“Com a questão da pandemia e com os confinamentos, muitas grávidas ganharam peso, porque estiveram mais inativas. As academias e os ginásios estiveram fechados e elas tiveram maior dificuldade em controlar o seu peso corporal, sentiam-se mais ansiosas, mais stressadas e acabavam por ter uma maior ingestão energética", relatou Inês Tomada, nutricionista e doutorada em Metabolismo pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Em entrevista à agência Lusa no âmbito do Dia Nacional da Luta Contra a Obesidade, que se assinala hoje, 22, em Portugal, Inês Tomada, que dá consultas no Hospital da Lapa do Porto e é docente da Universidade Católica em Nutrição Pediátrica, explicou que os confinamentos deram mais tempo às grávidas para ler sobre as evidencias científicas dos primeiros 1.100 dias de vida do bebé (que engloba o período preconcecional, toda a gestação, primeiro e segundo anos de vida), e que vão modelar “toda a saúde futura” dos recém-nascido.
“Verifica-se uma maior sensibilidade das mulheres para procurarem uma alimentação mais saudável, mais adequada para promoverem a saúde dos seus bebés. Há uma maior sensibilização, porque as pessoas estão mais atentas a todos os aspetos em torno da saúde e há uma maior procura de ajuda”, nota a especialista.
Os bebés macrossómicos, ou seja, bebés com peso superior a quatro quilos e com percentil acima dos 90, nascem com excesso de peso e esse fator vai perpetuar essa obesidade na sua infância, adolescência e depois serão adultos com obesidade, explica.
A possibilidade de haver consultas ‘online’ também promoveu um aumento da procura das mamãs para receberem ajuda dum profissional na área das ciências da nutrição, considerou a nutricionista Jacqueline Rodrigues.
Jacqueline Rodrigues, licenciada na Universidade do Porto com especialização em Nutrição Materno Infantil e Programação Metabólica Fetal, conta que registou na sua prática clínica em 2020 e 2021 um aumento entre 20% a 30% no número de consultas com grávidas em busca de ajuda para lutar contra o aumento de peso nos confinamentos.
“Tive um incremento de solicitações em 2020 e agora em 2021. [As grávidas] tiveram essas dificuldades, porque a ansiedade impactou muito essa fome, ou pelo menos na sensação de fome, e que eu tenho trabalhado muito com elas esse tema, porque estão dentro de casa e acham que estão sempre com fome, quando na realidade não é fome”, explica, referindo que teve grávidas a pedir ajuda por estarem acima do peso e depois engravidaram “e justamente, e teve grávidas que querem fazer prevenir da obesidade.
Ana Barcelos, 41 anos e grávida de 27 semana, conta que engordou dois quilos logo no primeiro mês e meio de gestação e que só lhe apetecia comer ‘fast-food’, principalmente pizza.
Com o sedentarismo no confinamento e o peso a aumentar, Ana Barcelos decidiu procurar ajuda especializada duma nutricionista, porque estava com medo de ganhar demasiado peso.
“Por causa da minha idade [41 anos] e com a questão da covid-19 acabei por estar mais tempo em casa e a ter uma vida mais sedentária. Senti necessidade de ter um guia nutricional”, conta.
Após algumas consultas ‘online’ com uma nutricionista, Ana Barcelos revela que passou a levar “à letra” o plano da divisão do prato por porções, e com essa consciência apenas aumentou cinco quilos, estando na vigésima sétima semanas de gestação.
“Aprendi a comer melhor e a conhecer os alimentos”, desabafa, recordando que agora opta por merendas com "frutos secos e iogurte" ou uma "peça de fruta e meio pão". Quando está “desconsolada” em vez de comer doces, opta por “‘snacks’ saudáveis”, sendo que um dos seus favoritos são as “tostas de arroz com uma camada fina de chocolate negro”.
A prevenção da obesidade nos primeiros 1.100 dias de gravidez deve ser uma informação passada à grávida nessas consultas de nutrição, defende Inês Tomada.
“Tudo aquilo que acontece no ventre materno acaba por ser determinante da saúde da criança” e, sabe-se que, quer seja o “excesso nutricional”, ou o “défice de nutrientes”, vão originar uma “série de alterações em genes associados ao aumento do risco da obesidade e ao aumento de risco de doença cardio-metabólica e alguns tipos de cancro (cancro da mama, por exemplo). Essas alterações são transmitidas à criança e podem comprometer as gerações futuras”.
Sofia Ramalho, 30 anos, com 38 semanas de gestação, recorreu às consultas para ter um maior controlo do peso e prevenir problemas de saúde no seu bebé, consciente que os primeiros 1.100 dias do bebé são fulcrais para modelar a sua saúde futura.
“Ter estas consultas durante a pandemia ajudaram a manter-me no caminho certo. Assim que engravidei decidi fazer consultas de nutrição como prevenção e precaução do excesso de peso”, realça Sofia Ramalho, revelando que agora no final da gravidez “tem tido ainda mais cuidado com o que come, para precaver um aumento exponencial do bebé”.
Em entrevista à Lusa, a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, assinala que apesar do número de crianças obesas e com excesso de peso ter baixado de forma “consistente” em Portugal desde 2008 a 2019, a verdade é que ainda não há dados do ano de 2020, ano da pandemia, temendo que haja uma inversão na tendência.
Dados do COSI (Childhood Obesity Surveillance Iniciative) em Portugal, estudo coordenado cientificamente e conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e pela Direção-Geral da Saúde e que descrevem a evolução do estado nutricional da população escolar portuguesa entre os seis e os oito anos, desde 2007/2008 a 2018/2019, indicam que a obesidade baixou 3,3% (15,3% para 12,0%) e 8,3% (de 37,9% para 29,6%) no excesso de peso.
Segundo Alexandra Bento, a Ordem dos Nutricionistas fez recomendações para a realização de consultas de nutrição à distância e, por isso, é natural que as consultas online tenham aumentado nos confinamentos.
Um resumo do Inquérito Nacional de Saúde de junho de 2020 revela que mais de metade da população portuguesa com 18 e mais anos (4,6 milhões) continuava a ter excesso de peso (36,6%) ou obesidade (16,9%) em 2019, verificando-se um ligeiro aumento em relação a 2014 (36,4% de excesso de peso e 16,4% de obesidade).
De acordo com a Sociedade Europeia de Endocrinologia, a obesidade está a tornar-se o problema de saúde “mais prevalente a nível mundial, vivendo mais de metade dos europeus com excesso de peso ou obesidade, uma realidade que também se aplica a Portugal”.
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