Abolição de novas explorações de petróleo e gás natural offshore. Moratória para a mineração do fundo marinho. Afetação do mar territorial à pesca artesanal. Transição para uma economia azul circular e descarbonizada. Um tratado internacional sobre poluição costeira. Proteção de pelo menos 30% do oceano global até 2030. Estas são algumas das medidas propostas pela “Rise Up- A Blue Call To Action” que traduz uma espécie de caderno de encargos para comprometer países, empresas e sociedade em geral.
É preciso recuar a 2019 para explicar o âmbito da iniciativa. Em maio do ano passado, a Fundação Oceano Azul, a Ocean Unite e a Oak Foundation juntaram algumas das principais fundações e organizações não-governamentais dedicadas à conservação do oceano, bem como representantes de comunidades piscatórias e de povos indígenas, com vista definir uma agenda de ações prioritárias e soluções necessárias para enfrentar a crise que o oceano atravessa.
Foi esse o ponto de partida da Rise Up, a campanha internacional agora anunciada e que conta com a assinatura de 26 organizações não governamentais. Uma iniciativa a que se associaram entidades como a Oceana, a Fundação Albert II do Mónaco, a Seas at Risk, a WWF, a federação de comunidades indígenas ICCA, a Conservation International, Fundação Packard dos Estados Unidos, a Fundação Sasakawa do Japão, e que está aberta à participação através do site riseupfortheocean.org.
"Há muito tempo que andamos a adiar a tomada de decisões cruciais na resolução da crise que o oceano enfrenta, tal como o fizemos com a crise climática. São necessárias ações efetivas e este é o momento de exercer maior pressão para que se concretizem", afirmou Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul, na apresentação da iniciativa junto da ONU.
O pano de fundo da Rise Up - A Blue Call To Action é a Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano, um evento que decorre de dois marcos na história de como as instituições internacionais olham para o património marítimo. O primeiro, em 2014, aquando da proclamação do objetivo 14 de desenvolvimento sustentável [que se refere ao oceano] e o segundo que foi a conferência realizada em 2017 para pensar como é que iria ser implementado.
"Os oceanos andam a salvar-nos a pele há 200 anos"
"Foi uma Conferência muito importante porque foi a conferência que pôs os plásticos no radar, que também mostrou o que aconteceu com os corais", contou Tiago Pitta e Cunha na entrevista ao SAPO24 no âmbito do 20/30: 20 perguntas daqui até 2030 a publicar nos próximos dias. "Há algo que é muito importante as pessoas compreenderem e que é a interligação entre os oceanos e as alterações climáticas; as pessoas devem saber que 90% do calor que é gerado pelo aquecimento global tem sido absorvido pelos oceanos, e que se esse calor não tivesse sido absorvido pelos oceanos, já não teríamos viabilidade na atmosfera". Ou, de forma mais simples, "os oceanos andam a salvar-nos a pele há 200 anos, mas hoje em dia começam a já não conseguir salvar-se a eles próprios".
Portugal assumiu desde a primeira hora uma posição de grande envolvimento ao nível das Nações Unidas no que respeita ao tema dos oceanos. Aquando da primeira conferência - que não tinha agenda prevista para uma segunda - foi Portugal que se candidatou a retomar a reunião três anos depois (em 2020) tendo o Quénia, que é considerado um país líder em África no que toca às questões do oceano, se associado à iniciativa.
"Portugal disse que se 2017 foi o ponto de partida, precisamos já num médio-prazo de ter uma outra reunião internacional que possa verificar se fizemos os nossos trabalhos de casa e se estamos a progredir nesses objetivos, porque há metas que vão vencer em 2020, e a questão é saber se vão vencer cumpridas ou se vão ficar por cumprir. E, infelizmente, maior parte deles está por cumprir", refere o CEO da Fundação Oceano Azul.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano reveste-se assim de especial importância no que tica à mobilização para ações concretas - que é precisa o enquadramento da Rise Up - A Blue Call To Action. Em entrevista ao SAPO24 em dezembro, também John Tanzer, líder do programa global marinho do World Wild Fund, expressava a sua preocupação no sentido que a conferência não fosse apenas um conjunto de palestras. "Queremos que tenha o maior impacto e significado possível – o menos possível um “talkfest” e o mais possível sobre ação e compromisso", afirmou então.
"Esta é a primeira vez que a sociedade civil, organizações filantrópicas e representantes de povos indígenas e de comunidades piscatórias se unem de forma absolutamente clara (...) para recuperar o oceano"
Documentos como o “Relatório Especial do IPCC sobre o Oceano e a Criosfera num Clima em Mudança" e o “Relatório de Avaliação Global do IPBES sobre Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas” mostram que a capacidade do oceano enquanto sistema de suporte de vida está comprometida e tem impacto já nos meios de susbsistência de povos indígenas, de pescadores artesanais e comunidades costeiras, deixando milhões de pessoas vulneráveis e em situação de pobreza. Por isso, o grupo impulsionador da Rise Up vê o ano de 2020 como "uma grande oportunidade para a comunidade global se unir e elevar o nível de ambição para a proteção do oceano. As escolhas que o mundo fizer este ano serão críticas na recuperação do oceano até 2030".
"Esta é a primeira vez que a sociedade civil, organizações filantrópicas e representantes de povos indígenas e de comunidades piscatórias se unem de forma absolutamente clara e convicta sobre o que é preciso fazer para recuperar o oceano. Para garantir a sustentabilidade do oceano para gerações futuras, a ciência diz-nos que precisamos de fazer muito mais, e os governos e empresas têm que agir. O oceano é essencial para toda a vida na Terra. Temos que aumentar a proteção do oceano, sem demora", afirmou Karen Sack, Presidente e CEO da Ocean Unite.
Depois de receber a Fundação Oceano Azul em representação da Rise Up, António Guterres, destacou a ousadia da iniciativa, reforçando o esforço coletivo que é necessário para “proteger o oceano do aquecimento global, da sobrepesca e da poluição que ameaçam as nossas vidas e meios de subsistência”.
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