Ter "pata de urso" é mais ou menos sinónimo, num pelado de uma escola básica qualquer, de atirar a bola para fora dos muros. Mas na Tanzânia, aquilo que durante anos se achou serem as pegadas de um urso pode muito bem ser, afinal, a prova de que houve mais hominídeos a conviver no tempo e no espaço do que originalmente se pensava.

Segundo o jornal ‘Público’, que cita a história na revista ‘Nature’, abre-se, contudo, uma nova dúvida: as pegadas são diferentes de outras atribuídas a hominídeos encontradas perto do mesmo local. Faz quase meio século que foram descobertas marcas e fósseis num local conhecido com Laetoli, no norte da Tanzânia: preservadas em cinzas vulcânicas, pegadas com 3,6 milhões de anos, pertencentes a uma espécie humana bípede. Seriam de Australopithecus afarensis, a mesma espécie do esqueleto de Lucy, e tinham sido catalogadas por uma equipa de investigadores liderada por Mark Leakey.

Ainda nos anos 1970, perto deste local, foram encontradas marcas diferentes. Afinal, “a região de Laetoli é famosa pela sua impressionante pista de pegadas de hominídeos nos sítios G e S, que são aceites como de Australopithecus afarensis”, diz um comunicado de imprensa sobre o estudo.

No entanto, num chamado “sítio A”, foi achado um rasto de características distintas — levando os cientistas a atribuir as pegadas a um urso que ali terá passado a caminhar em pé, em cima apenas das patas traseiras. As novas tecnologias, contudo, mostram que, afinal, as pegadas pertencem a um hominídeo e não a um urso.

“As nossas descobertas mostram que as pegadas bípedes na pista de Laetoli A pertencem a um hominídeo e não a um urso, como foi anteriormente sugerido. Estas pegadas são inconsistentes com as encontradas nas outras duas pistas bípedes (G e S) localizadas em Laetoli, fornecendo provas de que as pegadas A foram deixadas por uma espécie de hominídeo diferente da Australopithecus afarensis”, disse Ellison McNutt, a principal autora do artigo publicado na Nature, numa resposta ao ‘Público’.

Foi Ellison McNutt, uma investigadora do Departamento de Ciências Biomédicas na Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, que em 2019 liderou a equipa que voltou a olhar para as cinco pegadas do suposto urso em pé, sabendo que os ursos-negros-selvagens-americanos muito raramente caminham em duas patas.

Os investigadores compararam aquelas marcas com mais de três milhões de anos com outras pegadas atuais de ursos (Ursus americanus) e compararam ainda aquele rasto antigo com os passos de chimpanzés (Pan troglodytes) e humanos (Homo sapiens).

E fez-se luz: os fósseis são mais parecidos com as marcas dos hominídeos do que com as dos ursos. Ainda assim, abriu-se uma sombra: são parecidas, não são iguais — de quem são, afinal?

“O nosso trabalho sugere que as impressões na pista A de Laetoli são uma das provas mais antigas e inequívocas no registo fóssil de múltiplas espécies de hominídeos que coexistem na mesma área, no mesmo tempo exacto”, explica a investigadora. Ou seja, esta pode ser a evidência de um possível encontro entre diferentes espécies de hominídeo no mesmo tempo e lugar: “não é inconcebível que o indivíduo que fez a pista A pudesse ter olhado através da paisagem e visto indivíduos A. afarensis”.