Os franceses, que tanto criticam os americanos – uma relação de amor/ódio, diz-se – têm vindo a adoptar algumas americanices no seu funcionamento político desde 1958. Primeiro, foi a instauração dum regime presidencialista, uma originalidade na Europa, para na altura permitir a de Gaulle querer, poder e mandar. Depois, a instituição de eleições primárias nos partidos para escolher o candidato à presidência.
As primárias, que também já chegaram a Portugal, via PS, tanto podem ser vistas como a vontade de respeitar a opinião dos eleitores, como uma insegurança quanto às preferências do eleitorado. Indiscutivelmente, têm a vantagem de pré-eliminar os candidatos menos populares. Mas prestam-se a um certo jogo político; os militantes de outros partidos podem votar numas primárias para, por exemplo, eliminar o candidato que teria mais hipóteses de ganhar nas eleições nacionais. O comentário malicioso não deixou de aparecer nestas “primárias da direita” – assim chamadas porque puseram frente a frente candidatos da direita não radical e do centro direita. Ficou de fora, evidentemente, o Front National de Marine le Pen, que corre sozinho numa plataforma muito mais violenta e não se identifica com os herdeiros do gaulismo.
Na verdade esta competição tinha três protagonistas com possibilidades: François Fillon, católico, conservador e eurocéptico; Nicolas Sarkozy, republicano laico e europeísta; e Allain Juppé, o Presidente da Câmara da Bordéus, conhecido pelo seu pensamento conservador.
Muita gente apostava em Sarkozy que, apesar do desgaste sofrido no final da sua presidência (2007-12) - em que parecia que os franceses já não o podiam ver, tanto que votaram em Hollande – tinha feito uma travessia do deserto sóbria e bem comportada. Mas na primeira volta das primárias o ex-presidente sofreu uma derrota vexatória, o que o levou a dizer, pela segunda vez na vida, que não volta à politica.
A esperança de muitos franceses, mesmo à esquerda mais moderada, é que o escolhido pelo partido agora chamado Les Republicains consiga travar a avalanche cada vez mais tsunâmica da Frente Nacional, uma vez que à esquerda não parece haver figura que chegue para a ariana Marine. Esta segunda volta teve, aliás, um número inusitado de votantes, 4,6 milhões, muitos mais do que a base do partido. No entanto a escolha de Fillon, em algumas áreas, não é muito mais tranquilizante.
Este ex-ministro é um conservador “clássico”, ou seja, com um ideário menos apelativo nesta época de radicalização dos eleitores. Defendendo, tal como le Pen, uma política de ferro em relação dos imigrantes e também o regresso aos “valores franceses”, por outro lado é contra a interrupção voluntária da gravidez (embora jure que não mudará a lei), o casamento dentro do mesmo género e todas as outras bandeiras do catolicismo mais conservador. Temas em que Marine está mais à vontade, porque a grande questão, para ela, é a “invasão dos imigrantes”.
Fillon, que é considerado “thatcheriano”, defende um estado mais pequeno e propõe-se a reduzir drasticamente os funcionários públicos, que em França constituem um quinto da população activa. Para tal, pretende, entre outras decisões altamente delicadas, privatizar o sistema nacional de saúde, ou parte dele. Estas posições não só provocam o ultraje da esquerda como são altamente impopulares; mesmo os franceses conservadores não querem ver os funcionários públicos no desemprego e o sistema de saúde desmantelado.
As hipóteses de Fillon dependem, evidentemente, de quem for o candidato da esquerda – que será escolhido também numas primárias, em Janeiro. Se for Hollande, Fillon tem praticamente garantida a ida à segunda volta, frente a Marine; mas Manuel Valls, o actual primeiro ministro francês, já anunciou que está a pensar em candidatar-se. Valls é detestado pelo eleitorado de esquerda, que o considera muito direitista, mas que numa emergência certamente o preferirá a Fillon.
Muita conversa ainda vaicorrer até às presidenciais de Abril/Maio de 2017; mas, não havendo um candidato que se veja à esquerda, a disputa será entre Fillon e le Pen – o que significa que Fillon tem sérias hipóteses. Por agora, as sondagens dão a vitória de Marine logo à primeira volta, mas essa situação é extremamente improvável numa eleição que tem sempre bastantes candidatos. Numa segunda volta, a esquerda decerto engolirá o sapo e votará num homem que representa tudo o que detesta. Contudo, convém não esquecer que a esquerda representa apenas 40% do eleitorado francês. E a situação não é estática. Os incidentes diários com os refugiados, somados à exclusão dos magrebinos há muito radicados em França, mais os atentados que têm assombrado o país, tudo se soma para dar mais força à postura agressiva de Marine do que à falsa contemporização de François.
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