“Salvaguardando o constitucional direito à habitação e a sua importância como recurso, responsabilizando os proprietários, mas atendendo o direito à propriedade, [….] as medidas previstas de tomada de posse administrativa, obras coercivas e arrendamento forçado deviam, em primeiro lugar, partir do próprio Estado, relativamente ao seu património devoluto com vocação residencial”, sustenta a Ordem num parecer elaborado no âmbito do processo de consulta pública daquele programa, que decorreu até à passada sexta-feira.
Segundo a OA, “depois de esgotados os seus fogos devolutos, seria de considerar o avanço da mobilização dos que estão na posse de IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] e de fundos de investimento imobiliário e, só depois, os dos privados, desprovidos de função social e económica e que se localizam em áreas de pressão urbana e de procura residencial insolvente”.
Ainda relativamente à questão do arrendamento coercivo, e “face à evocada urgência do problema”, os advogados sustentam que, dada a “previsível morosidade dos procedimentos administrativos necessários”, esta medida não irá “criar uma alteração da disponibilidade de habitação em tempo”.
“Afigura-se-nos que seria mais eficaz uma forte penalização fiscal da propriedade urbana devoluta, no sentido de incentivar os proprietários a reintroduzirem no mercado, e simultaneamente a desagravar o IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis] concluída a operação urbanística”, consideram.
Isto porque, “tendo em conta os critérios de vetustez e coeficiente de localização, o agravamento já existente para edifícios devolutos, é de longe mais compensador que o agravamento que resulta da avaliação que é feita ‘a posteriori’”.
No parecer hoje divulgado, a OA considera o programa Mais Habitação “globalmente positivo”, mas defende que “pode e deve ser melhorado”, dando aos arquitetos um “papel mais central” para valorização da qualidade e defesa do interesse público: “O Governo deve prestar mais atenção à dimensão da qualidade, pela defesa do interesse público, conferindo aos arquitetos um papel mais central na prossecução desse objetivo”, defende.
Neste sentido, a Ordem apresenta um conjunto de recomendações em áreas como a redensificação urbana estratégica, a requalificação da habitação pública existente, a inovação da construção e tipologias de habitação e o licenciamento com termo de responsabilidade dos projetistas.
Ao nível da redensificação urbana estratégica, alerta que, para além de valorizar a flexibilidade nas mudanças de uso, importa também estabelecer “mecanismos efetivos para uma adequada utilização de espaços vazios urbanos deixados ‘ao abandono’ pelos seus proprietários (públicos e privados)”, assim como “instrumentos que contemplem a possibilidade de preencher descontinuidades internas de bairros e entre bairros".
Já no que respeita à requalificação da habitação pública existente, a OA considera que, a par do aumento da oferta de imóveis, “é essencial que se garanta a qualidade da habitação pública existente, promovendo projetos de requalificação do parque habitacional público”.
Na área da inovação da construção e tipologias de habitação, defende que o Governo “deve apresentar soluções habitacionais e urbanas especialmente adequadas à diversidade dos agregados familiares” e “ponderar, quanto às modalidades de intervenção mais direta do Estado numa renovada dinâmica de promoção habitacional de interesse social, a clarificação do respetivo papel em termos de promotor, parceiro, gestor, etc”.
“O Governo deve avaliar com muita cautela a promoção generalizada da ‘construção/habitação modular", que pode comportar riscos de qualidade, de inadequação ao espaço público e gerar implicações socioeconómicas estigmatizantes”, avisa ainda a Ordem, assumindo “sérias apreensões” a este nível.
Ainda recomendado pela OA é que Governo inclua na legislação mecanismos que promovam a inovação, incorporando os novos desafios que decorrem da crise climática na fileira económica, concebam novas formas de projetar que contribuam para a inovação na indústria da construção e admitam novas formas de encomenda, adequadas à especificidade dos contextos.
Ainda no âmbito da inovação, aponta como “fundamental” dar início à modernização dos sistemas de licenciamento, apostando na implementação faseada das novas ferramentas de informação e comunicação, como o ‘Building Information Modeling’ (BIM).
No que se refere ao licenciamento com termo de responsabilidade dos projetistas, os arquitetos sublinham a “urgência de um novo Código da Edificação”, que reveja e consolide os mais de 2.000 diplomas legais dispersos.
Segundo salientam, trata-se de algo “fundamental para poderem exercer a responsabilidade que lhes é exigida e à qual não se escudam, desde que, e quando, o Estado não se demita do seu papel”.
No entender da OA, “promotor, projetista e construtor devem ter as suas responsabilidades bem definidas”, sendo a Ordem “totalmente contra normas desresponsabilizantes ao nível civil e contraordenacional dos promotores, construtores ou outros intervenientes”, como o diretor da fiscalização e o revisor de projeto.
Neste sentido, sustentam, “o Governo deve refletir esta posição na legislação”.
Pela sua “importância técnica”, a OA considera ainda “urgente impor a harmonização dos conceitos urbanísticos” nos diversos instrumentos de gestão territorial e em toda a Administração Pública que lida com o urbanismo e edificação, como a Autoridade Tributária, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) ou o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Finalmente, apresenta nove medidas concretas para a alteração do Regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), de forma a “resolver entropias, rejeitando-se medidas disruptivas”.
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