Na Escola Básica Dom Luís da Cunha, crianças entre os 3 e os 5 anos têm a última das quatro aulas de 40 minutos que lhes permitem ter um primeiro contacto com as bicicletas, aprender regras de segurança e, finalmente, a andar de bicicleta.

Com as bicicletas e os capacetes fornecidos pelos “Coelhinhos”, as crianças mais velhas já serpenteiam o campo de jogos, enquanto as mais pequenas ainda estão muito atentas às indicações do treinador, que recorda o primeiro exercício: aprender a montar a bicicleta com um movimento de avião.

São alunos da educadora de infância Cristina Torcato, entre os 800 a quem o projeto chegou este ano em toda a freguesia.

“No ciclismo há uma particularidade muito importante, que é o facto de muitos não saberem andar e estarem num grupo que está habituado a ver todos os seus fracassos e todos os seus sucessos. Sentem-se mais à vontade, sem pressão”, afirmou Cristina Torcato à Lusa.

A educadora vê os seus meninos “superarem-se a si próprios, a serem solidários, a brincarem”, e destaca a “igualdade de oportunidades” de todos aprenderem em bicicletas adequadas ao seu tamanho, todas iguais, ao contrário das que possam herdar dos irmãos.

Cristina Torcato recordou que, recentemente, uma menina de 5 anos “soube que ia haver aulas de ciclismo e pediu para tirar as rodinhas de trás, e foi assim que aprendeu a andar de bicicleta sem rodinhas”.

As rodinhas, aliás, estão excluídas da aprendizagem e são mesmo desaconselhadas.

“As rodinhas são um contrassenso, primeiro, porque não permitem ganhar equilíbrio, e porque obrigam a que as crianças desenvolvam mais força ainda, numa idade em que não é objetivo do desenvolvimento físico da criança trabalhar a parte muscular nas pernas”, explicou Paulo Vaz, presidente dos “Coelhinhos”, Escola Clube de Ciclismo de Lisboa.

Paulo Vaz aconselha, assim, a começar pelas chamadas ‘balance bikes’, sem pedais, e depois a passagem para uma bicicleta que permita ir “puxando o selim para cima, para que a criança não ande sentada”.

Como na natação, Paulo Vaz aconselha também os pais e encarregados de educação a “procurar quem sabe, para ajudar”.

Paulo Vaz sublinha a vantagem da aprendizagem do ciclismo para a mobilidade nas cidades, mas também como uma medida de “saúde pública”, ilustrando que “um adulto que demore meia hora de manhã a chegar ao trabalho e meia hora à tarde fez uma hora de exercício físico” diária.

O dirigente associativo ressalva, contudo, que há um caminho a trilhar, apontando que o seguro escolar exclui as deslocações para a escola em bicicleta, apesar de incluir outros meios de transporte, e que o limite legal de 12 anos para andar em cima do passeio também é uma condicionante.

“Acho estranho que essa idade não seja alargada, até porque pais que não se importavam que os filhos fossem para a escola preferiam que eles andassem nos passeios, quando não há ciclovia”, observou.

Cerca de 90% das crianças não sabia andar de bicicleta

“Chegávamos a escolas e turmas do primeiro, segundo, terceiro e quarto ano, e havia cerca de 90% das crianças que não sabia andar de bicicleta, o que é uma enormidade. Estamos a falar, em muitos casos, de crianças de 9 anos, que daí a um, dois anos, três anos, estão na idade da vergonha e já não vão querer aprender”, contou à Lusa Paulo Vaz.

Foi a constatação de que havia um “número gritante” de crianças que não sabia andar de bicicleta que levou a Junta de Freguesia de Alvalade a desafiar a associação de pais que tinha criado um projeto de ciclismo na escola São João de Brito, de forma a abranger mais alunos.

Assim nascia “um clube do bairro, que tem uma implementação na freguesia, embora se estenda a outras freguesias”, dando às crianças a possibilidade de continuarem a modalidade fora da escola, assinalou à Lusa o vogal da Junta de Alvalade Ricardo Varela, eleito da CDU, que tem o pelouro do Desporto e Educação no executivo liderado pelo PS.

Foi em 2014, antes de o Governo incluir na Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa a obrigatoriedade de aprender a andar de bicicleta no ensino básico (a partir do próximo ano letivo); antes de muitas juntas da capital criarem projetos semelhantes e de a Câmara lançar o programa “Lisboa sem rodinhas”.

A satisfação pelo pioneirismo do projeto é redobrada: “Ficámos satisfeitos ao saber que, de certa forma, estávamos um passo à frente, porque já tínhamos iniciado este projeto no contexto das escolas, porque estamos mais uma vez um passo à frente porque alargamos ao pré-escolar”, disse Ricardo Varela sobre a forma como receberam a notícia de que o Governo queria que os alunos do básico passassem a saber andar de bicicleta.

(Notícia atualizada às 11h12)