Foi a primeira vez em 16 anos que um partido novo entrou para a Assembleia da República, o último tinha sido o Bloco de Esquerda, em 1999. André Silva, deputado pelo PAN - Pessoas, Animais, Natureza, foi eleito em 2015 e trouxe para a agenda temas que os portugueses não estavam habituados a discutir, uns mais polémicos do que outros.

Agora, André Silva quer mudar a Constituição - entre outras coisas para reformar o sistema eleitoral ou criar tribunais especializados. Mas há mais, para quem pensa que o PAN só tem propostas no domínio dos animais e da ecologia - e tem, como acabar com as touradas ou converter a agricultura convencional em biológica: na próxima legislatura, o líder do PAN gostaria de ficar na Comissão de Saúde. E tem propostas nesta área, como criar um regime de exclusividade para os médicos do Serviço Nacional de Saúde, aumentando-lhes o salário. Ou garantir consultas de nutrição a todas as crianças que sofrem de obesidade.

André Silva ainda não foi a Barrancos em campanha, mas já trabalhou no concelho, numa vida antes do PAN, a recuperar o Castelo de Nouda. É vegetariano estrito - vegano -, decisão que tomou por não querer participar na forma industrial como se produzem animais e leite, "com enorme sofrimento", por um lado, "e uma pegada ambiental" brutal, por outro.

O PAN está a fazer uma campanha de baixo carbono, mantendo a rede de outdoors (14 em todo o país), sem brindes e com flyers em papel reciclado e com tintas ecológicas. Além disso, as refeições de todo o staff estão isentas de produtos de origem animal.

Ao SAPO 24, diz que nunca aceitaria uma coligação com o PS de António Costa, mas pode fazer um acordo para apoiar o governo.

Começamos por estes quatro anos de Assembleia da República. O que aprendeu e o que desaprendeu?

Começo pelo que desaprendi, ou por outra, pelo que perdi. Perdi alguma vida social, perdi algum descanso, sobretudo no primeiro ano, entretanto já me fui regrando e equilibrando, mas tenho menos tempo para a minha vida pessoal. Relativamente ao que aprendi, aprendi que todo o processo legislativo e parlamentar é extremamente burocrático. Depois de se aprender, entra-se no mecanismo, mas quer eu, quer as pessoas que me acompanham tomámos contacto com o processo legislativo pela primeira vez, com trabalho parlamentar, com trabalho em comissões, e foi um desafio enorme fazer esta aprendizagem.

Em que comissões gostaria de ficar na próxima legislatura?

Bom, gostaria de ficar em duas comissões - e digo só duas para poder fazer trabalho de qualidade, de aprofundamento. Gostaria de continuar na Comissão de Ambiente [Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação] e, talvez, na Comissão de Saúde ou na Comissão de Educação [e Ciência]. E digo isto esperando que mais pessoas, mais deputados do PAN, possam acompanhar-me  - espero que os portugueses possam continuar a confiar em nós e reforcem a nossa representação para podermos aprofundar mais temas.

créditos: Pedro Marques | MadreMedia

Quantos deputados espera eleger nestas eleições?

Essa é uma questão à qual não sei mesmo responder. Temos um objetivo, que é aumentar a representação parlamentar, aumentar a nossa força para poder influenciar o próximo governo, seja qual for a solução governativa a sair das eleições. Mas é fundamental que exista uma força como o PAN, capaz de continuar a trazer para o debate temas que até agora não eram discutidos.

Que temas são esses?

Temas ambientais: o combate às alterações climáticas, uma nova perspectiva sobre o setor energético, a transição no setor energético, matérias de mobilidade mais suave, privilegiar os transportes coletivos, a forma como produzimos alimentos - um debate que já conseguimos introduzir, mas onde ainda não conseguimos nenhuma mudança efetiva. Continuamos a ter uma produção de alimentos bastante intensiva e muito baseada em agrotóxicos.

Estamos, enquanto contribuintes e enquanto país, a pagar para poluir

E muito mais cara, também.

Os alimentos produzidos em modo convencional são mais baratos do que os produzidos em modo biológico porque têm uma série de apoios públicos incomensuráveis que a agricultura biológica não tem. Aquilo que propomos no programa, não só por uma questão de impacto ambiental, mas também de saúde dos portugueses, é corrigir distorções de mercado que permitam que os alimentos em produção biológica cheguem ao mercado ao preço dos da agricultura convencional. Repare, estamos, enquanto contribuintes e enquanto país, a pagar para poluir, a pagar para produzir de forma incorreta e com agrotóxicos na cadeia alimentar. Sabendo que os desafios da agricultura biológica são diferentes dos da agricultura convencional, mas também sabendo que é um dos caminhos para uma transição para uma economia mais sustentável e para uma melhor adaptação às alterações climáticas, penso que o Estado tem de investir noutras formas de produção. Da mesma forma que o Estado está a investir, e muito, em questões de mobilidade: ferrovia, transportes públicos...

Está a investir ou a pensar em investir?

Bom, está a começar a investir.

Anda de transportes públicos?

Ando, tenho passe.

Que tipo de passe?

Utilizo essencialmente metro, sobretudo na área da Grande Lisboa. Moro nos Olivais e desloco-me para aqui [Av. Almirante Reis, sede do PAN] ou para o Rato, sei os constrangimentos que existem no metropolitano. Mas o que eu estava a dizer é que há um debate já interiorizado de que temos mesmo de investir, enquanto Estado e enquanto sociedade, na mobilidade e na energia, uma narrativa que ainda não chegou à forma de produzir alimentos. É um debate que ainda não conseguimos que a sociedade faça. Temos contribuído para que algumas matérias entrem no debate social, além de político, mas não é ainda uma preocupação dos principais partidos políticos, que de uma forma redutora dizem esta é uma forma de produzir alimentos e não vamos sair daqui.

António Costa é um pragmático, e sabe que não tendo maioria absoluta precisará de alguns apoios

António Costa  diz que o programa do PS é muito convergente com o do PAN, até aprovaram 45 iniciativas legislativas do PAN. Esta é uma forma de "esvaziar" o PAN ou um piscar o olho ao partido?

Penso que António Costa está a ser coerente com aquela que tem sido a sua postura ao longo dos últimos quatro anos, que é tentar soluções e convergências. António Costa é um pragmático, sabe que não tendo maioria absoluta precisará de apoios. E tem tido uma postura que, no fundo, se adequa ao que são os resultados das sondagens, no sentido de poder precisar de algum partido, seja ele qual for, inclusivamente o PSD, para governar. Eu discordo de que o debate de ontem [frente a frente com António Costa, SIC] tenha sido só sobre convergência e discordo dos comentadores que dizem que foi uma agradável conversa. Penso que ficaram patentes muitas divergências.

Aceitaria fazer uma coligação com o PS?

Não consigo dizer que sim, nem que não. A decisão seria em função dos resultados e da força que tivermos para influenciar o poder, é isso que irá ditar a resposta. Uma coligação não, nunca aceitaríamos, mas um apoio ao governo, sim, é possível.

Diga-me uma divergência que tem com o PS.

Políticas de longo prazo, nomeadamente no que diz respeito ao combate e à adaptação às alterações climáticas. Ou a forma como olhamos a agricultura. O Partido Socialista tem uma perspectiva desenvolvimentista e expansionista da agricultura, e aposta verbas públicas em políticas de agricultura intensiva e de crescimento ilimitado. Como eu disse antes, não tem uma única palavra sobre agricultura biológica. O PAN, por seu lado, defende uma agricultura regenerativa, uma agricultura que seja simultaneamente menos impactante para o meio ambiente, que coloque menos químicos na cadeia alimentar e, acima de tudo, que ajude a equilibrar a balança comercial, na medida em que há um mercado fortíssimo de procura de produtos biológicos na Europa a que Portugal está completamente alheado. Outra diferença: o Partido Socialista quer atingir a neutralidade carbónica no prazo de dez anos, que são 120 meses, mas não descarta e não acompanha o PAN no fim da exploração de hidrocarbonetos no país. Outra divergência: o Tribunal de Justiça da União Europeia acusou Portugal de, ao fim de seis anos e uma série de notificações, não ter designado 61 Zonas Especiais de Conservação, que impõe regras a determinada atividades para efeitos de conservação de espécies, de habitats, etc.

Por que motivo não indicou essas zonas?

Se formos ver quais são as 61 Zonas Especiais de Conservação, elas são muito coincidentes com os locais onde temos olival intensivo, as estufas na Costa Vicentina, a zona de influência do aeroporto do Montijo e as zonas de dragagens do Sado.

Os investimentos estão a ser feitos em áreas que o governo sabe que devem ser Zonas Especiais de Conservação

Isso é um jackpot de proibidos?

Estamos a falar de uma diretiva que já devida estar implementada há anos e muitos destes projetos vão avançar agora ou avançaram nos últimos dois a três anos. Os investimentos estão a ser feitos em áreas que o governo sabe que devem ser Zonas Especiais de Conservação. Uma das coisas que o PAN faria de imediato no primeiro dia de governação seria cumprir com esta diretiva e designar as Zonas Especiais de Conservação. Aquilo que parece é que o governo está ao longo destes anos e anos e anos, contrariando a Comissão Europeia e os avisos do tribunal, a não fazer estas designações porque elas restringiriam as atividades económicas que o governo não quer regulamentar ou não quer, de alguma forma, diminuir.

Perguntas à queima-roupa

O que fazem ou faziam os seus pais?

Os meus pais já são reformados, eram empregados bancários.

Quem são os seus amigos?

Os meus amigos são variados: amigos de infância, da universidade e mais recentes.

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

O pior primeiro-ministro? É justo dizê-lo, houve várias falhas em alguns primeiro-ministros não consigo destacar o pior.

Qual o seu maior medo?

Perda de autonomia.

Qual o seu maior defeito?

Errr, obstinação, talvez, e não lidar bem com a incompetência.

Quem é a pessoa que mais admira?

A pessoa que mais admiro? A minha avó, que já faleceu.

Qual a sua maior qualidade?

Franqueza.

Qual a maior extravagância que já fez?

Talvez uma viagem longa.

Qual a pior profissão do mundo?

A pior profissão do mundo? [Pensa]

Se fosse um animal que animal seria?

Um urso pardo.

Quem não merece uma segunda oportunidade?

Acho que toda a gente, de uma forma geral, merece uma segunda oportunidade.

Quem foi o melhor presidente da República de sempre?

Marcelo Rebelo de Sousa.

Se fosse uma personagem de ficção, que personagem seria?

Ficção? Robin dos Bosques.

Que traço de perfil obrigatório tem de ter alguém para trabalhar consigo?

Conseguir criticar-me.

Qual o seu filme de eleição?

"Papillon".

O que o faz perder a cabeça?

O que me faz perder a cabeça? Uma injustiça grave.

O que o deixa feliz?

Estar no meio da natureza.

Um adjetivo para Marcelo Rebelo de Sousa?

Construtivo.

Como é que gostaria de ser lembrado?

Eu? Alguém que contribuiu para fazer avançar algumas causas.

Com quem nunca faria uma aliança?

PNR [Partido Nacional Renovador]

Descreva a última vez que se irritou.

[Ri] A última vez que me irritei, quando é que foi a última vez que me irritei? Olhe, foi, foi... Já não sei... Acho que foi ontem quando estava a ouvir um comentador fazer uma crítica ao PAN completamente ao lado. Ou seja, a falar do PAN, de algo de que tinha completo desconhecimento e que estava a deturpar essa informação.

Tem uma comida de conforto ou de consolo? Qual?

De consolo? Gosto muito de fazer cogumelos à Bulhão Pato. Ficam melhores do que as amêijoas.

Se fosse primeiro-ministro, qual a sua prioridade - o que mudaria imediatamente quando chegasse ao governo?

[Pensa] Fazia aprovar a Lei do Clima.

A que político compraria um carro em segunda mão?

A nenhum. Ou seja, a mensagem a passar para os políticos é que andem de transportes públicos.

Uma das críticas recorrentes à UE é o facto de ela ser restritiva. Outros países têm as mesmas regras, mas não parecem ter as mesmas dificuldades que Portugal. Porquê?

Quando temos a comunidade científica a dizer que estamos a dez anos do ponto de não retorno - ponto que, a ser ultrapassado, provocará fenómenos meteorológicos extremos, cuja intensidade não conseguimos prever - quando sabemos que a taxa de perda de biodiversidade é enorme e já perdemos boa parte das espécies animais e vegetais, percebemos que temos de fazer alterações profundas na nossa economia: na forma como produzimos energia, como movimentamos pessoas e bens, como produzimos alimentos ou como tratamos os setores do turismo ou residencial. De uma vez por todas temos de repensar o modelo económico de crescimento ilimitado, que nos está a conduzir a um ponto de rotura. A sustentabilidade, aqui é fundamental. Os ecossistemas saudáveis são a base, e se não os preservarmos e protegermos vamos deixar de ter economia. Isto para dizer que até percebo que possa ter de existir alguma agricultura intensiva, mas daí a transformarmos o Alentejo e a Costa Vicentina numa área total de agricultura intensiva olhando apenas e só aos objetivos e interesses de curto prazo vai um bocado. São os nossos recursos que estão a ser postos em causa, porque estas práticas estão a esgotar os solos. Dito isto, é verdade outros países, desde logo Espanha, têm conseguido encontrar regimes de exceção, e Portugal não o tem feito.

E a burocracia, a duplicação de funções e de organismos, não é também impeditiva de uma economia saudável?

Devemos caminhar para a fusão de alguns organismos ou, pelo menos, aproximá-los, fazer que trabalhem debaixo da mesma tutela, também para fazerem um trabalho mais eficaz e mais eficiente.

É possível conciliar crescimento económico e imposições comunitárias, nesta matéria?

Não podemos ter no nosso país, em nome do desenvolvimento económico, fábricas de pasta de papel que acabem com o rio Tejo ou fábricas de bagaço de azeitona, como tivemos ao longo dos últimos anos. Há um discurso absolutamente permissivo que, baseado no desenvolvimento económico, nos postos de trabalho e no lucro imediato desconsidera completamente as questões ambientais. O que o PAN diz é que é possível ter empresas competitivas com regras laborais adequadas e respeitando as questões e as regras ambientais. Também temos propostas nesta matéria.

Quais?

Temos uma proposta que visa a criação de um seguro público, baseado num seguro ambiental, que prevê uma contribuição das empresas para um fundo em função do seu risco de poluição e do seu volume de negócios, para no caso de terem de encerrar por reiterado incumprimento em termos de danos ambientais, haver uma compensação e uma proteção dos trabalhadores.

Penso que o mais importante nesta legislatura foi a lufada de ar fresco que o PAN trouxe

Qual foi para si a iniciativa legislativa mais importante proposta pelo PAN e aprovada no Parlamento?

Não tenho uma medida que gostasse de destacar. Penso que o mais importante nesta legislatura foi a lufada de ar fresco que o PAN trouxe, a capacidade de comunicar que passámos a ter, na medida em que há mais de vinte anos que um novo partido não entrava na Assembleia da República sem ter um porta-voz, um rosto conhecido, uma máquina mediática por trás. Conseguimos furar um sistema político-partidário extremamente fechado com novas ideias e, mais importante, o que destaco nestes quatro anos é termos conseguido, com mais ou menos polémica, trazer novos temas para o debate político e social, novas preocupações. Mas há um conjunto de medidas que se prendem com a nossa atividade, nomeadamente conseguimos introduzir intérpretes de língua gestual portuguesa nas urgências dos hospitais, nutricionistas e psicólogos no Serviço Nacional de Saúde.

Médicos é que não...  Disse no início desta conversa que gostaria de ficar na Comissão de Saúde. Que propostas tem o PAN nesta matéria?

Acima de tudo o PAN coloca-se no lado da prevenção. O paradigma está virado para o tratamento, a reação, e o que queremos é reduzir a doença, afastar os doentes do Serviço Nacional de Saúde. E isso passa por prevenir doenças, nomeadamente crónicas, que aumentaram de forma muito significativa nos últimos anos e estão a pressionar SNS.

entendemos que os médicos do SNS devem ter um regime de exclusividade, com a devida compensação salarial

Essa prevenção implica medidas fiscais?

Sim, implica medidas fiscais para dissuadir o consumo excessivo de sal e açúcar, por exemplo. Sabemos que os resultados são positivos e que quando utilizamos a política fiscal e taxamos mais o açúcar ou o sal os consumos diminuem. Outra medida que temos visa garantir que todas as crianças obesas tenham acesso ao um nutricionista. A nossa política de saúde passa por aí, pela prevenção. Há uma medida mais macro e que tem a ver com falta de médicos: entendemos que os médicos do SNS devem ter um regime de exclusividade, com a devida compensação salarial. Sabemos que é um problema complexo e que tem de ser discutido com todos, incluindo os médicos, porque estamos a falar de salários que o país tem de poder comportar.

PAN - Pessoas, Animais, Natureza. Peço-lhe três medidas, uma para cada item, começando nas pessoas.

É difícil escolher uma no meio de tantas... Mas, por exemplo, permitir uma licença de dez dias integralmente paga para mulheres vítimas de violência doméstica ou de abuso sexual. É um tempo para procurarem soluções de alojamento seguro ou encontrar estratégias para lidar com aquilo por que estão a passar. Estamos a falar num momento em já este ano foram mortas 20 mulheres em situações de violência doméstica.

E para prevenir as mortes, para as evitar, o que propõe o PAN?

Há um percurso enorme a fazer nesta matéria. Estas pessoas continuam sem mecanismos de protecção efetivos e esta é mais uma medida que vai ao encontro de combater este problema. Para o evitar tem de haver mais consciencialização e educação desde pré-escolar. Outro ponto fundamental é dar formação aos órgãos de polícia criminal, à PSP e GNR, para ter a polícia sensibilizada para esta matéria. E criar nas esquadras salas de atendimento à vítima, deste ou de outros crimes, um ambiente protegido de olhares e medos. Por outro lado, propomos que os crimes de violência doméstica não possam ser convertidos em pena suspensa.

Abolição da tauromaquia. Vamos continuar a tentar e um diploma há-de passar

Animais?

Abolição da tauromaquia. Vamos continuar a tentar e um diploma há-de passar.

Já foi a Barrancos em campanha?

Não. Mas já trabalhei em Barrancos, antes de ser porta-voz do PAN. Formei-me em Engenharia Civil, e sou um engenheiro civil que não gosta propriamente de betão, por isso especializei-me em recuperação de património cultural e artístico. E um dos trabalhos, talvez aquele que me deu mais gozo fazer enquanto técnico e que mencionaria se tivesse de destacar o trabalho da minha vida, foi a reconstrução de uma das torres do Castelo de Noudar, que fica na fronteira com Espanha, no concelho de Barrancos. Uma paisagem lindíssima. O trabalho foi desmontar o resto da torre que existia em pedra de xisto e em terra comprimida e reconstruir tudo à mão. Isto num sítio onde não havia nem água canalizada nem eletricidade e tudo feito de acordo com os materiais e a tecnologia de construção de então. Foi um desafio enorme e as pessoas dormiam em Barrancos, onde eu ia uma vez por semana fazer a gestão do projeto. Ou seja, quando se fala em Barrancos vêm-me sempre duas coisas à memória: o touros de morte e a enorme simpatia e afabilidade dos barranquenhos.

Natureza - excluindo, obviamente, as medidas que já mencionou?

Excluir as considerações de cariz económico das avaliações de impacto ambiental. Ou seja, uma avaliação de impacto ambiental devia cingir-se àquilo que diz o título e avaliar apenas o impacto de qualquer projeto a nível ambiental. No entanto, o que acontece hoje é que há lá um capítulo que se refere às vantagens económicas do projeto, que redunda sempre nisto: "O projeto tem diversos impactos, que são de determinada monta, mas, atenção, porque tem uma importância enorme para o desenvolvimento da região, prevê a criação de não sei quantos empregos, etc." A conclusão é quase sempre a da aprovação do projeto condicionada a determinadas acções de mitigação. É por isso é que apenas 6% das avaliações de impacto ambiental são chumbadas.

Um dos debates que tem sido feito pela sociedade civil é o da reforma do sistema eleitoral. Qual a posição do PAN?

O sistema eleitoral está desenhado para ser fechado, hermético e dificultar ao máximo a entrada de novos partidos, só por causa dessa questão democrática já não somos favoráveis. Além disso, há imensos votos perdidos, ou seja, votos úteis que não contam para nada: em cinco milhões de votos nas últimas legislativas, cerca de 500 mil não serviram para eleger ninguém. Por exemplo, o PAN teve cerca de 75 mil votos em todo o território nacional e com cerca de 21 ou 22 mil votos elegeu um deputado por Lisboa, os outros mais de 50 mil não serviram para nada. E quanto mais pequeno e o círculo, mais isso acontece.

Se houvesse um círculo único, não teríamos votos desperdiçados e mais partidos poderiam estar representados na Assembleia da República

Que mudança propõe?

Defendemos algo a tender para um círculo único, como nas presidenciais ou nas europeias, onde todos os votos contam e, no fundo, a capacidade ou dignidade eleitoral de cada cidadão seria igual. Neste momento temos deputados a ser eleitos em círculos fora da Europa com 2 mil votos, ou deputados do PS e do PSD a serem eleitos em distritos como Faro ou Madeira com 10 ou 12 mil votos. Se houvesse um círculo único, não teríamos votos desperdiçados e mais partidos poderiam estar representados na Assembleia da República. Se transpuséssemos o resultado das eleições legislativas de 2015 para um círculo único, teríamos, além do PAN, que elegeria três ou quatro deputados, mais três ou quatro partidos novos na Assembleia da República.

Por que motivo ainda não se alterou o sistema?

Acontece que isso iria penalizar os partidos maiores, PS e PSD, que não quereriam e não vão querer adotar este sistema. Assim sendo, o que propomos - e é o que está no nosso programa - é reduzir o número de círculos a nove círculos eleitorais no continente, mantendo Açores e Madeira, Europa e fora da Europa. Isto permitiria a valorização dos votos, especialmente nos círculos pequenos. Portalegre elege dois deputados, portanto, há uma quantidade enorme de votos que não é contabilizada. Se conseguíssemos agregar regiões em círculos, conseguiríamos ter um maior aproveitamento de votos e um maior equilíbrio entre a percentagem de votos e o número de eleitos. Isso iria beneficiar os partidos médios.

créditos: Pedro Marques | MadreMedia

É capaz de se comprometer com os portugueses a levar essa matéria a discussão?

Mais ainda: comprometo-me com os portugueses - e o PAN é o único que tem isso no seu programa - a levar o tema da revisão Constitucional a discussão. Que, entre outras matérias, prevê o sistema eleitoral. A Constituição deve, do nosso ponto de vista, ser revisitada, renovada, passados todos estes anos. Do nosso ponto de vista há questões que têm de ser alteradas, como passar a haver direito de voto aos 16 anos, a reforma dos sistema eleitoral, a criação de tribunais especializados, entre outras matérias.

Concordamos com as contribuições de pessoas em nome individual, mas discordamos do valor da angariação de fundos, ou seja, através de eventos, festas ou jantares

Disse que os votos se perdem - percebi a intenção - mas nem tudo se perde para os partidos, que recebem uma subvenção estatal a partir dos 50 mil votos.

O PAN defende o financiamento público exclusivo ou quase exclusivo aos partidos, sob pena de estes ficarem capturados por interesses que não os dos cidadãos. Se o financiamento for público, são os cidadãos que estão a custear a democracia. Se for iminentemente privado, há a possibilidade de os partidos ficarem capturados e ao serviço de privados. Concordamos com as contribuições de pessoas em nome individual, tal como estão no regime actual, mas discordamos do valor da angariação de fundos, ou seja, através de eventos, festas ou jantares, através do pagamento de um ingresso. Isto para dizer que os eventos são muito dificilmente escrutinados pela Entidade das Contas, pelas entidades fiscalizadoras, e temos muitas reservas nesta matéria.

Concorda com o teto dos 50 mil votos?

Considero profundamente injusto que os partidos que se candidatam e não têm subvenções não tenham um apoio do Estado para desenvolver uma campanha mínima, por exemplo construir um site para colocarem a sua mensagem numa plataforma digital ou imprimir flyers. Isto poderia e deveria ser regulado. É como se fossemos começar um jogo, somos todos iguais à partida. O limite dos 50 mil votos devia descer por uma razão: é baseado num número médio necessário para eleger um deputado, mas se não houver abstenção. Sabemos que, em média, metade dos eleitores não vota, portanto, poder-se-ia baixar esse tecto para os 25 mil, por exemplo. E assim o partido que recebeu esses votos poderia organizar-se, desenvolver o seu trabalho político e, de forma mais robusta, candidatar-se às eleições seguintes.

Como vê a relação do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com o governo?

A relação tem sido extremamente positiva, construtiva, completamente diferente do seu antecessor que, a meu ver, contribuía para uma crispação política. O presidente da República não deve ser fator de desestabilização, não deve influenciar politicamente decisões que cabem à Assembleia da República. E Marcelo Rebelo e Sousa tem-no feito de forma muito positiva, quer com o presidente da Assembleia da República, quer com os líderes e os partidos que estão no Parlamento, quer com o governo, utilizando os mecanismos que tem ao seu dispor, nomeadamente o poder de veto, para fazer ajustes que entende necessários, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista jurídico.