As autoridades federais brasileiras abriram um inquérito ao alegado massacre de cerca de dez membros de uma tribo isolada da Amazónia. As mortes foram confessadas pelos próprios autores, que se gabaram num bar, em São Paulo de Olivença, de terem morto e esquartejado entre oito a dez pessoas, numa região, a cerca de mil quilómetros de Manaus, próxima da fronteira com o Peru.
A conversa foi gravada e entregue às autoridades, que estão agora a investigar. Disso mesmo dá conta uma nota publicada esta segunda-feira (11/09); nela a Funai - Fundação Nacional do Índio - explica que o Ministério Público Federal de Tabatinga (Amazonas) e a Polícia Federal estão a investigar já desde agosto “um suposto ataque contra povos indígenas isolados que habitam a região do rio Jandiatuba, na Terra Indígena Vale do Javari”.
Os “garimpeiros” foram presos e levados para Tabatinga para prestar depoimento, diz a mesma nota. Os suspeitos, porém, não confirmaram as mortes, nem foram, até agora, encontrados quaisquer indícios materiais que provem o alegado massacre, “não sendo possível, portanto, confirmar a veracidade das mortes”, explica a Fundação.
Ao jornal norte-americano ‘New York Times’, no Rio, Pablo Luz de Beltrand, o procurador encarregado pelo caso, confirma a investigação, mas diz não poder discutir ainda os detalhes. “Estamos a investigar, mas os territórios são vastos e o acesso é limitado”, diz Beltrand. “Estas tribos estão isoladas - até a Funai [que em tempo de seca demora 12 horas a chegar de barco] consegue apenas informações esporádicas sobre eles. Por isso, é um trabalho difícil que requer que todos os departamentos do governo trabalhem em conjunto.”
Este não é o primeiro caso do género naquela região este ano. O primeiro ocorreu em fevereiro e as investigações estão ainda em curso. “Foi a primeira vez que vimos casos destes na região”, disse Beltrand em entrevista telefónica ao ‘New York Times’. “Não é algo que tenha acontecido antes”.
Carla de Lello Lorenzi, assessora de comunicação para o Brasil da Survival International, organização de defesa dos povos indígenas, porém, acredita que não é caso inédito. A ausência de informações leva-a a suspeitar de que possa haver casos que nunca chegam a ser reportados. “São casos isolados, contra mineiros ilegais que julgam poder sair de tudo sem consequências. (...) Infelizmente, muitas vezes conseguem”.
Os relatos obtidos por Carla de Lello Lorenzi dizem que os membros da tribo eram mais que os mineiros à procura de ouro. Os “garimpeiros” terão dito que se não os tivessem assassinado, teriam eles sido mortos, cita o ‘Washington Post’.
Depois, terão cortado os corpos dos indígenas para que não flutuassem quando lançados ao rio Jandiatuba.
No final de agosto, esta região foi palco de uma operação de combate à exploração mineira ilegal (procura de ouro). Dela resultou a apreensão de quatro dragas e a aplicação de uma multa no valor de 267 mil euros (um milhão de reais) a seis “garimpeiros” por crime ambiental, em São Paulo de Olivença.
Stephen Corry, diretor da Survival International diz que “caso tais relatos sejam confirmados, o presidente Temer e [o] seu governo possuem uma grande responsabilidade por este ataque genocida”. A culpa, diz, está na redução do orçamento da Funai.
“O corte no orçamento na Funai deixou dezenas de tribos isoladas sem defesa contra milhares de invasores, que estão desesperados para roubar e pilhar [as] suas terras”. “O apoio aberto do governo àqueles que querem abrir territórios indígenas é extremamente vergonhoso e este suposto massacre poderia ter sido, e foi, previsto.”
No Brasil existem mais de 800 mil índios, o que representa cerca de 0,4% da população do país. Há ainda referências a 77 grupos indígenas que nunca foram contactados, trinta das quais foram confirmadas.
Em abril, a Funai encerrou cinco das 19 bases usadas para monitorizar e proteger as tribos isoladas, ao mesmo tempo que reduziu o pessoal noutras. Três dessas bases ficavam precisamente na região do Vale do Javari.
A Survival International diz que esta área - a Fronteira Isolada Amazónica - concentra o maior número de tribos isoladas do que qualquer outra região no mundo. A mesma organização alerta para o facto de, entre outros problemas, populações inteiras estarem a ser “dizimadas por doenças como a gripe e o sarampo”, já que estes povos não desenvolveram resistência a estas doenças.
“As tribos isoladas são os povos mais vulneráveis do planeta. No entanto, quando [os] seus direitos são respeitados, elas continuam a prosperar”, diz a Survival. “Todas as tribos isoladas enfrentam uma catástrofe, a não ser que [as] suas terras sejam protegidas”.
A organização diz que os territórios de outras duas tribos isoladas, os Kawahiva e os Piripkura, foram também “supostamente invadidos”. “Ambas estão cercadas por centenas de fazendeiros e invasores”, acrescenta.
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