Ao longo do ano, a hora muda duas vezes e as perguntas são sempre as mesmas: passa a ser uma hora a mais, ou uma hora a menos? E quem é que decide esta mudança? A ideia do Daylight Saving Time (DST) - quando o relógio avança uma hora - foi obra de Benjamin Franklin, no século XVIII, nos Estados Unidos da América, e tinha como objetivo poupar velas, mas só foi verdadeiramente implementada na I Guerra Mundial (1914-1918).
Rui Jorge Agostinho, diretor do OAL, explica que a mudança de hora “está associada ao problema das guerras e dos combustíveis. Nós utilizamos combustível para gerar eletricidade, mas na altura do conflito [I Guerra Mundial] esse combustível também fazia falta para o esforço de guerra e creio que isso é que levou ao problema. Os combustíveis líquidos foram usados fortemente para isto, deixando a 'seco' as cidades e as populações que lá viviam e que não estavam diretamente envolvidas na guerra”. Consequentemente, “foi vendida essa ideia de que [a mudança de hora] seria uma questão de poupança de combustível, mas na prática foi para redirecioná-lo ao esforço de guerra”, refere.
E atualmente? Esta mudança que começou por motivos económicos continua a fazer sentido? “Se existe alguma poupança de combustível esta é tão residual que não se consegue justificar que se introduza a mudança da hora porque se poupam milhões. Isso não acontece, efetivamente. Os vários estudos que foram feitos no espaço Europeu mostram que não há poupança efetiva.”, refere.
Para o astrofísico, “agora a discussão é mais em torno do facto de as pessoas se sentirem ou não bem a fazer isto. É uma questão de dar conforto às pessoas. Se as pessoas se sentirem bem, mantém-se. Quando se chegar a acordo de que já não é assim tão bom, então lá chegará a altura em que os países europeus vão dizer ‘este ano já não vamos fazer’. Mas, na realidade, isto não é definido ano a ano, mas sim para prazos de cinco anos. Enquanto a maioria disser que é benéfico, tendo em conta o que as pessoas sentem, e não porque se gasta mais ou menos, é uma mudança a manter”.
“Todos os países que pertencem à União Europeia (UE) introduzem a hora de verão ao mesmo tempo e todos devem sair da hora também ao mesmo tempo. Mas é mais forte do que isso: quem decide se vamos mudar não é cada país individualmente, mas a UE. Basicamente, os países perderam a autonomia, apenas dão a sua opinião. Depois, na realidade, é a estrutura interna - o Parlamento - que decide se os países aderem a isto ou não. Uma vez decidido que sim, escolhem também as datas a que se entra e a que se sai da hora de verão”, explica.
Antes disto, Portugal tinha uma tradição própria: “entrávamos na hora de verão mais ou menos nesta altura - final de março, princípio de abril -, mas a 'saída' era diferente. Atendendo ao nosso clima, principalmente no continente, a tradição portuguesa era sair da hora de verão no final de setembro e não no final de outubro, como agora se faz. Ainda há uma série de pessoa a fazer confusão com isto, vemos muito isso na página do Observatório Astronómico. Há sempre uma procura enorme de quando é que se muda para a hora de inverno no final de setembro, quando é apenas um mês depois. Isto é o que está na memória das pessoas, é o que as pessoas guardam de um país que esteve muitos anos sozinho e que tinha a sua atribuição da hora de verão”, esclarece Rui Agostinho.
Assim, para os mais distraídos, é importante lembrar que na madrugada de 26 de março, domingo, a Hora Legal muda do regime de inverno para o de verão - em Portugal Continental e na Região Autónoma da Madeira, os relógios são adiantados 60 minutos à 1h da manhã, passando para as 2h, Tempo Universal. Já na Região Autónoma dos Açores, esta mudança dá-se à meia-noite de dia 26, passando a ser 1h da manhã.
“Imaginemos que se fazia isto a um dia da semana, ao meio-dia! Era confuso, ninguém sabia quando ia almoçar, entrava tudo em pânico!”, diz Rui Agostinho.
São vários os conceitos que podem parecer algo complicados numa indicação que, no fundo, só nos manda acertar os relógios. O que é isto de Hora Legal? A explicação é simples e parte de um raciocínio lógico: “Qual é a hora que tem no seu relógio? É a Hora Legal ou a sua hora? Quando vai ao multibanco fazer um pagamento e diz lá que pagou no dia tal às tantas horas, isso é a Hora Legal ou é a hora da máquina?”. Para o diretor do OAL é importante esclarecer “a diferença entre a Hora Legal e a hora privada”. Assim, a Hora Legal “vem do Observatório, está em decreto-lei e define a hora pelos relógios atómicos”, enquanto a hora privada “é nossa, está nas nossas máquinas e podemos mudá-la como quisermos, mais uns minutos, menos uns minutos e nada nos impede”. Para que não existam desculpas para atrasos, o Observatório Astronómico de Lisboa tem disponíveis algumas ferramentas que ajudam a acertar os relógios, mantendo sempre a Hora Legal. Além disso, permite o acesso à legislação relativa às mudanças horárias no país e às datas exatas destas até 2021.
Quanto ao conceito de Tempo Universal Coordenado (UTC), este é um padrão que regula as horas dos países. “Cada país podia dizer ‘o instante da meia-noite é este”, era a sua meia-noite, cada um definia isto como quisesse. Ao longo dos séculos, o que ficou definido estava associado à rotação da Terra. E foi aí que apareceu o Meridiano de Greenwich para definir a meia-noite de cada dia. O UTC é uma hora que está referenciada ao Meridiano, é o padrão da hora para todo o mundo. Isto faz com que todos os países ajustem as suas horas de acordo com a hora UTC, fazendo com que estejam todas normalizadas ao mesmo padrão da rotação da hora do nosso planeta, considerando, depois, claro, os fusos horários”, explica.
Na União Europeia, os relógios atrasam ou adiantam uma hora certa. Mas não é assim em todos os países do mundo que aderem a esta mudança. Rui Agostinho refere que “há casos esquisitos da hora, mesmo em relação aos fusos horários. Há países que adiantam e retraem apenas 15 minutos, por exemplo. Mas é mais interessante fazê-lo numa hora inteira. Porquê que não fazemos só um quarto de hora? Ou meia hora? Na realidade, nada o impede, mas a questão é que uma hora é um número inteiro e nós temos o dia dividido em 24 horas, pelo que é mais fácil pegar no relógio e adiantar um número inteiro nos dígitos da hora do que andar nos dígitos dos minutos a somar ou a subtrair 15 minutos”.
Além disso, esta mudança acontece sempre à meia-noite (para Portugal Continental) e de sábado para domingo porque é um período de menor atividade. “Imaginemos que se fazia isto a um dia da semana, ao meio-dia! Era confuso, ninguém sabia quando ia almoçar, entrava tudo em pânico!”, diz Rui Agostinho entre risos.
E se os relógios do nosso corpo não gostarem da mudança horária?
Se é sabido que acertar os relógios é essencial para não se faltar a compromissos e ter uma vida mais organizada, já não é tão garantido que estas mudanças sejam aconselhadas para o Homem. Os impactos que estas pequenas mudanças podem ou não ter na saúde têm vindo a ser discutidos por inúmeros especialistas, embora ainda não existam estudos suficientes que levem a União Europeia a eliminar a mudança de hora.
Para Miguel Meira e Cruz, Mestre em Medicina do Sono pela Faculdade de Medicina de Lisboa, Presidente da Associação Portuguesa de Cronobiologia e responsável pela Unidade do Sono do Hospital Soerad, em Torres Vedras, é importante referir que “a mudança do relógio ‘social’ não se faz a par da adaptação desejável do relógio biológico às diferentes estações do ano. A existência de um relógio biológico e, consequentemente, de um tempo interno, justifica-se, do ponto de vista evolutivo, pela necessidade de adaptação orgânica aos fenómenos oscilatórios naturais, ou seja, por exemplo, à mudança do dia para a noite, do verão para o inverno; e também aos fenómenos naturais associados (variação da temperatura, disponibilidade de luz, etc)”.
Para o especialista, que afirma que temos “relógios, virtualmente, em todas as células do nosso corpo”, a questão essencial diz respeito ao “relógio central, uma espécie de Big Ben que coordena e sincroniza o tempo interno”. Fazendo uma analogia com um relógio de corda, este relógio interno “recebe um acerto diário que sucede através da análise diária da luz existente e da temperatura e fatores sociais, como os horários. Se esse acerto não for efetuado, cada dia nos deitávamos mais tarde e nos levantávamos também mais tarde no dia seguinte. Isto porque, em contraste com as 24h do nosso dia social e do ciclo luz-escuridão, o nosso relógio [biológico] tem um período superior a 24h”.
Então para que serve este relógio interno? Miguel Meira e Cruz explica que é o mecanismo que nos permite “conseguir antecipar acontecimentos no tempo e responder de forma favorável à otimização da performance individual”. Assim, é por isso que “a temperatura corporal inicia um aumento antes do nascer do dia, assim como o cortisol (uma hormona que nos prepara para a vigília)”. É também por isso que “em pessoas saudáveis, a pressão arterial reduz durante o horário noturno para aumentar progressivamente antes do despertar”, refere. Quando isto não acontece, o ser humano torna-se mais sonolento, o que pode ter consequências, visto que “não conseguimos mudar a fisiologia controlada por um relógio genético sem que isso tenha implicações”.
Estas mudanças podem causar diversos sintomas que, para Meira e Cruz, “dependem das características relacionadas com a robustez ou vulnerabilidades do relógio interno de cada um”. Por exemplo, “um estudo sugeriu que após a mudança para a hora de verão existiam mais eventos cardiovasculares nos três dias subsequentes. Apesar de outros estudos após este não corroborarem isto, ficou demonstrado que existe, pelo menos, uma alteração do quadro temporal dos eventos, frequentemente mortais”. Contudo, “o coração não é o único a sofrer, o controlo da glicemia também pode sofrer alterações neste sentido” e até os “estados depressivos e ansiosos são afetados pela mudança da hora”, explica.
Com isto, o que fazer para atenuar as consequências da mudança de hora? “Infelizmente, à luz da ciência atual, podemos fazer pouco. Seremos, em maior ou menor grau, afetados. Podemos minimizar, apenas”. Deve-se então “procurar manter horários regulares e tentar ir alterando a hora pouco a pouco - em segmentos de 10 ou 15 minutos na semana ou nas duas semanas que antecedem a mudança oficial”, aconselha.
Quanto à necessidade de se continuar com o Daylight Saving Time, Miguel Meira e Cruz é da opinião de que é “um assunto muito controverso”. “O pressuposto inicial do ganho em luz natural e da consequente poupança em energia elétrica preconizado por Franklin não parece confirmar-se. (…) É possível, ainda que com algumas reservas, que esse pudesse ser o caso num momento do século passado em que as populações eram menos sedentárias. Muitos estudos não mostram que se poupe energia com o aumento de uma hora de verão.”, refere.
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