Foi o primeiro a anunciar a sua candidatura à Presidência da República, um passo que só deu depois de esgotadas as tentativas para convencer um nome da primeira linha da justiça em Portugal. André Ventura quer, em primeiro lugar, "secar" o espaço que existia à direita do PSD e que "estava perdido para a abstenção ou para partidos sem representação" e até para as franjas de outros partidos políticos: "Consolidar" o Chega é a palavra-chave.

Antes de voltar a passar pelo escrutínio dos portugueses, André Ventura terá de enfrentar já hoje as escolhas do próprio partido - apenas uma lista candidata à liderança - que vai a votos para eleger o seu presidente e órgãos da direção. Mas não só: o Chega leva hoje a referendo a pena de morte em Portugal e será o primeiro partido a referendar este ou qualquer outro tema. Ventura é contra.

O Chega é, de acordo com as sondagens, a quarta força política em Portugal e o partido com assento parlamentar que mais cresceu desde as legislativas. Se as eleições fossem hoje, teria muito perto de 8% das intenções de voto (e já ultrapassa os 14 mil militantes). Ainda assim, não o suficiente para, numa coligação com o PSD, formar governo.

Numa conversa que teve início na Assembleia da República e que terminou ontem à noite, véspera das eleições no partido, André Ventura fala das suas aspirações pessoais e dos objetivos do Chega para reformar Portugal em três áreas fundamentais e onde não cederá: "a moralização do Estado, a justiça e a fiscalidade".

Mas a entrevista começa por uma curiosidade sua: "Vai ver que ainda vamos ter muitos problemas nos próximos meses, ou até anos, por causa disto do apoio à imprensa [15 milhões de euros]. Porque vai ficar sempre no ar a suspeita de que há órgãos que receberam mais e que estão a fazer o jeito ao governo. E isto não é bom, é mau. Fica a desconfiança".

É esse o caso da sua saída da TVI e do Correio da Manhã? Mandaram-no embora como contrapartida de terem recebido dinheiro do Estado?

É. Mas vejo que muito dificilmente tenha uma coisa a ver com a outra.

Tem a certeza?

Lá está, não tenho. É por isso.

Teve pena de ter sido despedido?

Sim, fiquei com pena. Sempre gostei de ser comentador.

Tomou posse há mais de ano e meio ano. Como olha para estes primeiros meses como deputado à Assembleia da República?

Gosto muito do que faço, estamos com muito entusiasmo, mas é muito desgastante. Desgastante porque sou deputado único, com múltiplas responsabilidades: deputado, líder do partido, o que me tira 50% do tempo, e candidato à Presidência da República. Portanto, a minha disponibilidade é cada vez menor. Tentar gerir tudo, garantir que a presença em plenário acontece sempre, que nas votações acontece na maioria dos casos - salvo erro falhei uma ou duas vezes - e ainda que consigo estar em algumas comissões, não é fácil.

E ainda consegue estar com um grande bronze [a primeira parte da conversa decorreu no final de Maio].

[Ri] E ainda consigo estar com um grande bronze. Mas é difícil gerir tudo, porque o partido tira-me muito tempo. Os meus dias são passados a andar de um lado para o outro, ora na distrital do Porto, ora nos Açores, depois é a distrital do Algarve e a de Setúbal, ao mesmo tempo tento estar no Parlamento para os debates principais com o primeiro-ministro... É muito desgastante, sinto isso. Sinto muita falta de ter um grupo parlamentar, vários deputados que pudessem ocupar-se mais das questões burocráticas do Parlamento para eu poder fazer mais política, que é aquilo de que gosto. Mas tem de ser.

O início da legislatura foi conturbado, muita controvérsia no Parlamento e também instabilidade dentro do partido.

Houve vários momentos: um primeiro momento de grande impacto, em que vários partidos e deputados pensaram que se mantivessem o fogo cerrado conseguiriam neutralizar o Chega - não conseguiram - e que aconteceu logo no início, quer por parte do Livre, quando a deputada Joacine [Katar Moreira] ainda representava o partido, quer por parte do Bloco de Esquerda, do Partido Socialista e até do CDS. Depois perceberam que isso não ia acontecer e passámos para outra fase, outro tipo de ataque. Ao mesmo tempo houve a questão interna do Chega com que tive de lidar, e que coincidiu mais ou menos com o início da pandemia. Foram momentos bastante difíceis para mim, pessoalmente, mas agora as coisas estão mais serenas. Enfim, o processo do Chega está a decorrer, vamos ter eleições a 5 de Setembro e depois a II Convenção Nacional nos dias 19 e 20, em Évora.

"Há muita conflitualidade interna no Chega e isso tem de terminar, não podemos querer mostrar às pessoas que temos a solução para ser um governo diferente, forte e seguro quando internamente não temos essa força e essa segurança"

Gostava de perceber o que se passa dentro do Chega e o porquê da instabilidade interna. São as chamadas dores de crescimento?

Passam-se várias coisas. Primeiro, o Chega cresceu muito rápido. E quando digo muito rápido, não é só a chegada ao Parlamento, que, naturalmente, representa sempre um crescimento significativo. Se comparamos partidos como a Iniciativa Liberal - e isto não é melhor nem pior, é apenas diferente -, que chegaram a Parlamento e desde então têm tido um crescimento sustentado, ritmado, o Chega tem dias em que entram 300 ou 500 militantes. Este crescimento acelerado tem uma coisa boa, aumenta a receita do partido e a base de implantação local, mas gerou uma outra negativa: as estruturas locais do partido já dificilmente representam a sua base de militância, porque em alguns distritos foram eleitas por 200 militantes e agora têm mil ou dois mil militantes. Esta fricção entre os que chegam e os que estavam, os originários, é potenciadora de conflitos, e são esses conflitos que tenho estado a tentar gerir.

Mas a base ideológica do Chega mantém-se ou está a transformar-se num partido à la carte?

O Chega tem uma linha ideológica muito distinta de todos os outros partidos. No Alentejo estamos a receber todos os dias transferências de pessoas que há uns meses tinham o cartão do Partido Comunista, até de dirigentes do PC, enquanto no norte recebemos pessoas mais ligadas ao mundo católico. Mas porque é um partido com vários tipos de confluências ideológicas, embora muito firme nos valores e nas grandes reformas que quer fazer, é difícil juntar tudo e conseguir fazer disto uma linha única. A lógica é ser anti-sistema, mas isso não chega para tudo, porque dentro do que é ser contra o sistema há várias linhas de oposição. É essa tensão que se vive no Chega e é isso que espero que a Convenção Nacional venha ajudar a resolver. Não definitivamente, porque vamos ter sempre este pluralismo, mas que isso ajude a serenar os ânimos. Há muita conflitualidade interna no Chega e isso tem de terminar, não podemos querer mostrar às pessoas que temos a solução para ser um governo diferente, forte e seguro quando internamente não temos essa força e essa segurança.

Admito que haja pessoas da extrema-direita a entrar no Chega, mas eu não escolho as pessoas

O Chega aderiu ao grupo europeu Identidade e Democracia (ID), que integra partidos de extrema-direita, alguns bastante radicais. Não teme seguir esse caminho?

Não escolho as pessoas que entram para o Chega... Se entrar no site e se quiser fazer parte do partido, identifica o seu distrito, o seu concelho, recebe uma referência Multibanco, paga a conta, recebe o cartão de militante em casa. Admito que haja pessoas da extrema-direita a entrar no Chega, mas não eu escolho essas pessoas. Sempre achei elitista o facto de se entrar num partido por proposta. Quando entrei no PSD, entrei por proposta. Havia aquela coisa: "Foste proposto por quem?" "Ah, pelo presidente da distrital" "Eu fui proposto por um membro da direção". Quer dizer, o Chega é um partido que quer que as pessoas sejam tratadas como iguais, é um partido de pessoas comuns. Um partido assim ter proponentes como regra obrigatória pode soar a contrassenso. Além de que isso não impediria a entrada de radicais, bastava ter cá dentro pessoas com determinadas simpatias. Sempre achei mais democrático permitir que a militância entrasse e, depois, se houver questões de foro disciplinar, agir. As únicas exceções que estamos a criar - e mesmo assim tenho dúvidas quanto à sua legalidade - são para pessoas que pertenceram a movimentos que considero violentos ou, sem ofensa, de bandidagem, que não têm nada a ver com política. Não queremos permitir que essas pessoas estejam dentro do Chega. Agora, sem provas, como é que vamos impedir isso? Não há membros das FP25 no Bloco de Esquerda e no Partido Comunista? Foram terroristas. Mas não podemos dizer que nesses partidos é tudo terrorista.

"Defendo que políticos condenados por crimes contra o Estado não devem poder voltar a candidatar-se a funções públicas. Nunca mais"

 

E no Parlamento, também se faz "terrorismo"?

[Ri] Não. Também tenho amigos no Partido Socialista. O PS, tal como o PSD, tem quadros de grande valor, alguns foram meus colegas noutros fóruns. O que penso é que o Partido Socialista está de tal forma agarrado às estruturas de poder, a nível local, a nível camarário, a nível central, que não deixa de passar a ideia de compadrio, como se viu pelo chamado "familygate" [membros do governo com familiares em altos cargos, que levou à aprovação da chamada "Lei dos Primos"]. Todos os dias há mais casos de corrupção. Veja os casos de Álvaro Amaro [acusado de corrupção] ou de José Silvano [presenças falsas no parlamento], neste caso deputados do PSD. Depois dizem-me: "Ah, mas ainda não foram condenados e nós temos o princípio da presunção da inocência"... Compreendo, mas pessoas acusadas, como as que referi, manterem-se em funções como se nada se estivesse a passar, isso é estranho. Falo de acusações de corrupção ligadas à gestão pública, prevaricação ou de tráfico de influências. Imagine o caso de Álvaro Amaro: até haver julgamento, recurso, decisão final, quantos anos vão passar? Ele já não será deputado. Por isso é que para estes deputados, estes dirigentes, que não dão a cara, nunca falam, serem acusados é-lhes completamente indiferente, estão a ganhar o seu, têm a sua vida. Para nós é que é difícil, para quem vota e para o líder, que tem de dar a cara. Custa-me que haja uma série de poderes ocultos nas câmaras municipais, nas juntas de freguesia, nos deputados que ninguém conhece, nos assessores, e que estas pessoas possam viver nesta margem. Defendo que políticos condenados por crimes contra o Estado não devem poder voltar a candidatar-se a funções públicas. Nunca mais.

Isso leva-me à acusação que lhe é feita...

Qual, da acumulação de funções? [ri] São tantas...

Continua com muitos processos em tribunal?

Continuo, continuo. Tenho muitos; num era arguido, tinha a ver com declarações sobre a RTP. Noutros vou ser, porque sei que há mais de 50 queixas da Comissão Contra a Discriminação Racial, que me tem feito uma verdadeira perseguição, a par de organismos nacionais, como o SOS Racismo, ou internacionais, como a Rede Europeia contra o Racismo. De resto, apenas sei que correm processos vários pelas minhas declarações sobre a deputada Joacine... Espero que o Ministério Público acabe com isso rapidamente. Se tiver de andar em julgamentos nos próximos anos, vou andar, mas a sensibilidade que tenho é que os magistrados têm uma certa ponderação nestas questões, e estar a levar tudo o que é discurso político para a barra dos tribunais parece-me exagerado. Mas estou tranquilo, quando os processos chegarem ao Parlamento, como devem chegar, irei esclarecer tudo o que tiver de ser, por escrito ou pessoalmente. Agora, que isto desgasta, desgasta.

Tem imunidade, vai usá-la?

Num dos processo que está na Procuradoria-Geral da República fui notificado ainda não era deputado. Mas mesmo que tenha imunidade parlamentar vou pedir para a levantar, fica aqui a minha garantia. Podia dizer que foi no exercício das funções públicas, mas não acredito nisso, seria tudo contra aquilo em que eu acredito. Em geral discordo das imunidades, são privilégios que só se justificam em casos específicos.

A minha pergunta inicial era sobre conflito de interesses, a acumulação da função de deputado com a de consultor da empresa Finpartner.

Numa entrevista que dei a uma estação de televisão, perguntaram-me se eu queria exercer o meu mandato em exclusividade e eu disse que sim. Talvez não me tenha explicado bem, mas dois ou três dias depois expliquei a um jornal que queria continuar como comentador na televisão e iria deixar tudo o resto. Eu era professor universitário, deixei as aulas, estávamos em outubro, acabava o semestre. No caso da consultoria jurídica, tinha mudado de empresa uns dias antes de ser eleito deputado, no início de outubro, e comprometi-me com a empresa a terminar os projetos que tinha em curso e que acabavam em junho e depois deixar a empresa. Já não trabalho na Finpartner. Quanto ao comentário, queria continuar, mas a realidade ultrapassou-me. Dei todas as informações ao Parlamento desde o início.

"Disse a Ferro Rodrigues que queria que ele soubesse que da minha parte não há nenhuma questão pessoal com ele, trata-se apenas de política. Reagiu de forma cordial, mas não me convence. Penso que a questão dele comigo é muito pessoal"

 

Acredita que o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, tem uma embirração pessoal consigo?

Tem. Posso dizer-lhe que um dia - não gosto muito de falar de coisas privadas, mas esta não é assim tão privada - num evento com os líderes dos partidos, disse a Ferro Rodrigues que queria que ele soubesse que da minha parte não há nenhuma questão pessoal com ele, trata-se apenas de política. Reagiu de forma cordial, mas não me convence. Penso que a questão dele comigo é muito pessoal, tenho as minhas suspeitas, mas não quero voltar a isso para não ser indelicado. Agora, que isso trespassa para toda a gente, trespassa. Para dar um exemplo: há um dia em que o Bloco de Esquerda me acusa, já não me lembro de quê, e peço a defesa da honra, que é comum e sempre tratada de forma normal. Comigo foi uma coisa dos diabos: "Mas a sua defesa ou a defesa da bancada?" Quando eu sou só um. "Bem, se é a sua, ainda tem de esperar, porque há pessoas com tempo". Mas depois ninguém quis usar o tempo, até aí ele teve azar. E foi do género: "Diga lá, então...", com um ar enfadado. Isso passa para as pessoas e é mau, porque, apesar de tudo, goste eu mais ou menos dele, trato-o com respeito, é o presidente da Assembleia da República. E acho que é assim que se deve tratar todos, goste-se mais ou menos de um deputado. O António Filipe, do PCP, às vezes substitui Ferro Rodrigues; não há-de ter melhor imagem minha e não há-de concordar comigo em nada, mas trata todos por igual. Aprecio essas atitudes, acho que é assim que deve ser. No caso de Ferro Rodrigues, ainda pensei que a coisa que se resolvesse até ao fim da legislatura, mas já tenho muito pouca esperança, sinceramente.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

É candidato à Presidência da República, vai ter e suspender o seu mandato de deputado. Quando o fará?

Ainda não decidi, mas tenho absolutamente de ajudar o partido e cumprir as minhas funções de líder no âmbito das eleições nos Açores e, depois, das presidenciais. Mas hei-de voltar, se não ganhar, porque ganhar é muito difícil. Durante o tempo em que tiver o mandato suspenso, será deputado o número dois do Chega pela lista de Lisboa, que é também vice-presidente do partido, Diogo Pacheco de Amorim. Vai ser um tempo interessante, porque vou estar em campanha regional e presidencial e vamos ter um estilo completamente diferente na Assembleia da República, pela forma, pela idade, por tudo.

Na altura das legislativas disse que o Chega teria um candidato forte à Presidência da República e que as pessoas iriam ficar surpreendidas. Afinal é o atual presidente do partido, o deputado único, a candidatar-se. O que mudou?

Sempre disse que o Chega teria um candidato às presidenciais, na altura ainda não tínhamos decidido quem. Eu tinha preferência pelo juiz Carlos Alexandre e, depois dele, pela antiga procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Mas isso não foi possível e eu entendi que devia dar este passo - a outra opção seria ter um candidato de segunda linha ou não ter candidato algum, e eu não queria isso, porque esta foi uma das promessas feita na Convenção Nacional, ainda o partido não tinha chegado ao Parlamento. Acontece um pouco como quando Francisco Louçã, no Bloco de Esquerda, avançou com a sua candidatura: penso que há casos em que os líderes têm de assumir essa luta.

"Se Ana Gomes ficar à minha frente, para mim é uma grande derrota, mesmo que eu tenha 12%"

 

Disse que vai ser difícil ganhar. Porquê?

A minha candidatura é, provavelmente, a mais difícil de todas. Marcelo Rebelo de Sousa é um presidente com uma popularidade que há muitos anos um presidente não tinha, temos de ser realistas. Embora eu não acredite que ele vá ter tantos votos como pensa, ou como algumas sondagens indicam, mas os números valem o que valem. Penso que vai ser uma luta muito difícil, mas acredito que vamos marcar um espaço político e, ao mesmo tempo, evitámos que aparecessem outras candidaturas à direita, porque o espaço já está muito ocupado: temos Marcelo Rebelo de Sousa, provavelmente Ana Gomes, que vai avançar, Marisa Matias também deverá ser candidata...

O que lhe dá essa certeza de que Ana Gomes vai avançar?

Ana Gomes não tem grande margem para não avançar, seria visto como um ato de uma certa cobardia se não o fizesse, depois de ter dito que era uma hipótese primeiro, depois que queria manter a sua ligação à sociedade civil e, afinal, que iria ponderar. Depois de dizer isto vai parecer cobardia, e será cobardia, Ana Gomes não se candidatar só porque olha para os números e tem medo; medo de ficar atrás de mim ou de não ter uma votação expressiva. Eu também podia ter esse medo. Poder-me-á dizer: ah, mas para quem vem de 1,3%, ter 6% ou 7% ou 10% é uma grande vitória. É verdade, mas o meu objetivo é poder, pelo menos, tentar chegar a uma segunda volta. Se Ana Gomes ficar à minha frente, para mim é uma grande derrota, mesmo que eu tenha 12%. Também vou arriscar, faz parte do jogo democrático - Maria de Belém arriscou e teve um resultado vergonhoso, é a vida. Se somos corajosos, temos de assumir agora, e espero que Ana Gomes tenha essa coragem. E vai ser interessante, porque temos Marcelo Rebelo de Sousa como representante do sistema, no sentido institucional, Ana Gomes e eu, que, em polos políticos diferentes, temos assuntos comuns, como o combate à corrupção, os compadrios do Estado e, numa lógica diferente, a justiça. O Bloco de Esquerda é que vai perder muitos votos se Ana Gomes entrar na corrida e o candidato tradicional do Partido Comunista vai ter aquela votação ortodoxa de sempre. Mas penso que será uma luta interessante e vamos perceber que há uma direita para lá daquela que estávamos habituados a ver, tradicional, institucionalista, que é a que o Chega representa. Para mim, vai ser importante ver nas urnas o que representa verdadeiramente esta direita anti-sistema, esse é o meu grande objetivo e o meu grande desafio.

Prefere ter Marcelo Rebelo de Sousa ou Ana Gomes como presidente?

Não gostaria de ter nenhum dos dois, mas o mal menor - o mal menor não, os dois são um mal maior - o mal maior menor seria Marcelo Rebelo de Sousa. Pelo que diz, Ana Gomes quer ser candidata, não porque tem um projeto para o país, mas porque tem um ajuste de contas a fazer, com o Partido Socialista e com António Costa. E comigo. Mesmo os que a apoiam, os que apelam à intervenção de Ana Gomes, admitem isso. Ainda há pouco tempo a Catarina Martins dizia isso com alguma piada: "O Daniel Oliveira vem dizer para a Ana Gomes avançar, porque o André Ventura não pode ficar em segundo lugar", "vai capitalizar muito", etc. E mesmo a conversa dos comentadores é que Ana Gomes é importante porque seca um pouco o discurso de André Ventura. Ana Gomes aparece a dizer isso mesmo, que é importante combater a dita extrema-direita, ao mesmo tempo que António Costa não pode pensar que o partido é dele.

Mas não querer deixar que António Costa seja o dono disto tudo e não querer ver André Ventura e o seu partido em segundo lugar pode ser em si uma estratégia para o país, ou não?

O presidente tem de ter uma visão de país, tal como o governo deve conduzir a administração geral do Estado. Se o presidente não tiver uma visão, torna-se num mero árbitro simbólico. Ana Gomes não tem essa visão, entra nisto por ajustes de contas pessoais com o PS e com a obsessão de ficar à minha frente.

"Há dois eleitorados que tendencialmente votarão mais em mim do que em Marcelo Rebelo de Sousa: o do CDS e o do Partido Comunista Português"

 

Que análise faz do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa?

Marcelo entra com um grande apoio da direita, consegue o apoio do PSD e do CDS - na altura não havia outra direita, vamos ser francos. Depois, começou-se a perceber que Marcelo Rebelo de Sousa estava mais preocupado com a sua votação e com a sua reeleição do que em responder ao seu eleitorado base, daí esta ginástica em se aproximar do Partido Socialista. E eu vejo, quer nas atitudes, quer no discurso, e até na relação com António Costa, que há ali uma certa submissão que não acho que um presidente da República possa ter. Isto está a custar muito ao eleitorado da direita, esta proximidade de Marcelo Rebelo de Sousa com o governo do Partido Socialista, com as estruturas do PS, com a lógica de esquerda, mesmo em termos de justiça, de segurança, de política económica. Estes elogios permanentes ao governo não ficam bem a um presidente da República, porque ele é o árbitro, tem de estar numa posição tal que, se for preciso intervir, intervém. Que credibilidade lhe vai dar o governo para intervir quando andou a levá-lo ao colo nos últimos meses? Esta lógica está a quebrar um pouco a participação à direita, não é por acaso que o CDS anda tanto aos trambolhões sobre se vai ou não apoiar Marcelo, se admite apoiar-me a mim... Eles sabem, estou convencido disto, que se houvesse uma segunda volta, e mesmo se calhar numa primeira, há dois eleitorados que tendencialmente votarão mais em mim do que em Marcelo Rebelo de Sousa: o do CDS e o do Partido Comunista Português.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Acredita que todos os partidos terão o seu candidato?

Até nisso Rui Rio foi inábil, deixou que António Costa lhe passasse a perna na questão de Marcelo Rebelo de Sousa, que foi líder do Partido Social Democrata. E depois deixa-se embrulhar na questão da Autoeuropa, quando Marcelo vai à Autoeuropa com António Costa e o primeiro-ministro o lança na candidatura e quase dá a ideia de que Marcelo é o candidato do Partido Socialista. Se o professor Marcelo vencer, não me admira nada que na noite eleitoral António Costa venha dizer que o PS teve uma grande vitória. E que Rui Rio ache que não deve falar por uma questão de decoro.

Mas olhe que eu acho que lá no íntimo, quando [António Costa] se deita, prefere que seja o André Ventura presidente da República do que a Ana Gomes

Em que posição ficará António Costa se Ana Gomes se candidatar?

António Costa nunca apoiaria Ana Gomes. Numa entrevista à TSF disse o contrário, afirmou que só tem uma certeza, é que nunca me apoiaria a mim. Mas olhe que eu acho que lá no íntimo, quando se deita, ele prefere que seja o André Ventura presidente da República do que a Ana Gomes [ri]. É uma coisa que um dia lhe vou perguntar. Porque, como já disse, tenho uma diferença política fundamental com ele, acho que não está a fazer um bom trabalho, mas não tenho uma divergência pessoal ou um ajuste de contas a fazer, com ele e com uma parte do Partido Socialista, com quem Ana Gomes ainda não se conciliou.

Falou na submissão de Marcelo ao governo. Pode concretizar?

Podia ter dado vários sinais que não deu, teve vários momentos de grande desastre. O primeiro foi querer imiscuir-se na gestão do centro-direita, neutralizando-o, e acho que isso aconteceu quer com Passos Coelho, quer com Assunção Cristas. Tenho alguma informação sobre isso, mas não posso dizer tudo. A convicção que tenho é que Marcelo Rebelo de Sousa usou a sua influência para embrulhar Passos Coelho e Assunção Cristas em favor do governo de António Costa, sobretudo nos primeiros anos.

"António Costa transformou-se na primeira, na segunda, na terceira figura de Estado"

Mas isso não foi já noutra encarnação?

Não sei se vai neutralizar Rui Rio, a mim e ao Chega não vai de certeza. Segundo, nos momentos chave em que tinha de dar um sinal político, teve receio. Por exemplo, na questão do Bairro da Jamaica, quando não foi ver os polícias e foi visitar os agressores. Ou na questão da procuradora-geral da República. Independentemente de renovar ou não o mandato, havia uma coisa de que ninguém podia acusar Joana Marques Vidal, porque fez um trabalho que nenhum outro tinha feito. Tivemos pela primeira vez pessoas poderosas a sentar-se perante a justiça. Por isso, e independentemente da qualidade da procuradora atual, que tem feito trabalho significativo, até tecnicamente, um presidente da República devia renovar-lhe o mandato, ela merecia isso, quanto mais não fosse para dar um sinal político de que a justiça não tem medo do poder, haja o que houver. A política tem de ser escrutinada como são as restantes atividades. Marcelo não teve coragem de fazer isso - eu quero acreditar que foi falta de coragem, que não houve nada mais por trás disso. A partir dessa altura, Marcelo começa a ficar nas mãos de António Costa e isso revelou-se naquilo que se vê hoje: António Costa transformou-se na primeira, na segunda, na terceira figura do Estado. Há ali uma certa submissão que António Costa conseguiu impor a todo o Partido Socialista, a todas as figuras de Estado. Mas um presidente não devia precisar disso, é a única figura eleita diretamente, tem a legitimidade direta das pessoas. Marcelo até aí tinha mais força, mas deixou-se embrulhar. Se for reeleito, António Costa vai sentir que o tem um pouco na mão.

E tem, ou um segundo mandato será mais duro?

Pois, também aí se engana, foi assim com Cavaco e com Mário Soares, quando o PS não apoiou nenhum candidato em 1991. E também acho que Marcelo Rebelo de Sousa, já sem poder ir a eleições outra vez, vai usar no segundo mandato todo o veneno que sabe usar nestas relações políticas. Portanto, também aí António Costa deve pensar se me prefere a mim, a Marcelo Rebelo de Sousa ou a Ana Gomes como presidente. Isto que estou a fazer é quase um pedido de apoio a António Costa [ri].

Passando para outras eleições, o Chega vai a votos. Há pouco falou nos conflitos internos, receia os resultados?

Se os militantes do Chega entendessem que o meu trabalho não estava a ser bom, não seria pela candidatura à Presidência da República que me manteriam à frente do partido. Vamos ver os resultados deste sábado...

"Não é pôr medo a ninguém, mas se o Chega neste momento cair em mãos erradas, o perigo não é para mim, é para a democracia"

Que incluem um referendo sobre a pena de morte. Ao mesmo tempo, o Chega vai fundir-se com o Partido Pró-Vida, de João Pacheco Amorim, irmão de Diogo Pacheco Amorim.

Os militantes decidirão de forma democrática sobre a pena de morte. Eu votarei contra. E sim, o Chega vai integrar o PPV, há causas e objetivos comuns, faz sentido. Temos de ser diferentes, olho para os militantes que temos e eles querem uma coisa diferente. E nós corremos o risco, se não fizermos as reformas internas que temos de fazer, de nos tornarmos um partido igual aos outros, em que só se pensa em ser deputado, presidente de câmara, ter um grupo parlamentar... Eu quero mais deputados, mas quero gente com qualidade, não quero gente só porque angaria mais votos numa determinada zona. E não é pôr medo a ninguém, mas se o Chega neste momento cair em mãos erradas, o perigo não é para mim, é para a democracia. Porque um partido demasiado radicalizado na sua direção, com peso no Parlamento, com peso na sociedade civil, pode representar perigo. Queremos que o Chega continue a ser um partido anti-sistema, sem cair em extremismos ridículos.

É isso que está em causa nesta altura?

Há vários perigos: um deles é ganhar os vícios dos antigos partidos, o que de certa forma é normal, porque as pessoas estavam noutros partidos e agora identificam-se mais com o Chega. Como lhe disse, temos recebido transferências diretas. Quero que as pessoas percebam que este é um partido anti-sistema, que não pode cair nos vícios dos outros. Essa vai ser a minha luta permanente em termos de discurso, em temos de não ceder a interesses... Agora aparece muita gente a querer apoiar-me, mas sabemos como é que esses apoios às vezes vêm.

Como?

Vêm sob a forma de esperar para ver se mais tarde o partido está cá para eles. Eu não quero isso. Não quero repetir no Chega o que vi no PSD. E, atenção, gostei muito de estar no PSD, mas vi coisas que não gostei e que gostava de não ter visto. Espero que o Chega tenha a força para nunca ficar na mão destes interesses, como estão o PS e o PSD.

Isso não é inevitável, caso o Chega se torne um partido do poder?

Espero que não e vou lutar para que não seja. Ouvi o líder do CDS dizer que nunca haverá nenhuma coligação com o Chega caso se mantenha a questão da prisão perpétua ou se nós não resolvermos a questão com a comunidade cigana. Há uma coisa que garanto: nunca vou aceitar ser ministro de governo algum, ou secretário de Estado, se estas e outras questões não forem resolvidas. E nesse dia escusam de vir pôr pressão a dizer que o PS vai para o governo, a esquerda vai para o governo, porque os portugueses já estão fartos daqueles que se vendem e querem ter um lugar no governo para fazer a sua vida. Ou há um acordo escrito, uma garantia de que as reformas que queremos vão ser feitas, ou não nos coligaremos para fazer governo. Eu já disse isto ao Dr. Rui Rio, quer seja com o PSD, que seja com o CDS, mesmo que o governo caia para o ano. O PSD deve ter isto presente se precisar do Chega para governar, como as sondagens indicam que pode precisar. E o que espero é que o Chega tenha sempre esta capacidade. No dia em que fizermos o que fez o CDS, ir para o governo para ter a Agricultura e mais não sei o quê, ser muleta do PSD, acabamos.

Que reformas quer fazer e o que não está disposto a negociar?

As reformas na Justiça são conhecidas. Mas uma delas é a prisão perpétua. Como disse, não sou favorável à pena de morte por princípio, mas à semelhança do que acontece em quase todos os países da União Europeia, deveríamos ter prisão perpétua - não é uma prisão perpétua desumana, é uma prisão perpétua que possa ser revista de xis em xis anos. Se a pessoa estiver reabilitada, então que volte para a liberdade. A questão do aumento da penas é para nós fundamental, temos penas ridículas para muitos crimes, como para os casos de pedofilia. Defendo a castração química de pedófilos. Ou a moralização do sistema político, esta questão de o Centeno poder ir para o Banco de Portugal dá-me a volta à cabeça, ao estômago e a tudo, mas nem é o mais grave. O mais grave é termos na concessionária da Ponte Vasco da Gama ministros que negociaram a concessão da ponte. Isto gera a maior suspeita. Por isso o Chega fez uma proposta para que quem tenha tido lugares no governo não possa ir trabalhar para empresas com quem esteve a negociar. Queremos evitar, por exemplo, que ministros que negoceiam com determinadas empresas possam ir trabalhar para essas empresas. Depois há a questão fiscal: temos um sistema fiscal assente na ideia da progressividade, que não só está errada, como esta lógica de que quem se esforça um pouco mais e ganha mais tem de ser sobrecarregado de impostos não faz sentido. O Estado tem uma função social, e temos de a manter, mas para nós estas três áreas são fundamentais: moralização do sistema político, reforma da justiça, que para nós é o ponto capital, e reforma do sistema fiscal.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Estudou para padre, como compatibiliza a bondade e o perdão com a pena de morte ou a castração química?

Não defendo nem nunca defendi a pena de morte. Mas é por isso que muitos setores mais conservadores, mesmo católicos, não apoiam o Chega, porque consideram que nessas matérias somos demasiado radicais. Defendo a castração química, que muitos consideram demasiado agressiva, que coloca em causa a dignidade da pessoa humana, que pode ter consequências sobre o agressor, na tal lógica do humanismo das penas, que é um princípio e que a doutrina social da Igreja também tem desenvolvido. Não tenho nenhum ódio específico ou pessoal aos pedófilos, a questão é mesmo evitar a repetição do crime. Sou católico fervoroso, mas não tenho de limitar a minha actividade política por isso. A Igreja também não defende maioritariamente a prisão perpétua. E isto são assuntos que eu discuto, não só porque me confesso, mas porque discuto muitas vezes com membros da Igreja a sensibilidade destas questões. A questão de um plano específico para a comunidade cigana é outra das áreas onde a Igreja não esteve de acordo comigo, até porque há uma pastoral cigana e uma proximidade das comunidades a alguns setores católicos. O que me custa é ver casos como o da Joana ou da Valentina - até vamos chamar "Projeto Valentina" quando dermos entrada no Parlamento do projeto de prisão perpétua. Custa muito ver que alguém que viola uma criança, que viola e mata, que mata e enterra o corpo e anda a brincar com as autoridades, daqui a dez anos está cá fora e continua a sua vida. Isto não é vingança, é querer uma justiça mais forte, que também é dissuasora.

Falou em eventuais coligações à direita para formar governo. Tem havido conversas? Com quem?

Sim, já temos falado algumas vezes, sobretudo em propostas pontuais. Tenho uma relação boa com praticamente todos os líderes à direita, já estive reunido com o Dr. Rui Rio, sobretudo por causa de matérias económicas, que é onde nos aproximamos mais, em matérias de fiscalidade, de apoio à economia, às empresas e às famílias. Por outro lado, há matérias que nos continuam a distanciar muito. E aí, tenho de reconhecer isto: CDS, PSD e Iniciativa Liberal estão muito mais próximos nessas matérias do que nós. Há aqui duas áreas que nos distinguem: a questão da justiça, mas também a questão da administração pública: a Iniciativa Liberal quer uma administração pública muito reduzida, nós temos votado muitas vezes ao lado do PCP e do BE em matéria de reforço de meio humanos. Isto obriga a uma certa ginástica política, porque compreendo que tem de haver plataformas de entendimento. Essa é uma aproximação que tem sido feita muito lentamente. Continua a haver uma resistência muito grande ao Chega por parte destes partidos, porque também sentem que da parte do seu eleitorado e dos media, qualquer aproximação ao Chega gera uma reação de hostilidade. Agora os ataques são mais subtis, mais para lançar suspeitas, como a histórias dos perfis falsos, coisas para ir descredibilizando. Mas cada sondagem estamos bocadinho mais acima.

Há um a.C - d.C, um antes e um depois do Chega no Parlamento?

Claro, no início não tínhamos nada, foi tudo feito com o esforço dos que estão, quase com peditórios. Só quem já esteve num partido que não está no Parlamento sabe a dificuldade que é conseguir apoios. O que nos aconteceu foi um milagre. Temos mais meios, inaugurámos a sede, na Rua Miguel Lúpi, ao pé de São Bento, temos maior capacidade de influência. O salto para o Parlamento muda isso: fazemos uma proposta, ela entra, tem de ser discutida. A relevância é outra.

Não perguntei, pergunto agora, quando dará entrada o projeto de revisão constitucional do Chega e o que prevê?

Ainda em setembro, espero. Desde a redução do sistema político (menos deputados e organismos) a reformas fundamentais como aquelas de que tenho estado a falar (prisão perpétua, castração química, tribunais especializados), até à reforma fiscal. Vamos produzir uma autêntica rutura constitucional, de acordo com a vontade da maioria dos portugueses. Já agora, deixe-me dizer que ao assumir que esta Constituição não serve, para mim um dos momentos mais difíceis, caso venha a ser eleito presidente, é ter de jurar sobre esta Constituição, porque já não acredito nela.

Pergunto-lhe ainda como está o processo em relação às assinaturas falsas, quando foi da constituição do partido?

Está a correr no Ministério Público, mas espero que se resolva. De todas as histórias, esta foi a que mais nos melindrou em termos políticos, porque era o momento fundador, que devia ser bonito, e não há como dizer que não fica mal. Espero que o Ministério Público identifique os responsáveis daquelas assinaturas, porque queremos agir judicialmente.