"No contexto daquilo que tem vindo a ser afirmado publicamente desde há alguns dias, quer por parte do Grupo VITA, quer por parte da ex-Comissão Independente (CI), vimos por este meio referir que o Grupo VITA mantém tudo aquilo que já foi referido anteriormente, e que demonstrou de forma factual. As informações da CI não têm, assim, elementos novos", é referido em comunicado.
O Grupo VITA, que reforça que "tem como principal missão a escuta e o apoio das vítimas de abuso sexual no contexto da Igreja Católica em Portugal e tem por todas o maior respeito", repudia "veementemente qualquer tentativa por parte da CI em sugerir o contrário".
"No que respeita à validação das situações que a CI afirma ter feito, e de acordo com a boa prática, consideramos que tal não é passível de ser feito com rigor apenas com base em relatos escritos anónimos", explica o grupo coordenado pela psicóloga Rute Agulhas.
Assim, defende, "a validação de um relato (ou, dito de outra forma, a avaliação da sua credibilidade) exige uma avaliação aprofundada, apenas possível com uma ou mais entrevistas presenciais, tal como definido em protocolos de avaliação forense nacionais e internacionais".
"Contrariamente ao que afirma a CI, o Grupo VITA não deu a entender que as vítimas não tenham existido ou que tenham manipulado os questionários, fornecendo falsas alegações. Trata-se de uma manipulação textual que o Grupo VITA repudia veementemente. O que o Grupo VITA afirmou, e reitera, é que tem conhecimento de pessoas que apresentaram falsas alegações, como forma de testar o sistema", é ainda frisado.
O grupo explica ainda que tem conhecimento de que este método também foi utilizado "noutros países" e que "evidentemente que isto não retira valor ao estudo que a CI realizou, mas a existência destas situações exige da parte de todos um cuidado acrescido nos processos de avaliação".
O comunicado esclarece também que "as pessoas que já partilharam a sua situação com o Grupo VITA ou com a Igreja não terão de a repetir, na medida em que está devidamente documentada. Nas restantes situações, e na ausência de qualquer documentação, as vítimas terão necessariamente de ser questionadas sobre a sua vivência abusiva".
Como começou a polémica?
Na segunda-feira, o Expresso publicou um artigo de opinião assinado pelo ex-ministro da Educação e militante do PS, João Costa, que referia o seu "desalento" com o regulamento "aprovado (por unanimidade) pela Conferência Episcopal para a fixação de compensações financeiras para as vítimas de abuso".
"Descobri que o desprezo profundo continua. Se todos sabemos que não há dinheiro que pague o trauma avassalador e as suas consequências, também sabemos que as vítimas tiveram, ao longo da sua vida, o peso da existência afetada pelos abusos, seja pelos tratamentos a que tiveram de recorrer de forma continuada, num país em que, até há pouco tempo e ainda hoje, o acesso à saúde mental e ao acompanhamento terapêutico não está ao alcance de todos, seja por tudo o que não conseguiram atingir ao longo da sua vida como fruto do trauma", escreveu.
O ex-ministro referiu haver "uma métrica desprezível neste regulamento associada à determinação das compensações financeiras", já que que a comissão responsável pelas compensações financeiras às vítimas de abuso "fixará valores em função da sua apreciação subjetiva da gravidade do abuso".
"O elenco do que a Conferência Episcopal e o grupo Vita consideram ser grave ou menos grave é um exercício de insulto e ofensa às vítimas", evidencia.
Já na terça-feira, a coordenadora do Grupo VITA reagiu com um artigo de opinião no mesmo jornal.
Rute Agulhas garantiu que todos no grupo estão "cientes da necessidade de proteger as vítimas" e que, sendo especialistas, sabem "que a revitimizacão é para evitar sempre que possível".
"Mas deparamo-nos com dados eliminados, bem como com a dificuldade em perceber o processo de validação efetuado pela ex-Comissão Independente", criticou.
"Relativamente ao processo de compensação financeira das vítimas, importa desde já salientar que a esmagadora maioria das pessoas que contactaram a ex-Comissão Independente (CI) o fizeram de forma totalmente anónima. Ou seja, não sabemos quem são essas pessoas. De acordo com o relatório apresentado por esse grupo de trabalho, foram preenchidos 563 inquéritos online. Destes, foram eliminados 51, por motivos relacionados com a duplicação ou ausência de informação, a presença de dados claramente inverosímeis ou incoerentes, o facto de a pessoa já ser maior de 18 anos à data dos alegados abusos ou de reportar um abuso vivido fora do contexto da Igreja Católica em Portugal. Assim, e excluídos estes 51 inquéritos, foram validados 512", explicou.
E de seguida expôs o problema que identificam nestas validações. "Mas o que significa 'validados'? Esta é a verdadeira questão que, até ao momento, parece por todos ser ignorada. Porque, segundo o que é reportado no já referido relatório, realizaram-se apenas 34 entrevistas com vítimas. Ora, e em relação a todas as demais… o que foi efetivamente validado? Em rigor, nada, pois estamos a falar de inquéritos anónimos preenchidos por pessoas com quem nunca se esteve. Sabemos que noutros países várias pessoas já reconheceram ter preenchido os inquéritos anónimos como forma de testar o sistema, o que corresponde a falsas alegações. E sabemos que o mesmo aconteceu no nosso país".
"Mais recentemente, ficámos ainda a saber que os dados relativos a todas as pessoas que contactaram a CI foram destruídos. Isso mesmo – destruídos", divulga.
"Compreendemos, naturalmente, a necessidade de proteção dos dados e em assegurar a privacidade de todas as pessoas. O que não compreendemos é a impossibilidade com que hoje muitas vítimas se deparam, pois partilharam com a CI a sua situação abusiva e gostariam de dar o seu consentimento para que esta fosse, agora, partilhada com o Grupo VITA e com a Igreja, de modo a evitar terem de reportar tudo novamente. Mas como os dados foram destruídos, quer isso dizer que não se encontram documentados em lado nenhum. Logo, não existem", acrescenta ainda.
Depois disto, a Comissão Independente, constituída por Pedro Strecht, Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Nunes de Almeida, Catarina Vasconcelos, Daniel Sampaio e Filipa Tavares — e que já se encontra fora de funções —, reagiu às declarações num outro artigo.
"Todos os testemunhos recolhidos pelas diferentes formas descritas no relatório final do seu Estudo foram concretizados no âmbito da garantia prévia de um total anonimato das vítimas. A esta garantia, juntava-se a de que esta informação por elas fornecida seria apenas utilizada no âmbito deste Estudo. Seguindo os protocolos da União Europeia de investigação científica, a base de dados era da responsabilidade exclusiva da CI, pelo que em caso algum poderia ser cedida a uma entidade externa", explica a ex-comissão.
E foi também apresentada uma justificação para a destruição dos dados. "A 'destruição' da base de dados, em março de 2024 (de que a Comissão Episcopal Portuguesa teve previamente conhecimento), seguiu protocolos de pesquisa utilizados em temas considerados particularmente sensíveis, como é o caso de abusos sexuais, vítimas e agressores".
"Cumpriu-se, aliás, o exigido por normas regulamentadas pela União Europeia (Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados)", é referido.
Além disso, D. José Ornelas, presidente da CEP, recebeu "uma cópia da base de dados, mas totalmente anonimizada, para fins de estudo ou análise futura" e que pode ser consultada por "qualquer cidadão" no Arquivo Português de Informação Social.
Assim, "os elementos da ex-CI refutam assim as afirmações publicamente produzidas pela coordenação do Grupo VITA que só podem expressar um eventual desconhecimento destes mesmos protocolos de investigação científica por nós utilizados, bem como do trabalho realizado pela CI e tornado público com a apresentação do seu relatório final".
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