“Principalmente no Alentejo, na zona de Beja, nos últimos cinco a seis anos, houve um ‘boom’ muito grande de chegada de mão de obra, com o desenvolvimento do Alqueva, com o desenvolvimento das culturas permanentes”, disse o presidente da Caritas Diocesana de Beja, Isaurindo Oliveira, referindo que os problemas com o acolhimento dos trabalhadores migrantes na agricultura são “de toda a ordem” e “de difícil solução”.
Em declarações à agência Lusa, Isaurindo Oliveira destacou o problema da habitação, em que a oferta é escassa no distrito de Beja, pelo que os migrantes ficam sujeitos a soluções “manobradas pelos angariadores de mão de obra”.
“Há depois as pessoas menos escrupulosas que têm um casebre qualquer e que alugam e, muitas vezes, isso é alugado à cabeça, […] alugam uma casa qualquer sem condições que está desabitada, mas como tem um teto, isto é utilizado, é uma maneira de negócio”, explicou o presidente da Caritas de Beja, referindo que o problema existe há anos, mas continua por resolver, até porque “o próprio Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não pode entrar nas casas assim”.
Sobre a falta de condições de habitação e de sobrelotação, o dirigente da organização humanitária considerou que em Beja “há uma certa passividade” quanto à situação dos migrantes, porque “toda a gente sabe que as condições de salubridade são escassas, que as condições de segurança muitas das vezes são escassas, mas depois as pessoas têm de viver”.
Responsável pelo Centro Local de Apoio à Integração dos Migrantes (CLAIM) de Beja, concelho da capital de distrito, a Caritas assume “um trabalho que é essencialmente passivo”, que abrange os municípios vizinhos de Aljustrel, Ferreira do Alentejo, Cuba, Alvito e Vidigueira, isto porque os restantes territórios têm outros CLAIM, inclusive Odemira com a participação da Taipa - Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado.
No âmbito da Caritas de Beja, os concelhos onde se regista mais pedidos de apoio por parte dos migrantes são Beja e Ferreira do Alentejo, para problemas de natureza administrativa, Segurança Social, saúde, emprego e alimentação, apontou Isaurindo Oliveira.
“Os problemas são tantos, tão complicados muitas das vezes, que é evidente que tudo isto que a gente faz, como costumo dizer, ‘não é mais do que uma pequena cócega num pelo dobrado'”, declarou o responsável, contabilizando cerca de 1.500 migrantes atendidos no CLAIM de Beja ao longo dos dois anos de funcionamento, desde 2019.
O presidente da Caritas de Beja reforçou que atuação da organização é passiva: “esperamos que os migrantes venham ter connosco, não temos nem autoridade, nem permissão, nem nada, por exemplo para poder ir junto dos agricultores, junto das explorações agrícolas, onde poderíamos ter mais algum contacto”.
“Aquilo que fazemos na maior parte dos casos é dar um ‘analgésico’, é resolver um problema pontual, porque depois o problema de fundo continua na mesma”, frisou.
Questionado sobre alertas e denúncias da Cáritas de Beja relativamente à situação dos migrantes, Isaurindo Oliveira confirmou que existem, sem avançar mais informação, inclusive quantos.
O responsável desta organização humanitária indicou ainda que “há muitos casos de violação dos direitos humanos”, responsabilizando desde logo as empresas de fornecimento de mão de obra que angariam os trabalhadores migrantes para o setor agrícola, realçando o valor mensal que é pago, que mesmo que seja o salário mínimo nacional depois é descontado outros valores, como o preço da habitação e do seguro de trabalho.
“As pessoas estão na mão de quem as angaria e depois vai tudo depender sempre da forma como essas pessoas trabalham, isto para não falarmos depois em questões de tráfico, porque isso passa-nos um pouco mais à margem, mas todos nós sabemos que essas situações também existem”, reconheceu o presidente da Caritas de Beja, lembrando que a maioria destes migrantes envia para os seus países de origem, para as suas famílias, uma parte significativa daquilo que auferem.
Portanto, aquilo com que ficam para viver também é pouco, acrescentou.
Sobre a falta de resposta para os problemas identificados, Isaurindo Oliveira referiu que “é muita gente e os meios que há de controlo são escassos”, e “o próprio SEF diz que estas empresas que fazem isto andam vários anos há frente da fiscalização”.
“Muitas das vezes deteta-se algo que está irregular e quando lá se chega já lá não está ninguém, já tudo desapareceu, já não se sabe de mais nada, portanto há todo um esquema que está aqui montado”, contou.
Criticando o “folclore” em torno da situação pandémica vivida em Odemira, o presidente da Caritas de Beja defendeu que a energia demonstrada deve ser canalizada na resposta aos problemas dos migrantes, manifestando preocupação quanto à possibilidade de, depois de recuperados os casos positivos da covid-19, o assunto “entrar no esquecimento outra vez”.
Duas freguesias do concelho de Odemira (São Teotónio e Longueira/ Almograve) estão em cerca sanitária por causa da elevada incidência de covid-19 entre os imigrantes que trabalham na agricultura e que vivem em condições precárias.
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