"O princípio de pôr os contribuintes a pagar por erros de negócios privados é errado. Cria um risco moral [...]. A garantia pública é errada no princípio e injusta para os contribuintes", afirmou o deputado social-democrata Leitão Amaro, considerando que não se "pode socializar os erros negociais".
O deputado, que falava numa audição no Parlamento do ministro das Finanças, Mário Centeno, defendeu que caso tenha havido erros de responsáveis de entidades públicas esses têm de ser responsabilizados e que a solução criada para ajudar os lesados não devia "ilibar responsabilidade de supervisores", caso tenham existido.
Em causa está o facto de os clientes lesados que adiram à solução criada para os compensar terem obrigatoriamente de abdicar de processos judiciais já colocados contra o Estado, assim como Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Banco de Portugal.
Perante a interpretação de Mário Centeno, de que as palavras do social-democrata significavam uma oposição do PSD à lei que permitirá compensar os lesados do papel comercial, Leitão Amaro considerou ter havido um "erro de perceção mútuo" e explicou que o PSD "não é contra o diploma, é contra a parte do diploma da garantia pública".
Pelo PS, João Galamba instou o PSD a apresentar uma proposta alternativa: "O PSD quer que o Estado resolva mas não se envolva. Poderiam fazer o favor de explicar como o Estado resolveria a situação, se Estado não pode dar garantia pública, resolve como", questionou.
O deputado socialista criticou ainda que o PSD não aceite que os lesados que adiram à solução não avancem com processos contra Estado e entidades relacionadas, como a CMVM e o Banco de Portugal.
"Se Estado chega a acordo com alguém extrajudicialmente era o que faltava que a pessoa com que chega a acordo continue com ações", considerou.
Pelo CDS, Cecília Meireles afirmou que o seu partido não se oporá à aprovação do diploma no Parlamento que permitirá o mecanismo de compensação aos lesados do papel comercial, mas criticou que a legislação esteja feita de forma a que "muito dificilmente se poderá aplicar noutros casos" de lesados e noutros casos de resoluções bancárias, caso do Banif.
Pelo seu lado, o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, afirmou que o "diploma não está cristalizado e pode ser alterado", destacando que seria importante que fosse aprovado por unanimidade.
Em abril, o Governo enviou ao parlamento a proposta de lei n.º 74/XIII/2 que visa a criação de uma nova figura jurídica, os fundos de recuperação de créditos, com vista a indemnizar parcialmente os 2.000 clientes que investiram, aos balcões do BES, 434 milhões de euros nas empresas Espírito Santo Financial e Rio Forte, e cujo investimento perderam com o colapso do Grupo Espírito Santo (no verão de 2014).
O mecanismo para compensar os lesados do papel comercial do BES foi acordado ao longo de mais de um ano por um grupo de trabalho constituído por Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Banco de Portugal, 'banco mau' BES e Governo, através do advogado Diogo Lacerda Machado.
A solução acordada propõe que os lesados recuperem 75% do valor investido, num máximo de 250 mil euros, isto se tiverem aplicações até 500 mil euros. Já acima desse valor, irão recuperar 50% do valor investido.
Quanto ao pagamento, este será feito pelo fundo de recuperação de crédito, pelo que é necessário aprovar legislação para esse efeito.
O objetivo é que este fundo pague 30% da indemnização aos lesados logo após a assinatura do contrato de adesão à solução. O restante valor será pago aos lesados em mais duas parcelas, em 2018 e 2019.
Como o fundo não terá dinheiro, terá de se financiar junto da banca, estando mesmo previsto na proposta legislativa que o Estado preste uma garantia pública para que o fundo consiga financiar-se.
Além disso, a legislação também refere outro mecanismo de financiamento, com intervenção mais direta pelo Estado.
"Em alternativa à celebração de um contrato de financiamento, e sendo isso também indispensável ao cumprimento de determinadas obrigações legais e contratuais do fundo de recuperação de créditos perante os participantes, o Estado pode ainda assegurar aos participantes a satisfação dos créditos pecuniários correspondentes", refere o ponto 2 do artigo 70.º do documento.
De acordo com informações recolhidas pela Lusa, o que se passará é que na celebração do contrato de adesão será concedida aos clientes lesados uma garantia estatal que assegura que receberão as segunda e terceira tranches da indemnização acordada.
Ou seja, se nessa altura o fundo não tiver dinheiro para pagar, cada cliente lesado pode acionar essa garantia e o Estado paga-lhes diretamente, ficando depois o fundo em dívida perante o Estado.
Em maio, 1.900 lesados do papel comercial, o equivalente a 97% do total, manifestaram interesse por escrito em aderir à solução.
Contudo, estes terão de aceitar determinadas condições: desde logo, estes clientes terão de ceder ao fundo de indemnizações direitos judiciais colocados contra as entidades responsáveis pela emissão e venda do papel comercial, para que o fundo continue a litigar em tribunal em nome desses clientes e receba no futuro as indemnizações decididas pelos tribunais ou em acordos extrajudiciais.
Além disso, é exigido aos clientes que assinem o contrato de adesão que abdiquem de continuar com processos que tenham em tribunal contra o Estado, Banco de Portugal, CMVM, Novo Banco e futuro comprador, entre outras entidades.
A solução para os lesados do papel comercial foi uma promessa política do atual primeiro-ministro, António Costa.
Contudo, este processo tem sofrido muitos atrasos. A expectativa mais recente era que o primeiro pagamento chegasse aos lesados em junho, mas esse prazo já derrapou novamente, porque ainda falta constituir o fundo, um processo demorado, já que, além de ter de ser aprovada no parlamento a lei que o enquadra, também é necessário escolher a equipa que irá fazer a gestão do fundo.
Quanto aos outros clientes que se sentem lesados pelo BES e Grupo Espírito Santo em condições semelhantes, mas que não são incluídos nesta solução, como emigrantes portugueses em países como Venezuela, África do Sul, França ou Suíça e mesmo residentes em Portugal que subscreveram papel comercial mas em sociedades localizadas em outras jurisdições (como sucursal exterior da Madeira), associações e movimentos representativos dessas pessoas têm reclamado que sejam encontradas soluções semelhantes.
Também os lesados do Banif querem um mecanismo de compensação para o seu caso.
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