“A justiça neste Portugal de estado de direito democrático encontra-se, e manter-se-á, doente, enquanto não se adequarem as custas e taxas judiciais ao país real, enquanto mantivermos uma justiça para ricos e uma justiça para pobres”, afirmou Guilherme Figueiredo na cerimónia de abertura do Ano Judicial, que hoje decorre no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.
Entende o bastonário da Ordem dos Advogados que uma adequação “proporcional e razoável” das custas e as taxas judiciais aos rendimentos das pessoas “permitiria o cumprimento efetivo do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais para todos os cidadãos, bem como a consideração política da justiça como bem essencial e não como um bem económico”.
Recordando o aprovado no Pacto para a Justiça sobre esta matéria, Guilherme Figueiredo defende que “não seria difícil sinalizar a vontade política de seguir este caminho”, dando como exemplo a dispensa dos trabalhadores “no pagamento prévio da taxa de justiça nas ações em que estivesse em causa a impugnação da extinção da relação laboral”.
Para o bastonário, a enfermidade da justiça reflete-se também na existência de um “sério défice de proteção de direitos fundamentais quando estão em causa atos administrativos ou jurisdicionais manifestamente inconstitucionais”.
“A par das questões formais, também as custas aplicadas impedem o comum dos cidadãos de aceder à justiça constitucional”, frisou o advogado, alegando que “o acesso aos tribunais e o acesso ao Tribunal Constitucional é restringido de forma intolerável”.
O caminho, defende Guilherme Figueiredo, passaria pelo reconhecimento da possibilidade da fiscalização abstrata da constitucionalidade poder ser suscitada pela Ordem dos Advogados junto do Tribunal Constitucional.
“Exortamos, assim, a Assembleia da República a assumir poderes constitucionais e a promover estas alterações que são essenciais ao pleno desenvolvimento do estado de direito democrático”, apelou.
No discurso no ato solene, o bastonário sublinhou também a necessidade de a política desempenhar o seu papel no setor judiciário “com contenção e sentido da proporção e do espaço de cada um, mas sem demissão ou omissão”, e “sem confusão de papéis ou de legitimidades”.
O papel do juiz de instrução na fase de inquérito ou na instrução foi outro dos assuntos abordados.
“Constitui pilar fundamental da justiça (…) que haja no processo penal, antes da fase do julgamento, uma figura que seja verdadeiro garante, que seja juiz de equilíbrio e de direitos, liberdades e garantias”, afirmou.
“Se assim não for, então estamos na presença ou de um vazio ou de um ativismo, ambos insuportáveis. Ambos seriamente agentes de doença para uma justiça verdadeira, democrática e cidadã”, aludiu Guilherme Figueiredo a poucos dias do início da fase de instrução da Operação Marquês, que tem o ex-primeiro-ministro José Sócrates como principal arguido.
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