“A História marca sempre, mesmo que o historiador não consiga completamente dominar as suas ideias, isto é, aquilo que ele é. [A História] é um documento de dá uma visão do passado, e que, se for nova e verdadeira, vai ao fundo da verdade, e vai criar muitos anticorpos. A História é uma ciência perigosa”, disse Borges Coelho, em entrevista à agência Lusa.
Borges Coelho, recentemente distinguido com Prémio da Universidade de Lisboa, citou “o grande historiador e geógrafo” João de Barros (1496-1570), autor de “Décadas da Ásia” (1552), segundo o qual “a verdade é o fim [o fito] da História, mas não pode ser tanta que parece crueldade", acrescentando que, "quanto aos príncipes e aos reis, tem de se ter respeitinho...”
António Borges Coelho reconhece que os seus livros causaram polémica. A obra “Raízes da Expansão Portuguesa” (1964) chegou a estar proibida. Outra, “A Revolução de 1383-85” (1965), propôs uma nova perspetiva que levou Portugal ao confronto com Castela, na batalha de Aljubarrota, defendendo que mais de uma crise dinástica, aberta com a morte do rei D. Fernando, foi uma revolução liderada pelas forças populares e burguesas, que se emanciparam face às classes dirigentes, designadamente o clero e a nobreza, e colocaram no trono um rei que escolheram, D. João, mestre de Avis.
Atualmente, já reformado, dedicado “finalmente”, ao que sempre almejou, a escrita, além da ficção, Borges Coelho prossegue a investigação da sua História de Portugal, já com seis volumes publicados.
Afirmou, todavia, que não gosta de se expor, excetuando quando encontra antigos alunos “e se faz uma festa”.
“Não gosto muito de me expor, praticamente em todos os livros que publiquei não está lá uma fotografia minha, e, os que a têm, foi contra a minha vontade. Outra coisa é, quando espontaneamente, encontro antigos alunos, e isso dá-me um grande prazer e alegria, até em convívios que organizem”, afirmou à Lusa.
“Sinto-me um ser normalíssimo, um cidadão normal, sou o mesmo que veio de Trás-os-Montes, que, quando criança, [quando] andava na instrução primária, depois das aulas ia buscar as cabras ao monte”, afirmou.
“Sou professor catedrático, pois sou, 'pá', mas sou um cidadão normal e gosto de me sentir como um cidadão igual aos outros na vida quotidiana. Sou o mesmo que vim de Trás-os-Montes, sem experiência da vida urbana, com a experiência do seminário [onde entrou em 1945 por vontade própria], com experiência da vida rústica e difícil da montanha”, sublinhou à Lusa.
“No essencial – prosseguiu – sou o mesmo. Claro que tive várias vidas ao longo da vida. Era impossível não ter tido. Ao longo de 90 anos, vivi muitas vidas e muitas experiências e muitos dos meus amigos já não me acompanham hoje”.
Atualmente, a par do trabalho na sua História de Portugal, está a organizar uma antologia dos seus poemas. "Alguns continuam com interesse”, disse. E destacou a novela “Youkali é o País dos Nossos Desejos” (2005), que relata como hoje vê a luta política no passado, e que “tem muita atualidade”.
Sobre as diversas homenagens previstas, no âmbito dos seus 90 anos, Borges Coelho disse à Lusa que o “perturbam um pouco e distraem do trabalho”.
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, entre outras iniciativas vai expor os originais de Rogério Coelho, que ilustraram a obra “Fernão Lopes. Crónicas”, (2007), de Borges Coelho, e vai realizar uma exposição biobibliográfica sobre o historiador.
A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a coordenação do investigador Hermenegildo Fernandes, vai organizar, a 31 de janeiro próximo, um colóquio sobre Borges Coelho na historiografia.
“Não sou hipócrita. Alegra-me que, quando me estou a despedir da vida, as pessoas achem que fiz alguma coisa de útil. É salutar, sinto-me saudável com isso. Quando é organizado efeito por pessoas que sei que são sinceras e que são amigas, e que o fazem de coração, sinto-me bem. Mas é evidente que me agita psicologicamente, e perturba-me o trabalho, isso não há dúvida”, disse à Lusa.
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