tenham sido emitidas "opiniões e julgamentos" que procuravam "desestabilizá-la".

"A defesa tem o direito de questionar o que a parte civil diz. Qualquer coisa pode ser dita, mas só se ela souber dizer", enfatiza Patrick Gontard, que atua como advogado há 45 anos.

"Imunidade"

"Para alguns, se um advogado vai longe demais, são todos iguais. Tive o cuidado de não fazer asneira", diz Olivier Lantelme, cujo cliente reconhece os factos, e que defende o princípio de que é preciso poder dizer tudo durante o julgamento, para garantir que um erro não seja cometido ao condenar alguém.

Roland Rodriguez, do Conselho Nacional das Ordens de Advogados da França, lembra que o princípio da liberdade de expressão existe e que os advogados gozam de "imunidade" no exercício de seu trabalho durante o julgamento.

"Mesmo fora da audiência, o advogado pode, com o aval de seu cliente, fazer uso desta liberdade de expressão e apresentar sua estratégia de defesa", desde que respeite princípios da advocacia como "dignidade, moderação e lealdade", explica.

Do contrário, ficam expostos a procedimentos disciplinares que podem resultar em advertências e até expulsão da Ordem dos Advogados.