Hagia Sofia mudou outra vez. Este mês, os tapetes muçulmanos voltaram a cobrir o chão de mármore, cortinados taparam os mosaicos de inspiração bizantina e os símbolos cristãos foram abafados. Mas não foi só: com todas as modificações necessárias para que a basílica se tornasse mesquita, a acústica também sofreu alterações.
Conta o The New York Times que os investigadores consideram o som como um dos tesouros da Hagia Sofia, em Istambul. Bissera Pentcheva, historiadora de arte da Universidade de Stanford e especialista no crescente campo da arqueologia acústica, passou os últimos anos a estudar a acústica "extravagantemente reverberante" do edifício, de forma a reconstruir o mundo sonoro da catedral bizantina.
Contudo, não tem sido um espaço fácil de estudar. Segundo o jornal, foi preciso um misto de diplomacia, engenho e tecnologia, uma vez que as autoridades turcas proibiram o canto dentro da catedral, mesmo quando era um museu. E, sendo agora uma mesquita, a proibição será provavelmente aguçada, uma vez que o edifício fica sob jurisdição de autoridades religiosas. Além disso, as modificações do espaço vão obrigatoriamente alterar a acústica original.
Mesmo assim, o trabalho realizado até agora já permitiu progressos. No outono passado, a investigadora ajudou à criação de um álbum que levanta o véu no que diz respeito à liturgia e ao canto na catedral bizantina. O curioso é que o álbum não foi gravado no local, mas sim num estúdio na Califórnia, onde a catedral foi recriada virtualmente.
E como é que isto se faz? Através da sobreposição da acústica de um espaço específico à música gravada durante a pós-produção, com um software plug-in — o Altiverb — é possível utilizar uma grande biblioteca de espaços virtuais para que uma faixa gravada possa ser adaptada para parecer que foi feita noutro local. Desta forma, podem ser criadas faixas como se fossem gravadas na Filarmónica de Berlim, na Grande Pirâmide de Gizé ou, neste caso, em Hagia Sofia.
Para que tudo fique realmente adequado ao espaço real, os músicos em estúdio adaptam a sua música ao feedback acústico recolhido na catedral. Em 2010, Pentcheva obteve permissão para entrar no que era então um museu ao amanhecer, quando Istambul estava ainda sossegada. Permanecendo num local que teria sido ocupado pelo coro durante a era bizantina, rebentou um balão. No local onde estariam os fiéis alguém recolheu o som e as suas reverberações. A experiência foi repetida mais três vezes e originou dados suficientes para que Istambul fosse até um estúdio na Califórnia.
Jonathan Abel, professor no Centro de Investigação em Computação em Música e Acústica de Stanford, explicou ao The New York Times como tal é possível. "Aquele pequeno rebentar do balão traz de volta todas as informações sobre o material e o tamanho do espaço", começou por dizer. “Podemos pensar na voz humana como sendo composta por um monte de balões. Cada voz arrasta atrás dela várias respostas de impulso, como serpentinas atrás de um carro num casamento". Com isto, criam-se dados da refração multidirecional do som, quando este faz ricochete na cúpula e nas colunas de mármore.
Tendo recolhido todos os dados necessários, o grupo coral Cappella Romana, com sede em Portland, Oregon, especializado em canto bizantino, gravou "The Lost Voices of Hagia Sophia" [As Vozes Perdidas de Hagia Sofia], imitando a acústica da catedral.
A inauguração de Hagia Sofia como tempo islâmico
O Presidente turco, Recep Erdogan, inaugurou a 24 de julho as primeiras orações muçulmanas em 86 anos na antiga igreja bizantina de Hagia Sofia, datada do século VI, em Istambul, cuja reconversão em templo islâmico foi recebida tanto com aplausos como com críticas internacionais.
Erdogan assinou o decreto que anulou o estatuto de museu, dado ao edifício em 1934, e devolveu a autoridade ao Diyanet, o organismo público gestor das mesquitas turcas, equivalente a um ministério.
Tal como as demais mesquitas históricas de Istambul, a de Hagia Sofia permanecerá a partir de agora aberta a qualquer visitante ou turista, gratuitamente, à exceção das cinco orações diárias, em que apenas terão acesso os fiéis.
A reconversão em templo muçulmano, função que o monumento já cumpriu entre a conquista otomana de Constantinopla, em 1453, e a secularização, em 1934, recebeu felicitações de organizações islâmicas, do Qatar, Paquistão, Malásia e de outros países, mas também numerosas críticas.
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