No quarto dia do debate instrutório realizado no tribunal de Monsanto, em Lisboa, o advogado Rogério Alves - que representa o arguido António Soares, antigo administrador do BES Vida – defendeu que a tese do MP “está cheia de falhas e buracos”, ao notar que o seu constituinte foi “um funcionário excelente” no Grupo Espírito Santo (GES) e procurando desmontar a tese de associação criminosa na cúpula da instituição.
“O que estamos a falar é de um grupo hierarquizado, com diversos serviços, que se interseta com diversas entidades e funcionários. É isto uma associação criminosa?”, questionou o advogado, salientando que o MP não identificou critérios para os pagamentos, a razão para a escolha das pessoas, os montantes ou as datas: “Como se passa para associação criminosa? Está ferida de morte”.
No mesmo sentido, o advogado João Costa Andrade, mandatário de quatro dos 25 arguidos deste caso (Paulo Ferreira, Pedro Cohen Serra, Pedro Góis Pinto e Nuno Escudeiro), centrou as suas alegações no que considerou ser a falta de fundamentação e rigor da acusação do MP.
“A acusação não refere os elementos de associação criminosa, o que lá está é comparticipação. É como ter o Guerra e Paz, de Tolstoi, e preferir ler o Tio Patinhas. Se isto fosse sério, obviamente que os arguidos não podiam ser pronunciados por estes crimes. As coisas não podem ser analisadas de forma rudimentar”, vincou.
Já Clotilde Almeida, advogada de Cláudia Boal de Faria, ex-diretora do Departamento de Gestão de Poupança do BES, disse que “não existem indícios suficientes para pronunciar pela prática deste crime”, considerando que para se preencherem os requisitos do crime seria preciso “um determinado nível de organização diverso” daquele que existia no GES.
Além disso, notou que a arguida recebeu pagamentos entre 2008 e 2011, mas que os factos pelos quais foi acusada ocorrem a partir de 2012. “Confiamos que vossa excelência altere o juízo que está presente na acusação e que venha a proferir despacho de não pronúncia”, sintetizou.
Por sua vez, a defesa de Isabel Almeida refutou também a imputação de associação criminosa, sustentando que o MP invocou “a doutrina mais inovadora” e rejeitando a fundamentação deste e de outros crimes imputados à ex-diretora financeira no BES. Por isso, referiu que a cliente “aguarda com alguma ansiedade” e crença numa decisão que não a leve a julgamento.
“Isabel Almeida era uma funcionária altamente qualificada e cumpria ordens. A arguida estava convicta de que estava a agir licitamente e que todos a que a circundavam agiam nesses moldes. A arguida manteve o seu dinheiro até à resolução do banco, tal era a sua convicção. E com isso perdeu 300 mil euros”, resumiu o advogado Miguel Dias Neves.
Finalmente, o advogado Tiago Rodrigues Bastos admitiu “uma ligeira esperança de que os arguidos não sejam levados a julgamento” por associação criminosa. O representante dos arguidos suíços – Etienne Cadosch, Michel Creton e a sociedade Eurofin – explicou que “não estão preenchidos os elementos” do crime, focando as alegações nas críticas à ação do Conselho Superior da Magistratura, ao substituir Ivo Rosa pelo atual juiz de instrução, Pedro Santos Correia.
“O juiz natural é uma garantia fulcral no nosso sistema de justiça. Eu não tenho sido muito bafejado pela sorte com o Dr. Ivo Rosa, portanto nem sou um fã”, afirmou, sem deixar de referir que o atual juiz passou “a ser tutelado” pelo órgão de gestão e disciplina da magistratura judicial, acusando igualmente o CSM de ter “uma interferência clara no processo” e que “extravasou as suas competências”.
O debate instrutório prossegue na terça-feira, a partir das 9:30, com as alegações das defesas dos restantes arguidos do processo também conhecido por Universo Espírito Santo.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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