Após o bloqueio da ponte 25 de Abril, em 24 de junho de 1994, resolvido com cargas policiais, detidos e feridos, e antecedido de marchas lentas e de um “buzinão” de semanas que entupia o trânsito em hora de ponta, todas as manhãs, seguiram-se semanas de dura contestação ao Governo e, por fim, no final do ano, o aumento das portagens.
O antigo assessor, que acompanhou o ex-primeiro-ministro da década de 1980 aos tempos da Presidência da República (2006-2016), recordou, em resposta a perguntas à Lusa, os dias e os meses desse ano de 1994, do bloqueio e à mudança do ciclo político, em outubro, com a notícia sobre o “tabu” de Cavaco Silva sobre a sua continuidade.
“As coisas não voltaram a ser iguais e ainda faltava um ano para o Governo cumprir o mandato, com uma tarefa muito complexa pela frente que era preparar Portugal para a adesão à nova moeda europeia. Quando em finais de outubro de 1994 o “Expresso” notícia em manchete que Cavaco Silva podia deixar a liderança do PSD, não se recandidatando à presidência do partido, tal só podia significar que se fecharia um ciclo. Assim veio a verificar-se”, afirmou.
Olhando para os acontecimentos de há um quarto de século, Fernando Lima explicou o que aconteceu na ponte com “uma conjugação de fatores”, a começar pela “erosão de nove anos de poder”, juntou-lhe o “clima económico em Portugal”, o “descontentamento popular”, e a “grave crise económica” que a Europa vivia na altura – a França era “varrida nessa altura por manifestações violentas".
Portugal vivia então um período pós-eleições europeias, ganhas tangencialmente pelo PS de António Guterres, com mais meio ponto percentual do que o PSD, o que o então deputado social-democrata Pacheco Pereira chamou de “uma vitórinha”.
A pouco mais de um ano das eleições legislativas de 1995, o Presidente da República era Mário Soares, o fundador e líder histórico dos socialistas portugueses, já então em rota de colisão com Cavaco nas suas “Presidências Abertas”, em especial a de Lisboa, que expôs situações de pobreza e crise.
Para Fernando Lima, que descreveu o que viveu nesses anos no livro “O meu tempo com Cavaco Silva”, e os recorda agora à Lusa, a oposição, que “tinha sido surpreendida com a segunda maioria absoluta” do PSD, agora “apostava fortemente na crispação política” para debilitar os sociais-democratas “por todos os meios”.
“O aumento inesperado do preço da portagem da ponte serviu de catalisador com a repercussão e efeitos que se conhecem”, descreveu.
E podia o Governo de Cavaco Silva ter caído naqueles dias de junho? No seu livro, publicado em 2004, Fernando Lima admitiu esse cenário como possível, mas só se “não tivesse agido com firmeza”, com o recurso à força para “preservar o princípio do exercício da autoridade do Estado”, como agora lembrou à Lusa.
O ex-jornalista e antigo assessor de Cavaco deixa, porém, uma porta aberta quanto a análises internas no executivo, nas semanas e meses que se seguiram e que incluíram, por exemplo, manifestações e uma marcha lenta no tabuleiro da ponte 25 de Abril, onde participaram deputados do PS, como Armando Vara.
“No dia do bloqueio, a continuidade do Governo nunca esteve em causa, mas o prolongamento da crise por várias semanas fez pensar no Governo se tinha condições para poder exercer a sua autoridade face aos desafios de ordem pública com que estava a ser confrontado”, acrescentou.
A contestação teve um intervalo durante o Verão, quando as portagens foram grátis, nesse ano alargado a julho e agosto, mas regressou em setembro, quando se efetivaram os aumentos, com a aplicação de um regime de “descontos” para os pesados, por exemplo, que estiveram na origem do protesto.
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