Segundo revelou hoje à agência Lusa o advogado da Câmara de Setúbal no processo, João Gaspar Simões, a autarquia vai impugnar a multa de 170.000 euros e as duas repreensões aplicadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) ao município, por considerar que está a ser desrespeitada a Lei de Execução do Regulamento de Proteção de Dados (RGPD), aprovada na Assembleia da República em 2019.
De acordo com o advogado, a Lei de Execução do RGPD prevê que para casos como o que se verifica na Câmara de Setúbal – em que se considera haver apenas um comportamento negligente ou faltas organizativas de serviço -, não seja sequer instaurado um procedimento contraordenacional.
“Esta lei prevê que as entidades públicas ou privadas sejam previamente avisadas e estabelecido um prazo para regularizarem a situação. E, só no caso de as entidades públicas ou privadas não cumprirem, é que se deve proceder à abertura de um processo sancionatório e, eventualmente, à aplicação de multas com base nos critérios legais”, explicou João Gaspar Simões.
Contudo, acrescentou o advogado, a CNPD entende que “não deve aplicar esta lei nacional — como já tinha defendido durante o processo legislativo na Assembleia da República –, por considerar que a mesma viola o direito comunitário, embora nunca tivesse feito nada junto de uma instância comunitária para aferir se a sua interpretação sobre a invalidade desta lei nacional é correta”.
Ainda segundo João Gaspar Simões, “há uma teoria que tem a ver com o primado do direito comunitário, que diz que as autoridades nacionais têm o poder de não aplicar normas que são contrárias ao direito comunitário”.
“Todavia, sendo discutível o âmbito e o limite [da não aplicação dessas normas nacionais], há uma coisa que, quanto a nós, parece indiscutível: isso é verdade, exceto quando está em causa legislação de feição sancionatória, como é este caso das sanções da CNPD à Câmara de Setúbal”, defendeu.
A CNPD justifica a coima única de 170 mil euros aplicada à Câmara Municipal de Setúbal com a “violação do princípio da integridade e confidencialidade dos dados e a violação da obrigação de designar um encarregado de proteção de dados (EPD), em conformidade com o n.º 1 do artigo 37.º do RPGD”.
A deliberação 2022/1040 da CNPD, que foi divulgada na quarta-feira, sanciona também a autarquia sadina com duas repreensões, devido à “violação do dever de facultar informações ao titular aquando da recolha de dados e à violação do princípio da limitação da conservação dos dados”.
Na quarta-feira, além da divulgação das sanções aplicadas pela CNPD, a Câmara de Setúbal foi também alvo de novas buscas da Polícia Judiciária, no âmbito da investigação do DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) da Comarca de Setúbal ao acolhimento de refugiados ucranianos.
Fonte da Polícia Judiciária confirmou à agência Lusa que se tratou de uma operação de busca em que “foi recolhida prova documental”.
Em maio, a Polícia Judiciária já tinha efetuado uma operação de busca à Linha de Apoio a Refugiados da Câmara de Setúbal e à Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo), no âmbito da investigação a cargo do DIAP da Comarca de Setúbal.
A investigação judicial teve início depois da polémica em torno da receção do município sadino a refugiados ucranianos por dois cidadãos russos, alegadamente, com ligações ao Kremlin, denunciada pelo jornal Expresso.
O semanário Expresso noticiou, em 29 de abril, que cidadãos ucranianos foram recebidos na Câmara de Setúbal por russos simpatizantes do regime de Vladimir Putin, que fotocopiaram documentos pessoais dos refugiados da guerra, iniciada em 24 de fevereiro com a invasão militar russa da Ucrânia.
Segundo o jornal, pelo menos 160 refugiados ucranianos terão sido recebidos pelo russo Igor Khashin, membro da Edintsvo e antigo presidente da Casa da Rússia e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, e pela mulher, Yulia Kashina, funcionária do município sadino.
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