"É um misto de emoções. Ainda hoje não sei exprimir o sentimento", contou José Guilherme, comandante da missão portuguesa que partiu para a Turquia a oito de fevereiro, ao SAPO24, referindo-se ao salvamento de Baran, a criança de 10 anos que esteve cinco dias debaixo dos escombros. "É um sentimento de missão cumprida".

No meio de tanta destruição, a história de coragem e resiliência de Baran conseguiu trazer alegria à equipa. "Ficámos muito contentes. Salvámos duas vidas, uma humana e uma animal... que também é uma vida. Mas esta vida em particular porque é uma criança, e quando falamos de crianças temos outra sensibilidade", contou o comandante ao SAPO24. "Principalmente com uma criança de 10 anos que resistiu cinco dias debaixo dos escombros. Isto mostrou uma resiliência acima da média".

Além do salvamento de Baran, José Guilherme mostra-se comovido pela força e resiliência de um povo que perdeu tudo. "Eles mesmo sem ter nada ofereciam-nos comida, ofereciam-nos chá... isto acaba por nos marcar", conta o comandante. "Um povo que sofreu uma catástrofe, acaba por ter outra catástrofe que é perder as famílias, depois tem outra catástrofe que é perder os seus bens e as suas casas. E, mesmo assim, estão disponíveis para oferecer o pouco que têm".

"Isto são equipas projetadas para estes cenários, com formação, treino, condição física e também psicológica". Ainda assim, não deixam de ser humanos, admite o comandante. "Somos 52 pessoas diferentes que reagem de maneira diferente", explica José Guilherme. "É gerir o dia a dia e as emoções, porque somos seres humanos". É por isso que, explica, a equipa não era constituída apenas por operacionais de linha, mas também por equipas médicas e psicólogos.

"Há coisas que vão ficar na nossa mente para sempre", confessa. Mas o importante é lembrar as coisas boas, "que é o que interessa". É o caso de Baran, o menino resgatado pela equipa portuguesa que vê o seu salvamento como algo mais: "O salvamento do Baran não foi só o salvamento do Baran. Foi a continuidade da família do Baran", conta o comandante. "Pensar que fizemos parte da continuidade de uma família marcou-nos muito pela positiva".

A Força Operacional Conjunta (FOCON), composta por 52 operacionais, partiu para a Turquia após o sismo que atingiu o país e a vizinha Síria a 6 de fevereiro, causando mais de 50 mil mortes, segundo a contagem divulgada pela agência France-Presse (AFP) esta terça-feira. A equipa foi apoiar com as suas valências de busca, salvamento, proteção e socorro, comandada por José Guilherme que considera os colegas "excecionais".

A imensidão da destruição e do sofrimento marcaram a equipa portuguesa. "Estamos a falar de uma cidade [Antáquia] com quase 600 mil habitantes, e a cidade estava completamente evacuada, não havia ninguém a residir dentro de nenhuma estrutura. Portanto, as pessoas ou foram deslocadas para casa dos familiares, ou foram deslocadas para campos de desalojados que foram montados e instalados pelas autoridades locais. E acho que isto nos marca... a dimensão daquele evento, a dimensão daquela cidade completamente destruída".

"Comandar esta missão foi um grande motivo de honra", conta José Guilherme, embora também um desafio. Primeiro, porque sendo uma zona completamente destruída, tudo o que eram bens essenciais não existiam, explica o comandante. Tiveram de "entrar naquele país completamente autónomos", o que implica ultrapassar vários constrangimentos "em termos de planeamento logístico". Depois, "com a escassez dos primeiros bens de necessidade, colocam-se outros desafios, que é o dos combustíveis, os transportes". E, por último, a língua, uma vez que "era raro encontrar alguém que falasse pelo menos inglês". Mas José Guilherme, procurando o lado positivo, conta que foi graças a isso que conheceram um "excelente tradutor" que acabou por ser "um companheiro, um amigo, mais um elemento da equipa", cuja excelência o comandante não consegue parar de louvar.

A equipa regressou no dia 18, com um sentido de dever cumprido. José Guilherme recorda agora aquela que foi a missão que exigiu mais de si. "Foi logo desde início uma grande responsabilidade assumida e de todas as missões que eu já fiz, foi a que até ao momento exigiu mais da minha parte. Não só a minha concentração, mas também o envolvimento e planeamento. Mas nada se faz sem a excelente equipa que eu tive comigo. Foram excecionais".

A equipa foi composta por 52 operacionais da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, da Guarda Nacional Republicana, do Regimento de Sapadores Bombeiros e do Instituto Nacional de Emergência Médica. A equipa encontrou a criança de dez anos na baixa de Antáquia, no setor que havia sido atribuído à equipa e onde já trabalhavam há vários dias, com recurso a cães.

O Presidente da República entregou uma condecoração a José Guilherme, em representação de toda a equipa. A cerimónia ocorreu no antigo Picadeiro Real do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, onde a equipa foi congratulada pela sua excelência, prontidão e devoção, espírito de grupo e, em última instância, humanidade.

*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel.

Porque o seu tempo é precioso.

Subscreva a newsletter do SAPO 24.

Porque as notícias não escolhem hora.

Ative as notificações do SAPO 24.

Saiba sempre do que se fala.

Siga o SAPO 24 nas redes sociais. Use a #SAPO24 nas suas publicações.