Apesar de considerar que o ensino a distância pode ser positivo, se funcionar como um complemento ao ensino presencial, aquele que entende funcionar melhor, o antigo ministro (2011-2015) admitiu que, por si só e como funcionou durante o último período, este modelo é “duplamente prejudicial”.
Nos últimos três meses, o ensino foi obrigado a afastar-se do espaço físico das escolas e passou a fazer-se à distância, sobretudo, através de meios digitais, depois de o Governo ter suspendido todas as atividades letivas presenciais, em 16 de março, devido à pandemia da covid-19.
Ao longo deste tempo, um dos principais problemas apontados ao regime de ensino a distância foi o acentuar de desigualdades pré-existentes entre alunos, pelo contexto socioeconómico e familiar em que se inserem, ou pelas dificuldades de acesso aos meios digitais para acompanhar as aulas.
Nuno Crato partilhou essa perceção e, em entrevista à Lusa, explicou que quando o ensino é feito exclusivamente a distância acaba por ser prejudicial para alguns alunos, em particular para aqueles com constrangimentos do ponto de vista tecnológico e para aqueles que, num contexto normal, já tinham maior dificuldade em acompanhar as matérias.
“É preciso dar uma atenção grande a esses alunos, porque se esses alunos se atrasam, atrasam-se em relação a tudo”, explicou, sublinhando que no início do próximo letivo as escolas terão de ter isso em conta no âmbito da recuperação de algumas matérias.
“Mas os bons professores sabem isso naturalmente”, acrescentou.
Atualmente, Nuno Crato lidera o projeto Teresa e Alexandre Soares dos Santos – Iniciativa Educação que, no dia 01 de junho, lançou o projeto Histórias de AaZ, que disponibiliza ‘online’ vídeos de apoio à leitura a pensar, precisamente, nos alunos com maiores dificuldades.
Este projeto enquadra-se no programa AaZ — Ler Melhor, Saber Mais, que pretende ultrapassar falhas na aprendizagem inicial da leitura e escrita, evitando a desmotivação dos alunos, que são acompanhados semanalmente por um professor-tutor.
Nuno Crato referiu o programa de apoio à leitura, que durante a pandemia também passou para os meios digitais, para explicar como é importante responder tão cedo quanto possível às dificuldades dos alunos, de forma a evitar que essas se acentuem.
“É muito importante, às primeiras dificuldades dos jovens, haver uma intervenção atempada para que possam acompanhar os seus colegas e que possam desenvolver-se e chegar todos ao que nós queremos. E esta pandemia trouxe de facto problemas acrescidos aí”, explicou.
As avaliações regulares que a Iniciativa Educação conduz no âmbito do programa AaZ confirma essa importância e, segundo Nuno Crato, as crianças do 1.º ciclo que são acompanhadas semanalmente melhoram mais rapidamente a sua capacidade de leitura.
“O objetivo é que subam de tal maneira que rapidamente cheguem àquilo que todos os jovens devem atingir no fim do 1.º e 2.º anos de escolaridade”, refere o presidente da Iniciativa Educação, que além deste projeto tem também o programa Ser Pro, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do ensino profissional, aproximando escolas e empresas.
Ensino à distância pode ser positivo, mas apenas como complemento
Nuno Crato considerou que o recurso a alguns dos modelos de trabalho que marcaram o 3.º período letivo pode ter “bons resultados”, sublinhando, no entanto, que isso deve acontecer sob uma lógica de interação com o presencial.
“É bom que essa interação seja muito bem estruturada”, defendeu, referindo a necessidade de definir os mesmos objetivos para os dois regimes e que essas metas sejam claras.
Nos últimos três meses, o ensino foi obrigado a afastar-se do espaço físico das escolas e passou a fazer-se à distância, sobretudo, através de meios digitais, depois de o Governo ter suspendido todas as atividades letivas presenciais, em 16 de março, devido à pandemia da covid-19.
Para o antigo ministro da Educação (2011-2015), que atualmente lidera o projeto Teresa e Alexandre Soares dos Santos - Iniciativa Educação, este período tornou claro que o ensino presencial “é, sem dúvida, a melhor forma de funcionar”.
“Além da dinâmica do trabalho presencial e da relação que se estabelece entre professor e alunos, elementos que considera essenciais no bom ensino", Nuno Crato acredita que a prevalência deste modelo é uma opinião partilhada por todos e que o sentimento generalizado, ao longo do 3.º período, foi o de nostalgia em relação ao espaço físico escola.”
“Nós temos saudades de salas de aula, onde possamos estar a falar diretamente com os alunos, onde possamos ver por que é que os alunos estão preocupados, se estão a seguir as coisas, onde possamos manter um diálogo, onde possamos ir acompanhando as dificuldades. Temos saudades disso”, afirmou.
Nuno Crato não arriscou fazer previsões sobre como vai decorrer o próximo ano letivo, mas disse acreditar que se em setembro a situação epidemiológica no país não permitir que o ensino retome a normalidade, os alunos vão estar mais bem preparados para trabalhar com as ferramentas digitais.
“Acho que isso é uma coisa que as gerações adquirem com facilidade, e que ficou demonstrado durante este período que todos nós conseguimos rapidamente dominar instrumentos que são necessários para isso”, considerou.
A literacia digital é, aliás, uma competência que o antigo ministro considerou importante valorizar, mas sublinhou que a aprendizagem desses conteúdos deve ser feita no decorrer do ensino, sem prejuízo do conhecimento.
E é a partir do conhecimento que se constrói um bom currículo, um dos princípios que define aquilo que o antigo ministro disse ser o bom ensino.
O bom currículo, acrescentou, deve ser acompanhado de objetivos claros e estruturados. “Depois disso é preciso interação e, finalmente, é preciso perguntar e avaliar”, sublinha.
A avaliação foi um dos temas que mais marcou o 3.º período letivo uma vez que, do lado da avaliação externa, o Ministério da Educação decidiu suspender todas as provas finais e exames nacionais do ensino básico e que as decisões sobre a avaliação interna foram passadas às escolas.
Nuno Crato absteve-se de comentar as decisões tanto da tutela como dos professores que optaram por não avaliar as matérias lecionadas em regime de ensino à distância, admitindo que o contexto é complexo, embora sublinhando que avaliar é essencial.
“Agora estamos num momento muito especial, mas o que é importante é que se perceba isto: Há um momento especial, ok, vamos voltar à normalidade. E a normalidade deve incluir o que o bom ensino inclui”, afirmou, referindo a avaliação dos alunos.
No tempo em que esteve à frente do Ministério da Educação, Nuno Crato foi responsável pela introdução dos exames do 4.º ano, em 2013, entretanto extintos pelo atual ministro, Tiago Brandão Rodrigues, logo em 2015.
Agora, o antigo ministro continua a defender a avaliação em geral, que entende ser essencial para os professores acompanharem o progresso dos alunos e para os próprios alunos perceberem em que matérias precisam de melhorar, mas também a avaliação externa, em particular, que disse introduzir uma maior equidade no sistema.
“A pessoa verificar-se a si própria é um incentivo a melhorar e eu acho que a avaliação deve ser vista nesse sentido. Acho que a avaliação é um incentivo a todos nós melhorarmos”, sublinhou, recusando que o contexto atual sirva de pretexto para repensar e desvalorizar este elemento.
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