Tal como há cinco anos, Marine Le Pen conseguiu passar à segunda volta das eleições presidenciais em França, ao recolher 23,2% dos votos no escrutínio do passado dia 10, e voltará a defrontar novamente o Presidente cessante, Emmanuel Macron (27,8%), que em 2017 se impôs de forma clara, ao vencer com 66,1% dos votos, contra 33,9% da candidata da então Frente Nacional (agora União Nacional).
Contudo, as sondagens antecipam desta feita uma eleição bem mais disputada no próximo dia 24.
Em declarações à Lusa, Sophie Pornschlegel, analista política do centro de estudos European Policy Centre (EPC), adverte que há “reais possibilidades” de Le Pen vencer, apesar de ser um cenário em que muitos não acreditam, tal como poucos acreditavam que o ‘Brexit’ vencesse no referendo britânico de 2016.
E ainda que a candidata de extrema-direita diga agora que o ‘Frexit’ — uma saída da França do bloco comunitário – não está nos seus planos, a UE seria “minada desde dentro”, alerta.
“Sinto que é um pouco como o período antes do ‘Brexit’, quando todos pensavam que ia correr tudo bem. Esta é uma corrida muito disputada, muito mais do que em 2017, diria. As sondagens dão uma vitória a Macron, mas com uma margem curta. Vai depender muito da campanha e da taxa de abstenção e em particular do que decidirem aqueles 22% que votaram em Jean-Luc Mélanchon”, o candidato da esquerda radical, observa, notando que parte deste eleitorado até pode votar Le Pen na segunda volta.
Considerando assim que Le Pen “tem reais hipóteses de vencer” e alertando que, se não o conseguir agora, terá nova oportunidade dentro de cinco anos — sendo que em 2027 Macron não poderá candidatar-se a um terceiro mandato e os 30% que votaram em candidatos da extrema-direita na primeira volta (juntando os 7,1% de votos em Eric Zemmour) “não vão desaparecer tão cedo” -, a analista política do EPC considera que, “para a União Europeia, um triunfo de Le Pen seria pior do que o ‘Brexit'”.
“Ela abandonou o discurso de saída [da França da UE], mas, no fundo, não mudou a sua política europeia. Pode não falar do ‘Frexit’, mas quer minar a UE por dentro e deixar de aplicar a legislação da UE. No melhor cenário, haveria cinco anos de estagnação no plano europeu e no pior uma crise existencial da União”, com todos os dossiês bloqueados, alerta.
Também Marc Pierini, académico visitante no Carnegie Europe, centro de reflexão focado na análise da política externa e de segurança europeia, antecipa que “o impacto nas políticas e mecanismos institucionais da União Europeia” no caso de Marine Le Pen chegar ao Eliseu “seria rápido e profundamente negativo”.
Para este analista, “uma presidência Le Pen reafirmaria de facto o primado do direito nacional sobre o direito comunitário, tal como na Hungria e na Polónia, se necessário através de um referendo”, além de que, com Marine Le Pen a Presidente, a França “restabeleceria rapidamente os controlos dentro do espaço Schengen” de livre circulação e “iria também reverter o programa militar industrial franco-alemão”.
“Mais genericamente, entraria em ‘marcha atrás’ no maior número possível de políticas da UE, em nome do «interesse nacional». Ao fazê-lo, uma presidência Le Pen tornaria, naturalmente, a disciplina sobre o Estado de direito em toda a UE, por exemplo na Hungria e na Polónia, impossível de monitorizar”, diz.
Ambos os analistas sublinham também a proximidade de Marine Le Pen a Vladimir Putin, que teria consequências de fundo sobretudo no atual contexto da agressão militar da Rússia à Ucrânia.
“Há que ter consciência de que, com ela, nenhum dos pacotes de sanções da UE teria avançado e não haveria ajuda militar à Ucrânia. Não teria havido a resposta unida da UE que se verificou quando começou a guerra, no final de fevereiro”, destaca Sophie Pornschlegel, enfatizando que “Marine Le Pen é claramente pró-Putin”.
Apontando que Le Pen “também não é a maior fã da NATO”, esta analista duvida que a candidata da extrema-direita advogasse a saída da Aliança Atlântica, “porque é importante para a segurança da França fazer parte da NATO, mas com ela teria seguramente de haver ‘controlo de danos’ por parte dos outros líderes”.
Marc Pierini também observa que “o impacto na NATO seria sentido através de uma redução do envolvimento da França”, começando desde logo pela saída do comando militar integrado da Aliança, tal como fez o general Charles de Gaulle, em 1966, e também uma “redução do atual destacamento de forças francesas na Roménia e Estónia e do seu envolvimento no policiamento aéreo”.
“Significaria também que a França se inclinaria para medidas de apaziguamento com a Rússia e tentaria engendrar um novo tipo de acordo entre a Rússia e a NATO. Globalmente, uma vitória de Le Pen significaria uma grande vitória estratégica de Vladimir Putin sobre a União Europeia e a NATO e França seria o primeiro grande Estado da UE (e uma potência nuclear) com um presidente pró-Rússia”, sublinha o analista.
Observando que, no caso de Le Pen ser eleita, a proximidade a Putin poderia colocar-lhe problemas nas relações com um aliado natural na UE, o governo ultraconservador do PiS (partido Lei e Justiça) na Polónia, um dos Estados-membros mais pró-Ucrânia, Sophie Pornschlegel recorda, todavia, que a candidata da União Nacional “é uma das melhores amigas de Viktor Orbán”, o primeiro-ministro húngaro que acaba de ser reconduzido com uma maioria absoluta, e que, a par de Putin, seria outro líder que ficaria particularmente feliz se a extrema-direita conquistasse o Palácio do Eliseu.
Comentários