No dia 22 de novembro, Adam Fisher, líder do escritório de Israel da Bessemer Venture Partners, uma empresa que ajuda empreendedores a lançar empresas, fez uma apresentação sobre como os “líderes, investidores e empreendedores de alta tecnologia” dos EUA, como ele próprio, poderiam ajudar as forças de defesa de Israel a vencer a “guerra de informação” nas redes sociais. A porta-voz das Forças de Defesa israelitas (IDF), Major Libby Weiss, que anteriormente trabalhou como chefe da comunicação social internacional da mesma organização e como porta-voz oficial para jornalistas americanos e canadianos, apresentou-se em uniforme militar ao grupo momentos antes de Fisher.
"Ridicularizar funciona"
Ao longo de vários slides da apresentação, que também continha as suas próprias partilhas nas redes sociais, Fisher deu exemplos das estratégias que seguiu para “criticar e ridicularizar” utilizadores relevantes da rede social X (antigo Twitter) que simpatizavam com palestinianos. Num slide intitulado “Ridicularizar funciona”, entre os exemplos de “ridicularizar” estavam nomes como o da analista política palestino-americana Mariam Barghouti, a deputada da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos Rashida Tlaib, e, na mesma lista, apresentava o nome de Paddy Cosgrave, fundador e ex-CEO da Web Summit, assumindo crédito pelas críticas online que levaram à sua demissão do cargo.
Recorde-se que Paddy Cosgrave se demitiu da presidência executiva da Web Summit, na sequência de declarações que fez na rede social X (antigo Twitter) sobre o conflito entre Israel e o Hamas e das reações que se seguiram. Cosgrave demitiu-se no dia 21 de outubro, tendo sido substituído pela antiga diretora da Wikimedia Foundation, Katherine Maher.
Nesta apresentação, foi ainda detalhado como é importante ter uma abordagem suave e ocasional nas redes sociais, que seja apropriada para neutralizar críticas e aproveitar potenciais aliados, detalhando os diferentes tipos de pessoas a serem envolvidas nesta narrativa: “Os impressionáveis”, que são “tipicamente jovens, apoiam reflexivamente os fracos, opõem-se ao opressor”, mas “não têm realmente conhecimento”; os “simpatizantes desconfortáveis”, um grupo que “quer apoiar Israel – são tipicamente mais liberais”, mas que se opõe ao atual governo liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu; e, por último, aqueles que são "reflexivamente pró-Israel, uma espécie de 'Israel, certo ou errado'", ou seja, "na verdade, não têm muito conhecimento", então precisam de estar equipados com os factos certos para torná-los “mais eficazes na defesa de Israel”.
Fisher sublinhou repetidamente a necessidade de oferecer informações precisas e diferenciadas para refutar os críticos das ações de Israel. No entanto, por vezes, ofereceu a sua própria desinformação, como a sua afirmação de que organizações de direitos humanos “anti-Israel” como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch “não condenaram o massacre de 7 de outubro”.
A descrição deste episódio faz parte de uma investigação mais alargada que foi publicada num artigo da newsletter de tecnologia "All-Source Intelligence Fusion" assinado pelos jornalistas de investigação Jack Poulson e Lee Fang. No artigo é detalhada a existência de um conjunto de chamadas de Zoom lideradas pelo governo israelita, registos de conversas na rede social WhatsApp, bem como outros documentos, desencadearam um trabalho para "moldar o discurso online e silenciar as vozes pró-palestinianas".
Um grupo de WhatsApp para juntar investidores e tecnólogos no conteúdo pró-Israel
A investigação começa por apontar que existia, a 7 de outubro, um esforço ativo para convencer um conjunto de forças no setor tecnológico de Silicon Valley a fazer uma coordenação com as forças pró-Israel. Depois do primeiro ataque do Hamas, uma "rede espalhada de investidores, executivos tecnológicos e ativistas pró-Israel, bem como funcionários do governo israelita, intensificaram os seus esforços para combater os mais pequenos desvios do guião pró-Israel", escrevem os autores.
Detalham também como um grupo de WhatsApp com mais de 300 investidores influentes no setor tecnológico foi o centro de partilha de conteúdo pró-Israel. "Obtivemos acesso a milhares de mensagens do WhatsApp do grupo que datam de meados de outubro e a uma spreadsheet complexa onde os participantes do grupo solicitam e reivindicam tarefas que vão desde respostas nas redes sociais até remessas de apoio às IDF", refere a investigação.
"Separadamente, assistimos a uma série de videoconferências que traçam as melhores práticas para 'hasbara' – um termo israelita para 'diplomacia pública' que os detratores veem como um eufemismo para propaganda – que oferecem uma janela para as relações-públicas de Israel que não se limita ao setor tecnológico", acrescentam.
Entre os membros deste grupo estão figuras como Batsheva Moshe, gerente da Wix, empresa de criação de sites israelita, Jeff Epstein, ex-CFO da Oracle, e Andy David, um diplomata e capitalista de risco que também atua como chefe de inovação, empreendedorismo e tecnologia do Ministério das Relações Exteriores de Israel.
O grupo de WhatsApp, oficialmente denominado “J-Ventures Global Kibbutz Group”, é um projeto da J-Ventures, um fundo de investimento EUA-Israel que se autodenomina como um “kibutz capitalista” – uma referência às comunidades agrícolas de Israel. O fundador do grupo, Oded Hermoni, um jornalista de tecnologia, é também o diretor administrativo da J-Ventures.
O grupo do WhatsApp permite assim obter vários registos de como Israel e os seus aliados americanos aproveitam o influente setor tecnológico e a diáspora tecnológica de Israel para dar cobertura ao Estado judeu, enquanto enfrentam o escrutínio sobre o impacto humanitário da invasão de Gaza.
De acordo com a investigação, as táticas utilizadas nestes fóruns são várias e vão desde influenciar a perseguição aos críticos de Israel nas redes sociais, demitir funcionários pró-Palestina e cancelar palestras, difamar jornalistas palestinianos e tentar enviar equipamento militar para as Forças de Defesa de Israel.
A investigação continua e expõe todo um conjunto de tentativas de lobbying das autoridades israelitas dentro do mundo da tecnologia.
O antigo CEO da Web Summit, Paddy Cosgrave, partilhou já no dia de hoje esta investigação na sua página da rede social X.
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