“A Polícia Judiciária esteve aqui, solicitou-nos diversa documentação e eu entreguei tudo aquilo que era necessário”, afirmou o autarca, eleito por um movimento independente.
Escusando-se a especificar o tipo de documentos disponibilizados, António Anselmo insistiu que “toda a informação foi entregue pelos serviços da câmara” e acrescentou: “Até mais do que aquilo que foi solicitado”.
A PJ está a coadjuvar o Ministério Público (MP) no inquérito instaurado ao acidente ocorrido em Borba, no dia 19 de novembro, devido ao deslizamento de terras e colapso de um troço da estrada municipal 255 para o interior de duas pedreiras contíguas, que provocou cinco mortos.
Em segredo de justiça, o inquérito é dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, através de dois magistrados, que é coadjuvado por duas equipas da PJ, uma delas do Laboratório de Polícia Científica (LPC), segundo disseram à Lusa fontes ligadas ao processo.
O inquérito, que pretende "apurar as circunstâncias que rodearam a ocorrência”, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), está numa fase preliminar, segundo as fontes contactadas pela Lusa, e as averiguações estendem-se tanto às pedreiras atingidas, como ao colapso de um troço da via rodoviária.
Um mês depois, a estrada 255 entre Borba e Vila Viçosa, onde aconteceu a derrocada e o deslizamento de terras, permanece fechada, a aguardar uma avaliação.
“A estrada continua fechada, está tudo identificado e sinalizado e, agora, é esperarmos. É preciso aguardar o andamento dos processos e aquilo que digam os técnicos”, disse hoje à Lusa o autarca de Borba.
No local da tragédia, onde um troço de cerca de 100 metros de estrada colapsou para dentro de duas pedreiras de mármore contíguas, “não está a decorrer qualquer intervenção, por enquanto", nem na via rodoviária, nem nas duas explorações, referiu António Anselmo.
O presidente da câmara municipal aproveitou para reforçar o apelo para que os possíveis curiosos evitem andar na estrada que ruiu, por ser “extremamente perigoso”.
Na semana passada, realçou, “caiu mais uma pequena parte da estrada”, numa área “encostada à zona da derrocada”, pelo que “é importante que as pessoas não circulem, nem se aproximem daquele local”, disse.
Para os automobilistas, a alternativa à estrada cortada é a variante entre Borba e Vila Viçosa, que está aberta ao trânsito há 15 anos e liga também à Autoestrada 6 (A6).
O deslizamento de um grande volume de rochas, blocos de mármore e terra e o colapso do troço de cerca de 100 metros de estrada para o interior de duas pedreiras contíguas ocorreram às 15:45 de dia 19 de novembro.
Dois operários de uma empresa de extração de mármore, a trabalhar na pedreira que se encontrava ativa, morreram, assim como três outros homens, ocupantes de duas viaturas automóveis, que, no momento do acidente, seguiam no troço da estrada que ruiu e que caíram no plano de água da outra pedreira, sem atividade.
A estrada em que colapsou um troço, na ligação entre Borba e Vila e Viçosa, dois dos concelhos da zona dos mármores do Alentejo, era percorrida diariamente por populares e trabalhadores do setor, mas também integrava o roteiro das visitas turísticas, sendo ladeada por pedreiras, unidades de transformação e escombreiras.
O Governo pediu uma inspeção urgente ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão de operação das pedreiras situadas na zona de Borba.
Entretanto, a 27 de novembro, o Ministério do Ambiente e da Transição Energética deu a garantia de que, até ao final do ano, serão identificadas todas as pedreiras do país que possam constituir um risco.
Além do inquérito do MP e da inspeção ordenada pelo ministério do Ambiente, também a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) abriu um inquérito para apurar as condições de segurança e saúde dos trabalhadores da pedreira de Borba que foi atingida e estava ativa.
Empresários do mármore trabalham "normalmente" com fiscalização "em campo"
A estrada cujo corte alguns defendiam, mesmo percorrendo-a diariamente, foi “engolida”, mas, um mês depois do acidente de Borba que “ceifou” cinco vidas, os empresários do mármore trabalham “normalmente”, já com a fiscalização no terreno.
“Independentemente agora das ações de fiscalização que começam a aparecer, nós trabalhamos normalmente”, disse hoje à agência Lusa Luís Sotto-Mayor, administrador da Marmetal e da Margrimar, empresas do setor dos mármores situadas no concelho vizinho de Vila Viçosa (Évora).
Segundo o responsável, o acidente ocorrido no dia 19 de novembro, devido ao deslizamento de terras e colapso de um troço da estrada municipal 255, entre Borba e Vila Viçosa, para o interior de duas pedreiras contíguas, causando cinco mortos, foi “uma infelicidade” e gerou “dúvida” em torno do setor.
O setor “já atravessava um momento de algumas dificuldades em termos de mercado e esta altura de final do ano é sempre complicada”, mas, “tirando as empresas diretamente afetadas”, o que “trouxe foi alguma dúvida sobre se continuávamos a trabalhar ou estávamos parados”, disse.
“As pessoas foram laborando normalmente”, porque “temos de lutar para enfrentar as dificuldades”, esclareceu, lembrando que o principal mercado para os mármores do Alentejo é “o Médio Oriente” e os empresários, além de enfrentarem concorrência “muito forte” de países como a Grécia e Turquia, têm de “suportar custos energéticos e de transporte elevados”.
Afiançando que, “se havia estrada que era monitorizada e pedreiras que estavam com acompanhamento de perto eram estas”, porque “já tinham sido sinalizadas pela Direção-Geral de Energia e Geologia como situações de risco”, Luís Sotto-Mayor argumentou que o setor na região está tranquilo quanto às inspeções.
“Eu e todos os meus colegas estamos descansados. Esta atividade tem regras, temos que ter licenças para isto e para aquilo e temo-las, porque senão não podíamos trabalhar”, frisou.
O que transpareceu do “infeliz acontecimento” de há um mês foi “a ideia que parecia que estávamos no faroeste e que cada um tirava as pedras como queria”, mas “não é bem assim”, porque “a verdade é que a atividade é muito controlada e temos uma série de regulamentos que temos de cumprir. E cumprimo-los”, enfatizou.
A inspeção anunciada pelo Governo às pedreiras “está a ser feita a nível nacional, não é só nesta zona”, afirmou o empresário, revelando que já estiveram técnicos da Direção-Geral de Energia e Geologia “numa das pedreiras” da sua empresa, na semana passada, para “tirarem fotografias aos taludes”.
“É normal, estão a fazer o levantamento e penso que também já andaram nas zonas de Bencatel e da Lagoa”, acrescentou, referindo que as empresas que administra têm “todas as licenças e planos de lavra em dia”.
Contactada pela Lusa, fonte do Ministério do Ambiente e da Transição Energética confirmou que a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) “está a proceder à inspeção instaurada às pedreiras”.
A pouca distância dos escritórios da Marmetal, na estrada municipal 255, entre Vila Viçosa e Borba, grandes blocos de mármore estão a ocupar a faixa de rodagem e impedem o acesso à zona onde a via colapsou.
“Perigo de derrocada”, pode ler-se num cartaz pendurado no gradeamento de metal colocado à frente do mármore, alertando para os riscos existentes a “cerca de 200 metros”, onde agora existe o “abismo” para os poços das pedreiras atingidas.
Uns metros antes da Marmetal, tal como no início da 255 do lado de Borba, outros cartazes e barreiras deixam logo os primeiros avisos para estrada sem saída, com acesso restrito a fábricas e pedreiras em funcionamento, e para os perigos de derrocada.
Luís Sotto-Mayor, um dos empresários que subscreveu o documento que, em 2014, reclamava da Câmara de Borba o corte daquele troço da 255, continua a defender que “a estrada devia ter sido fechada” há anos, mas considerou que, agora, “é injusto estar à procura de culpados”.
“Aconteceu. Era uma situação que estava identificada e acho que falhámos todos enquanto cidadãos, porque quem está à frente das entidades também é cidadão”, disse, referindo que até os empresários “continuaram a passar na estrada”, apesar de saberem e terem alertado para o problema.
Agora, sem o troço da estrada 255, o acesso às pedreiras ou às unidades de transformação de mármore na zona é feito por um caminho que “era, precisamente, uma das hipóteses de trabalho” que os empresários apontavam no relatório de 2014 que sustentava o fecho da rodovia entre Borba e Vila Viçosa: “Reativámos um desses caminhos que procurámos como alternativa e é o que estamos a usar”.
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