Rui Silveira, o advogado que coordenou o Departamento Jurídico do BES e assessorou o Conselho de Administração entre 1992 e 2000, ano em que foi eleito administrador com o pelouro jurídico e depois também de auditoria e continuidade do negócio, até ao final de julho de 2014, depôs hoje como testemunha arrolada por Ricardo Salgado na contestação da contraordenação aplicada pelo Banco de Portugal (BdP) por comercialização de títulos de dívida da Espírito Santo Internacional (ESI) junto de clientes do banco.
No processo, que decorre desde março no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, estão a ser julgados os pedidos de impugnação às contraordenações aplicadas pelo BdP ao ex-presidente do BES, Ricardo Salgado (4 milhões de euros), e ao ex-administrador Amílcar Morais Pires (600.000 euros).
Rui Silveira afirmou que o BES “deixou 558,5 milhões de euros em provisões para reembolsar todos os clientes” e que foi o próprio governador do BdP que, no início de julho de 2014, em carta à então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, deu uma “visão do trabalho extraordinário que o BES estava a fazer”, assegurando que a solvabilidade do banco era “robusta” e que podia ficar “absolutamente tranquila”.
O dinheiro para os reembolsos “transitou para o Novo Banco, que não pagou”, disse, considerando que Ricardo Salgado “era o almirante do grande porta-aviões que o BdP estava a afundar".
O ex-administrador relatou em detalhe o período em que teve uma intervenção na transição da “governance” (mudança dos órgãos de administração) do BES, entre fevereiro e julho de 2014, de contactos “praticamente diários” com Pedro Machado (que foi chefe de gabinete do ministro das Finanças Vítor Gaspar e, depois da demissão deste, passou para o Departamento de Supervisão do BdP).
Rui Silveira afirmou que todo o processo foi feito de forma “séria” e num clima “construtivo” e que nada foi feito no BES sem o conhecimento e a autorização do governador do BdP.
No plano de ação traçado, foi acordado, conforme exigência do BdP, a saída de todos os membros da família Espírito Santo do Conselho de Administração do BES, mantendo-se Ricardo Salgado como presidente do Conselho Consultivo, assegurando Rui Silveira que “jamais” o supervisor rejeitou os nomes propostos para o CA, em particular o de Amílcar Morais Pires para a presidência daquele órgão.
Para Rui Silveira, o telefonema de Carlos Costa para Ricardo Salgado a vetar o nome de Amílcar Pires já com a convocatória da Assembleia-Geral “na rua” foi “uma loucura”, provocando uma “sangria”, com a fuga de 6,1 mil milhões de euros, cerca de metade dos quais depósitos e a queda das ações em 30%.
“O banco ficou acéfalo. Sabia-se que a família ia sair. Não se sabia quem ia suceder”, declarou, sublinhando a “vergonha” que foi a forma como se “resolveu o assunto, rasgando uma convocatória e publicando outra no mesmo dia com os nomes de outras pessoas”.
Quando foi escolhido Vítor Bento, “a floresta já estava a arder”, disse, acusando o BdP de ter acrescentado “gasolina” ao impor provisões de 2.000 milhões de euros a 30 de julho, “contra as normas internacionais”.
O advogado frisou que Ricardo Salgado esteve “sempre disponível” para encontrar uma solução, “com o menor dos ruídos”, que garantisse continuidade e não deixasse a instituição “órfã”.
O julgamento dos pedidos de impugnação apresentados por Ricardo Salgado e Amílcar Pires junto do TCRS iniciou-se em 06 de março e tem audiências agendadas até 14 de julho, sendo previsível que a produção de prova testemunhal prossiga depois das férias judiciais, em setembro.
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