CP. A anormalidade das bilheteiras papa moedas. E notas, o que é ainda pior

A CP - Comboios de Portugal registou cerca de 1.800 pedidos de reembolso associados a situações com máquinas de venda automática (MVA) de títulos de transporte em 2021 - os números relativos a 2022 ainda não estão disponíveis. Pode parecer pouco, sobretudo quando pensamos no número de passageiros transportados nesse ano: 99 milhões a nível nacional, dos quais 75 milhões nos comboios urbanos de Lisboa.

Mas a realidade é outra. São muito poucos os que se dão ao trabalho de reclamar por valores baixos, normalmente moedas até dois euros engolidas pelas MVA. Desconcertante, mas não o suficiente para perder ainda mais tempo e dinheiro com a burocracia exigida para recuperar os montantes em causa. Que, no total, são uma renda para a CP - que não diz quanto ganha indevidamente por ano desta maneira.

M, menor de idade, passou por esse stress a caminho de uma consulta médica urgente no Hospital de S. Francisco Xavier. O bilhete de comboio deveria custar 1,35€, mas, quando colocou a nota de 10,00€ na única máquina automática disponível na estação, não viu troco. Nem bilhete.

Ainda pediu ajuda na bilheteira - normalmente encerrada, mesmo dentro do horário afixado para atendimento ao público -, explicou a situação, mas em resposta obteve apenas um formulário de "Pedido de Reembolso". E foi tudo. M, que teria ainda de tomar e pagar um autocarro da estação de Algés para o hospital, acabaria por ir a pé).

A CP explicaria mais tarde que, "perante uma reclamação presencial de um cliente devido a retenção de dinheiro por uma Máquina de Venda Automática (MVA), o colaborador da bilheteira deve recolher os dados necessários sobre a situação, solicitar o preenchimento do formulário de Pedido de Reembolso e efetuar a consulta do sistema de monitorização das MVA para verificar se existe registo de alguma ocorrência correspondente".

Ainda, "tendo em consideração a informação disponível, caso haja a possibilidade de se resolver o problema, o colaborador dirige-se à máquina para desencadear os procedimentos necessários e verificar se o valor se encontra retido". Nada disto foi feito. "Se o valor for encontrado, solicita ao cliente a assinatura do documento e entrega o valor em causa".

A CP afirma que "compreende a insatisfação do cliente perante a situação" descrita, mas acrescenta que, "infelizmentenão é possível comprovar a veracidade de todas as situações. Se não existisse qualquer forma de controlo, estas situações poderiam ampliar-se de forma mais grave".

Assim, o ónus da prova recai sobre o cliente. E, como entre a entrega do formulário/reclamação e o recebimento da quantia devida podem mediar 15 dias úteis - imagine-se como será no caso dos turistas estrangeiros e das máquinas de venda automática existentes, por exemplo, no Cais do Sodré (as mesmas seis há anos) - muito poucos se dão ao trabalho de reclamar.

O parque de MVA em utilização nas estações de Lisboa entrou em funcionamento em 2009, e a empresa pública assegura que "cumpre os planos de manutenção preventiva e corretiva, e monitoriza o seu funcionamento, de forma a garantir a sua operacionalidade. São, no entanto, equipamentos de utilização intensiva, pelo que podem registar alguns problemas, que são corrigidos quando detetados".

E adianta que "no âmbito da modernização dos sistemas de venda, a compra de novos equipamentos está a ser planeada, bem como a disponibilização da venda de bilhetes para os comboios urbanos de Lisboa através dos canais digitais da CP".

Enquanto isso, talvez magoasse menos, para usar uma expressão tão em voga, se a CP, pelo menos enquanto não melhora a qualidade das máquinas em questão, criasse com este dinheiro um fundo para ajudar instituições de solidariedade social. Fica a sugestão.

PSP. Como uma multa de 120 euros se transforma em 120 mil

A carta chegou por correio. Não era de amor, era uma coima da PSP  no valor de 120 euros, aplicada por excesso de velocidade.

Antes de avançar, um parêntesis para dizer que multa e coima não é a mesma coisa; a primeira é mais grave, tem natureza criminal, enquanto a coima é meramente contraordenacional. As entidades que as aplicam também não são as mesmas: no caso da multa, a decisão sobre a pena a aplicar cabe ao tribunal, enquanto a coima pode ser aplicada por uma entidade administrativa. Foi o caso.

Bendita SIBS, desde 1996 que os pagamentos ao Estado (impostos, taxas, custas judiciais, penhoras, contribuições para a Caixa Geral de Aposentações e até obtenção de licenças de caça e de pesca), podem ser feitos por Multibanco. Entidade, referência e valor e... já está. Ou não.

Se há caixas multibanco em que é preciso pressionar os números com tanta força que só à "marretada", outras há tão sensíveis que pressionando uma vez geram repetidamente determinado número. Aqui, em vez de um zero foram quatro, e uma conta de 120 euros transformou-se em 120.000.

Podia não ser possível, mas digo-lhe que é. E sem maneira de emendar a mão. Muitas vezes a culpa pode até não ser da caixa multibanco e ficar a dever-se a uma distração de quem marca o valor. O normal, no entanto, é não conseguir fazer um pagamento se colocar um cêntimo a mais ou um cêntimo a menos.

Acontece que as coimas da PSP vêm com as referências do valor em aberto, o que significa que é possível introduzir qualquer montante, independentemente daquele que vem descrito. Neste caso, em vez de 120 euros, 120 mil euros. Simples.

Por norma, a entidade em questão, uma pequena empresa, nem teria esse dinheiro na conta, o que desde logo inviabilizaria o pagamento. Mas, coincidência das coincidências, nesse mesmo dia um cliente fez um grande depósito para pagar uma dívida antiga - e daí deveria sair o dinheiro para pagar salários e subsídios de Natal, agora comprometidos.

Aceite o pagamento feito por Multibanco, restou um telefonema de urgência para o número indicado na carta. Resposta do serviço do outro lado da linha: "Ah, não imagina a quantidade de vezes que isso acontece".

A devolução do dinheiro, que pode levar mais de um mês, acabaria por ser feita Câmara Municipal de Lisboa. Um processo que poderia ter sido evitado desde o início se a referência fosse fechada e teria poupado trabalho (e um grande susto) a muita gente.

IRN. De Toulouse a Cascais para mudar morada no Cartão de Cidadão

A história conta-se em poucas linhas. C é português e vive há cinco anos nas proximidades de Toulouse, em França. Agora, devido a uma reorganização local, o seu endereço foi alterado e, para manter os documentos em ordem, quis alterar a morada no Cartão de Cidadão.

Parece simples? Parece, mas não foi. Depois de perguntar o que teria de fazer para alterar a morada no Cartão de Cidadão, foi dito a C que teria de se dirigir ao Consulado de Portugal em Bordéus ou, em alternativa, a uma Loja do Cidadão em Portugal. Ah, querida diáspora.

Com Bordéus a mais de 250 quilómetros de distância e três horas de caminho, C optou por vir a Portugal (um voo low cost sempre sai mais barato e aproveita-se para ver a família).

Mas nem por isso as coisas ficaram mais fáceis. Marcado atendimento para a Loja do Cidadão de Cascais, nas traseiras do tribunal, é informado por uma funcionária de que não é possível alterar a morada, terá de fazer um Cartão de Cidadão novo.

Uma informação no mínimo estranha, já que uma consulta ao Portal de Serviços Públicos indica como alterar a morada no Cartão de Cidadão "de forma fácil e rápida". E, acrescento, barata. Nada disto, no entanto, implica um documento novo.

Aliás, a alteração de morada, de acordo com o site, é gratuita se feita através da Internet ou num Espaço Cidadão, e custa 3€ (três euros) nos balcões de atendimento nas Lojas do Cidadão. C pagou 33€ (mais a deslocação a Portugal).

Porquê? Porque os funcionários públicos são quem mais ordena e assim ditou a funcionária que lhe calhou em sorte: "Tem de fazer um Cartão de Cidadão novo". Renovar o Cartão de Cidadão tem um custo de 18€ e o prazo médio de entrega ronda os sete dias úteis. Neste caso havia urgência (três dias) e, por isso mesmo, o custo subiu para 33€.

C tem agora não um, mas dois cartões de cidadão, ambos a caducar dentro de oito anos, altura em que completará 70 anos de idade. Tudo porque ninguém se lembrou de lhe pedir o documento antigo. "Poderia vender um a um árabe, porque, pela qualidade da fotografia, sou igual a tantos que conheço por lá. Mas com isso ninguém se preocupou", ironiza.

IMT. Impedido de renovar carta de condução em Portugal por ter morada no estrangeiro

Miguel foi impedido de renovar a carta de condução, que tirou em Portugal em 1992, por estar a residir no estrangeiro (e, por isso, não ter morada em Portugal, mas sim noutro país).

"É o que diz a lei". A resposta que obteve para não o deixarem renovar a carta de condução não foi suficiente e, inconformado com o veredicto, reclamou ali mesmo, de boca e no Livro de Amarelo (reclamações). Queria uma solução "lógica" e não uma resposta "burocrática e imbecil de quem legislou sobre esta medida". É assim porque sempre foi assim já não serve.

O resultado foi para Miguel o motivo pelo qual "não nos devemos calar frente a respostas idiotas". Tardou quase um mês, mas chegou. Depois de presencialmente negar a renovação da carta por "assim dizer a lei", a resposta à sua reclamação escrita dava-lhe razão: 

"Em resposta à reclamação efetuada por V. Exa. no livro amarelo desta instituição [...] após reanálise e apreciação da mesma, cumpre informá-lo que lhe assiste razão no que diz respeito à revalidação da carta de condução portuguesa com residência nos Estados Unidos da América. Para o efeito poderá dirigir-se ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) por forma a ser dado seguimento ao pretendido. Reitera-se a informação que pode conduzir em Território Nacional com o seu título de condução dos Estados Unidos".

Os serviços pediram ainda "desculpa pelo lapso que originou a reclamação", mas o tempo perdido, a dor de cabeça e a chatice de andar para trás e para a frente com uma coisa aparentemente simples não desapareceu.