A XIII legislatura teve uma mão cheia de particularidades, começando pela constituição do Governo. A coligação PSD-CDS, vencedora das eleições legislativas de outubro de 2015, “Portugal à Frente”, apenas se aguentou 12 dias. A maioria de esquerda chumbou o programa do Governo e o socialista António Costa conseguiu formar um executivo minoritário, com apoio parlamentar do BE, PCP, PEV.
Outra particularidade: o presidente da Assembleia da República não saiu do partido mais votado, como era habitual, mas foi eleito quem mais votos teve, Ferro Rodrigues, do PS. Era o primeiro sinal do entendimento à esquerda.
Ainda, os líderes da anterior maioria não ficaram no parlamento. O primeiro a sair foi Paulo Portas, ex-vice-primeiro ministro e líder do CDS, em junho de 2016. Depois, já em fevereiro de 2018, foi a vez de Pedro Passos Coelho, que continuou à frente do PSD até aí.
O XXI Governo Constitucional tomou posse em 26 de novembro de 2015.
Geringonça: Quem inventou?
Quem associou, pela primeira vez a palavra "geringonça" ao PS foi, em agosto de 2014, Vasco Pulido Valente. O historiador cronista chamou “geringonça” ao PS, depois das eleições primárias para a escolha do candidato a primeiro-ministro, entre António José Seguro e António Costa: “O eleitor médio de qualquer partido (…) começa a fugir da geringonça a que se chama PS.”
E em 16 de outubro de 2015, já com a geringonça em construção, escreveu, também no Público: “A cada erro, a cada fracasso, haverá uma tempestade geral e Costa não tem, fora da sua geringonça, em quem se apoiar.”
Um mês depois, ainda líder do CDS e no Governo, Paulo Portas usou, no parlamento, o termo para atacar a solução de governo: “O acordo de esquerda não é bem um governo, é uma geringonça.” António Costa respondeu mais tarde: “É uma geringonça, mas funciona”.
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, "geringonça" é definida como “coisa ou construção improvisada ou com pouca solidez”, ou caranguejola, ou “aparelho ou mecanismo de construção complexa”, ou engenhoca.
Estes são 12 dos momentos mais marcantes da legislatura que levou a "geringonça" do início ao fim.
Os professores e a ameaça de demissão do Governo
Os sinais de dramatização surgiram com a notícia na Renascença de que os socialistas estavam a ponderar a demissão se a direita (PSD e CDS) se juntasse à esquerda (BE, PCP e PEV) para aprovar a contagem integral do tempo de serviço dos professores, no parlamento. A 3 de maio deste ano, António Costa ameaçou mesmo demitir-se, numa comunicação ao país, caso a lei fosse aprovada em votação final global.
Uma medida que, afirmou, criava "um encargo adicional de pelo menos 340 milhões de euros entre este ano e o próximo, devido ao pagamento de retroativos” relativamente a 2019.
Durante dias, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, adotou um pouco usual silêncio e, durante dias, repetiram-se as acusações de chantagem a Costa, à esquerda e à direita, numa altura de pré-campanha eleitoral para as europeias.
A crise política, ou ameaça de crise, desfez-se em alguns dias, depois de a direita, PSD e CDS, ter voltado atrás no sentido de voto, na votação final global, em maio.
Eutanásia
Em 29 de maio de 2018, a votação no parlamento foi nominal. Durante 30 minutos, cada deputado foi chamado a dizer “sim” ou “não” aos projetos para a despenalização da eutanásia, ou morte assistida. A liberdade de voto e o “não” do PCP baralharam as contas numa votação imprevisível e emotiva até ao fim.
E no final, os três projetos de lei, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Bloco de Esquerda, PS e Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), foram rejeitados com diferentes votações, Nenhum conseguiu os 116 votos necessários.
Terminava ali uma discussão iniciada por uma petição em 2017 e que depois teve quatro projetos de lei, debatidos durante meses e meses, tempo aproveitado pela Igreja portuguesa contra esta mudança para despenalizar, em certas condições, quem auxiliar alguém, em estado terminal, a morrer. Os partidos deram liberdade de voto para uma matéria considerada de consciência e dividiram-se.
O tema deverá voltar ao debate na fase de pré-campanha para as legislativas, já que pelo menos o BE e um grupo de socialistas admitem que essa seja uma proposta a submeter às eleições.
Inquérito a Tancos
O furto de material militar dos paióis de Tancos, em 28 de junho de 2017, originou a queda de um ministro, de um chefe do Exército, um inquérito parlamentar e um processo judicial, ainda em fase de conclusão.
A comissão parlamentar de inquérito, proposta pelo CDS-PP, concluiu que “não ficou provado” que tenha havido interferência política na ação do Exército ou na atividade da PJM, apesar da tentativa dos partidos de direita, em especial do CDS-PP, de uma maior responsabilização tanto do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes como do primeiro-ministro, António Costa.
Menos de três semanas depois de votado o relatório no parlamento, o ex-governante foi constituído arguido, em 5 de julho.
Incêndios de 2017
Entre junho e outubro de 2017, mais de cem pessoas morreram nos incêndios florestais: o grande fogo de Pedrógão Grande, que se espalhou a concelhos limítrofes e fez 66 mortos, e os fogos da zona centro. As falhas dos meios no combate aos incêndios e do sistema de comunicações de emergência motivaram um grande debate político e colocaram a ministra da Administração Interna sob pressão, sob ataque. O CDS chegou mesmo a exigir a sua saída do Governo.
Constança Urbano de Sousa continuou em funções até 18 de outubro, mas demitiu-se após uma declaração ao país, em direto, à hora dos telejornais, do Presidente da República, de Oliveira do Hospital, Coimbra, uma das zonas afetadas. Marcelo Rebelo de Sousa pediu para se "abrir um novo ciclo", na sequência dos incêndios, e que isso “inevitavelmente” obrigaria o Governo “a ponderar o quê, quem, como e quando melhor serve esse ciclo”.
O parlamento criou uma comissão de acompanhamento dos incêndios, instituiu o dia nacional em memória das vítimas dos fogos e foi palco para inúmeros debates, incluindo o de uma moção de censura apresentada pelo CDS, que atacou o falhanço do Estado em proteger os seus cidadãos, no mês de outubro de 2017. E foi nesse debate que António Costa disse “peço desculpa” pelo que sucedeu.
Longe de ser pacífico foi ainda a aprovação do pacote de leis florestais, pela parte do Governo, mas também de partidos da esquerda como BE e Verdes.
Legislação laboral
Foi um dos focos de divisão entre o Governo, o PS com os seus parceiros de esquerda que, desde 2015, vinham reclamando a “destroikização” das leis laborais, que o mesmo é dizer “reverter” as alterações introduzidas na lei o anterior Governo PSD/CDS e durante a intervenção externa. A alteração à lei laboral ainda espera a votação final global no parlamento, mas o PSD já deu sinais de votar ao lado do PS nesta matéria.
No parlamento, foram apresentados projetos do PCP e BE. Na concertação social, o diálogo também se fez, mas em sentido inverso aquilo que se discutia entre os deputados.
Uma das medidas que dividiu PS e a esquerda da maioria parlamentar foi o alargamento do período experimental de 90 para 180 dias para trabalhadores à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração, aprovado, em comissão, pelos deputados do PS e PSD. Tanto a direita como a esquerda alertaram para riscos de inconstitucionalidade.
O princípio de acordo aconteceu já este ano, num grupo de trabalho, no parlamento, e a lei espera agora votação final global, em 19 de julho.
Leis de bases da habitação e saúde
Na fase final da legislatura, PS e Governo consideraram, em julho, ter já alcançado um consenso maioritário no parlamento para a aprovação final de diplomas sobre a Lei de Bases da Habitação, estatuto do cuidador informal e Plano Nacional de Investimentos, com votações à esquerda e à direita. A que se juntou um quarto, já a meados do mês: a lei de bases da saúde.
Estes três diplomas, segundo fonte do executivo, são considerados "marcantes" no âmbito do trabalho político realizado na presente legislatura, sendo que dois deles, o da Lei de Bases da Habitação e o do estatuto do cuidador informal, foram aprovados com o apoio da esquerda no parlamento (PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV).
Quanto ao Plano Nacional de Investimentos, ele teve um consenso entre socialistas, PSD e CDS-PP, tendo o Bloco de Esquerda, em sede de comissão, optado pela abstenção, enquanto o PCP votou contra.
A última semana foi também marcada por outro acordo à esquerda, este para a lei de bases da saúde. As Parcerias Público-Privadas (PPP) não figuram no texto final e a lei, a ser aprovada na sexta-feira, 19 de julho, remete para, num prazo de seis meses, se regulamentarem os termos em que é exercida a gestão pública, na explicação do primeiro-ministro, António Costa.
Comissões parlamentares de inquérito
Nestes quatro anos, foram cinco as comissões de inquérito, um instrumento de fiscalização parlamentar ao Governo. Três centraram-se na Caixa Geral de Depósitos, outra foi sobre o pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade. A quinta teve como objetivo o apuramento de responsabilidades políticas do furto de material militar dos paióis de Tancos, em 2017.
Das horas de audições ficou na memória as audições de responsáveis, como o ex-governador de Banco de Portugal Vítor Constâncio, sobre a responsabilidade que disse não ter nos empréstimos bancários, ou as frases do empresário José Berardo a dizer que “pessoalmente” não tinha dívidas, apesar de entidades criadas em torno da sua fundação terem contratado empréstimos de mais de 300 milhões de euros.
Defesa Nacional
Esta foi uma área onde se conservou algum espírito de bloco central (PS-PSD), por vezes estendido ao CDS, como aconteceu, em junho último, com a aprovação da Lei de Infraestruturas Militares, que prevê um investimento de 262 milhões de euros até 2030. O mesmo aconteceu com a Lei de Programação Militar, que define os investimentos no reequipamento das Forças Armadas até 2030, aprovado no parlamento em 3 de maio com 170 votos a favor, de PS, PSD e CDS-PP, e a abstenção do PCP.
Moções de censura
Foram duas. As duas apresentadas pelo CDS-PP e as duas chumbadas, sem surpresa, pela maioria de esquerda.
O texto da primeira moção, debatida no parlamento em outubro de 2017, tinha um título que se explicava a si própria - "Pelas falhas do Governo nos incêndios trágicos de 2017" – mas tinha o destino traçado: o “chumbo” pelos partidos que apoiam o executivo, no parlamento, a que se juntou o deputado do PAN.
A segunda moção, passado pouco mais de um ano, em fevereiro de 2019, apanhou muitos de surpresa e visava censurar um governo “esgotado”, que “falha às pessoas” e foi também reprovada. Assunção Cristas, a líder centrista, apontou as falhas a António Costa e aos seus ministros em áreas como a economia, devido ao aumento dos impostos indiretos, os serviços públicos, nomeadamente os problemas na área da saúde, até à autoridade do Estado, devido ao furto de material militar em Tancos, em 2017.
Transparência na política
Durante três anos, desde 2016, a comissão eventual para reforço da transparência em funções públicas trabalhou em três áreas: a lei do lóbi, o reforço dos impedimentos e incompatibilidades de quem ocupa funções políticas e o estatuto dos deputados.
O acordo foi difícil, as leis passaram com maiorias, à esquerda e direita, mas a legislação sobre a atividade de lóbi foi vetada pelo Presidente da República a poucos dias do final da legislatura.
Estas leis alargam o leque dos titulares a obrigação de apresentarem declarações de rendimentos, havendo a possibilidade de perda de mandato, em certas condições. É também criada uma entidade para a transparência, criticada por CDS e PCP.
Lei de adoção para casais do mesmo sexo
No último debate sobre o estado da nação, no parlamento, o PS lembrou as medidas tomadas que "corrigiram opções ultramontanas da lei portuguesa, com as que vedavam a adoção por casais do mesmo sexo, limitavam o recurso pelas mulheres à procriação medicamente assistida como direito individual, ou criavam uma absurda consulta médica compulsória no processo de interrupção voluntária da gravidez", nas palavras do deputado Fernando Rocha Andrade.
As alterações da adoção por casais “gay”, por exemplo, a partir de projetos do PS, BE, PEV e PAN, tiveram os votos a favor da esquerda, a oposição da direita, em finais de 2015. Poucos meses depois de o anterior parlamento, de maioria de direita, ter chumbado diplomas idênticos.
Lei do cuidador informal
O estatuto do cuidador informal, aprovado no parlamento em 5 de julho por unanimidade, teve como base projetos de BE, PCP, CDS-PP, PSD e PAN e uma proposta de lei do Governo e teve no Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, "um grande defensor dessa causa". À esquerda e à direita, os partidos congratularam-se com a nova lei.
A lei define, entre outras medidas, um subsídio de apoio aos cuidadores, o descanso a que têm direito e medidas especificas relativamente à sua carreira contributiva. Estima-se que em Portugal existam entre 230 mil a 240 mil pessoas cuidadas em situação de dependência.
(Por: Nuno Simas, da agência Lusa)
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