Portugal vive uma “trajetória descendente da epidemia”, tendo o pico de infeções sido registado a 29 de janeiro, com 1.669 casos por 100 mil habitantes, revelou André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde (DGS). Em causa estão os números relativos à incidência das infeções pelo vírus responsável pela covid-19 a 14 dias por cada cem mil habitantes.

Assim, nos últimos dias "tivemos uma consolidação desta tendência decrescente", contrastando com o cenário na última reunião do Infarmed, a 9 de janeiro, quando a curva da incidência estava a subir.

Já o pico da mortalidade terá sido atingido na primeira semana de fevereiro, depois de ter chegado, em janeiro, a um aumento de "quase três vezes em relação ao pico de dezembro", refere ainda o especialista.

No caso das hospitalizações totais, surge a "indicação de um pico", o que não acontece no caso das unidades de cuidados intensivos (UCI), onde o pico ainda se está a formar "sem tendência definida".

Todavia, o especialista da DGS alerta que o país continua com um número de casos "extremamente elevado". Apesar disso, afirma que o confinamento agora em vigor pode ser suficiente  para travar a propagação da doença.

Apoiado por um mapa, sobre a variante britânica, André Peralta Santos mostra que “há um maior foco na área de Lisboa e Vale do Tejo, com um foco no Alentejo litoral, na região de Coimbra e a Norte menos prevalente”.

Mais dois meses de confinamento é essencial para aliviar os cuidados intensivos

Na apresentação realizada na reunião do Infarmed (Lisboa) entre especialistas e políticos, o responsável pela Unidade de Investigação Epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, Baltazar Nunes, enfatizou a importância das medidas de restrição aplicadas em meados de janeiro, que se traduziram numa “redução muito mais acentuada da transmissibilidade” do vírus SARS-CoV-2.

“Estávamos com um Rt máximo de 1,24 no dia 4 de janeiro e foi possível trazer o Rt para baixo de 1, estimado para 0,78 para o último dia de análise, no dia 3 de fevereiro”, declarou Baltazar Nunes.

Perante estes dados, o investigador do INSA sublinhou que um prolongamento destas medidas por mais dois meses será essencial para aliviar o nível de ocupação nas unidades de cuidados intensivos dos hospitais e também diminuir o nível de incidência acumulada a 14 dias, que segundo Baltazar Nunes, “ainda se encontra a níveis considerados extremamente elevados”.

“Precisamos de manter estas medidas de confinamento por um período de dois meses para trazer o número de camas ocupadas em cuidados intensivos abaixo das 200 e a incidência acumuladas a 14 dias abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes”, explicou.

Baltazar Nunes, que falava sobre a evolução da incidência e transmissibilidade da covid-19, revelou que "o R se encontra abaixo de 1 em todas as regiões do continente e nos Açores, estando apenas na Madeira com um valor de 1,13, que indica uma fase de crescimento. Podemos ainda verificar que a redução é clara".

Em janeiro, a incidência do vírus foi mais forte nos jovens adultos, entre os 25 e os 30 anos, e nos mais velhos, com 80 anos ou mais.

Portugal é, na União Europeia, o país que mais reduziu a mobilidade. "No dia 1 de janeiro, Portugal estava entre os países com maior mobilidade. A 15 de janeiro reduz um bocado, mas ainda está nos países com maior mobilidade", descreve Baltazar Nunes.

"Neste momento os países com mobilidade mais reduzida são Áustria, Reino Unido, Holanda e Irlanda. Mais recentemente, a partir de 19 de janeiro — quando as medidas são introduzidas — começámos a ver que Portugal passa para os países com redução de mobilidade e, atualmente, Portugal é o país com uma redução de mobilidade mais acentuada na União Europeia, com uma diminuição na ordem dos 66%", disse.

120 mil casos da variante britânica — mas abaixo da curva projetada

João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Pública Dr. Ricardo Jorge, explicou as variantes do vírus responsável pela covid-19 e descreve que Portugal tem sido "assolado" pela britânica.

Para João Paulo Gomes, as medidas de restrição da pandemia atualmente em vigor levaram ainda a uma quebra na propagação desta variante no país, não confirmando as piores projeções traçadas na anterior reunião no Infarmed, em 12 de janeiro, quando a prevalência desta variante rondaria ainda apenas os 8%.

Entre dezembro e fevereiro, circularam em Portugal 120 mil casos desta variante do Reino Unido. Ainda assim, o pior cenário não se deverá concretizar: para a próxima semana estava projetado que 65% dos casos seriam causados por esta variante. Todavia, "desviámo-nos completamente da curva projetada na altura”, explica João Paulo Gomes.

“São ótimas notícias”, disse.

A apresentação de João Paulo Gomes contou também com uma análise específica da segunda semana de janeiro, na qual, segundo os dados indicados, 16% dos casos de covid-19 estavam associados à variante do Reino Unido, tinham sido detetados dois casos com a variante com origem na África do Sul e registava-se uma surpreendente prevalência de 6,8% de uma mutação associada à ‘variante da Califórnia’.

“Não estávamos à espera deste resultado. Estaremos atentos para perceber se ela continuará a disseminar-se. Vamos reforçar a vigilância”, sintetizou.

3 mil casos diários de infeção dentro de duas semanas

Manuel Carmo Gomes estimou na reunião do Infarmed esta manhã que dentro de 14 dias veremos "uma redução para metade do número de casos", para cerca de 3 mil casos por dia.

Antes, o epidemiologista referiu que em janeiro — "um mês que foi muito mau em termos de saúde pública" em que "andámos atrás da epidemia" — os grupos com maior risco de infeção foi o de 18-24, seguido do grupo +80 anos.

Manuel do Carmo referiu que assistimos a um "estacionamento da velocidade de contágio" entre 15 e 22 de janeiro, tendo assistido depois a uma suave descida. A grande desaceleração da velocidade de contágio dá-se de forma mais visível a 28-29 de janeiro, fruto das medidas mais restritivas de confinamento adotadas a 21 de janeiro.

Caso estas medidas não tivessem sido adotadas, teríamos um pico de infeções mais tardio e mais alto, referiu.

Para o especialista "a resposta gradual [à pandemia] é insuficiente" e urgiu a medidas mais agressivas de combate ao vírus.

Salientando a importância da testagem para garantir que um eventual desconfinamento não leva ao descontrolo da pandemia no país, Manuel do Carmo colocou algumas linhas vermelhas a partir das quais se devem tomar medidas mais fortes: "Não ter um R que não ultrapasse 1,1 durante demasiados dias; uma percentagem de testes positivos que não permita à positividade chegar aos 10%, mas andar nos 5%; e uma incidência que não ultrapasse aquilo que as autoridades de saúde considerem ser a capacidade do Sistema Nacional de Saúde dar resposta a doentes covid e doentes não covid".

Na sua estimativa, em termos práticos, estamos a falar de um cenário que ultrapasse os 2000 novos casos por dia, cerca de 1500 hospitalizações, dos quais 200 pessoas em Unidades de Cuidados Intensivos.

É preferível ter duas semanas de confinamento mais restritivo do que seis ou sete semanas, defendeu.

70% da população vacinada até ao final de setembro; 3500 vidas salvas

O especialista Henrique de Barros adiantou que neste momento se está a trabalhar com uma estimativa que prevê que 70% da população esteja vacinada até ao final de setembro, o que significava ter dois milhões de pessoas vacinadas até ao final de abril e cerca de 5 milhões de pessoas até entre maio e setembro.

Neste cenário — e com 90% de eficácia da vacinação — poderão salvar-se 3500 vidas até ao final do verão.

Segundo o epidemologista, no dia em que se iniciou a vacinação cerca de 1 milhão de portugueses já tinham sido infetados e estavam imunes, mas esta é uma "perspetiva conservadora", disse, adiantando que o valor mais real será na ordem de um milhão e meio.

Salientando que um reforço da capacidade de vacinação teria um papel fulcral na gestão dos recursos de saúde, o especialista adiantou que uma aceleração neste processo pode significar que "podemos imaginar-nos a sair da situação atual no final de verão".

"Estamos no momento de estrangulamento de disponibilidade de vacinas"

"Estamos no momento de estrangulamento de disponibilidade de vacinas. A cadeia logística começa com a disponibilidade de vacinas, depois elas são distribuídas e depois são administradas. O problema que Portugal enfrenta neste momento é uma dificuldade de disponibilidade de vacinas ou aquisição de vacinas. Não é o problema nem da distribuição, nem da sua administração que não tem sido perturbada, mas sim a disponibilidade que tem de vacinas", começou por dizer o vice-almirante Henrique Gouveia Melo, coordenador da task force que coordena o plano de vacinação contra a covid-19.

Gouveia Melo revelou que Portugal recebeu já 503 mil vacinas, 43 mil das quais foram distribuídas nas região autónomas dos Açores e da Madeira e 460 mil dirigidas ao continente. "Destas 460 mil que estão no continente, já foram administradas 400 mil vacinas, estando em reserva 60 mil. Há a necessidade de constituir sempre uma reserva de vacinas para as segundas doses, prevendo a hipótese de o fluxo de vacinas se quebrar ou as vacinas não chegarem ao país, portanto para não comprometer a segunda dose", sublinhando que a 8 de fevereiro já havia "106 mil pessoas totalmente vacinadas".

Num plano que se baseia em três grande prioridades, "salvar vidas, (...) conferir resiliência ao Estado, conferindo primeiro a resiliência ao serviço de saúde e depois às outras funções do Estado, e (...) libertar a economia", os dois primeiros grupos do processo de vacinação englobam cerca de 1,14 milhões de pessoas, a que se somam outras 235 mil relativas a serviços essenciais do Estado. Sem criar falsas ilusões, Gouveio Melo afirmou que "com estes dois grupos, não vamos conseguir com as vacinas que temos terminar a primeira fase antes de 31 de março" revelando que Portugal vai "prolongar para abril este período com as vacinas que estão disponíveis e que estão a chegar", sublinhando uma vez mais que este "não é um problema de administração, nem da velocidade de administração, nem um problema logístico, é um problema de vacinas na chegada a Portugal".

O coordenador da task force revelou ainda que estão a ser administradas, em médica, cerca de 22 mil vacinas por dia, "uma média que não exige soluções para além das soluções que estão estabelecidas e perfeitamente adequadas dentro do Serviço Nacional de Saúde". No entanto, no "segundo trimestre essa média vai alterar-se, vai subir para quatro vezes mais porque haverá praticamente quatro vezes mais vacinas disponíveis". Nessa altura admite-se que o processo de vacinação seja alargado a outros agentes, sendo a criação de postos de vacinação rápida uma das possibilidades em cima da mesa.

"Com esta previsão de vacinas, se as vacinas chegarem ao ritmo não a que foram contratadas, mas a que estão previstas, apesar das limitações que existem no mercado internacional, e se conseguirmos administrar todas estas vacinas que chegam a território nacional em tempo, o que não será um problema porque acho que há a capacidade organizativa e a capacidade administrativa para fazer este processo de vacinação, deveremos atingir os 70% da população entre o final de agosto e o início de setembro. Isto é uma boa notícia relativamente à disponibilidade de vacinas que existem no país. Devemos terminar a população toda ainda este ano na altura de dezembro", afirmou o vice-almirante.

Marta Temido afirma que "atual confinamento tem de ser prolongado por mais tempo"

No fim da reunião do Infarmed, a ministra da Saúde, Marta Temido, falou aos jornalistas apresentando as conclusões da reunião.

A primeira, informou, é que "resultante do atual nível de confinamento, que está a produzir efeitos, não só em termos do número de novos casos como a incidência que está a decrescer desde há alguns dias e esperamos que venha a manter-se".

Por outro lado, destacou, tem-se verificado "uma tendência decrescente do número de hospitalizações e de utilização de UCI e óbitos, embora estes dois indicadores numa forma mais atrasada".

Marta Temido afirmou ainda que o confinamento está a ter impacto nas estimativas do Instituto Ricardo Jorge em relação à circulação da variante do Reino Unido.

A ministra informou que ficou “claro que quanto maior é a intensidade do confinamento mais rápida é a redução do risco efetivo de transmissão”, perante os resultados das primeiras e segundas medidas do confinamento.

“Apesar destas medidas estarem a produzir resultados, é bastante evidente que o atual confinamento tem de ser prolongado por mais tempo, desde já durante o mês de fevereiro, e depois sujeito a uma avaliação. Mas provavelmente por um período que os peritos hoje estimaram como 60 dias a contar do seu início”, acrescentou.

“A situação epidemiológica que é ainda de um elevado número de novos casos por dia, que precisamos de continuar a contrariar e manter a estabilidade dos resultados alcançados”, explica a ministra. O objetivo é ter “uma ocupação de unidades de cuidados intensivos abaixo das 200 camas e uma incidência acumulada a 14 dias abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes” e os 60 dias a contar do início do confinamento geral será, segundo os peritos, o período temporal indicado para alcançar esses números.

Relativamente à confiança dos portugueses no processo de vacinação, informou que há uma intenção elevada por parte da população portuguesa de receber a vacina, mas salientou que há que ter em conta a “escassez de vacinas”.

A ministra destacou ainda a necessidade de “voltar a investir no alargamento da testagem", defendendo a “ação decisiva sobre alargamento de testagem, designadamente a massificação dos testes rápidos para rapidamente perceber o estado de circulação da infeção na população”.

Além disso, reiterou a necessidade de manter a incidência baixa e monitorizar as novas variantes, através da testagem e sequenciação genómica das variantes.

Questionada sobre a capacidade de o país testar massivamente, a ministra explicou que “os critérios de realização de testagem são definidos pela DGS [Direção-Geral da Saúde]”, mas que “devemos insistir junto do critério técnico do alargamento da testagem”, exemplificando que deve ser feita a testagem de contactos, independentemente do grau de risco. Algo que, segundo indica, já foi pedido pelo Ministério da Saúde.

No entanto, explicou que os testes não são uma alternativa ao confinamento, mas que ajudam no controlo da infeção, identificando também os indivíduos assintomáticos.

A ministra da Saúde confirmou, no final da reunião, a saída que Manuel Carmo Gomes vai deixar de integrar o grupo de epidemiologistas das reuniões no Infarmed "por razões profissionais", o anúncio foi feito pelo primeiro-ministro.

Marta Temido explicou ainda que a situação não está relacionada com as posições críticas de Manuel Carmo Gomes em relação à estratégia do Governo no combate à covid-19, até porque vai continuar a acompanhar o grupo, mas sem “apresentações presenciais”, e recordou que o especialista é membro da comissão técnica de vacinação, tratando-se também  de “uma questão de agenda”.

Reunião em formato misto

No Infarmed, em Lisboa, estiveram presentes a maioria dos epidemiologistas e a ministra da Saúde, Marta Temido. Os restantes participantes, Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Ferro Rodrigues, os membros do Conselho de Estado e parceiros sociais, acompanharam a reunião por videoconferência.

Durante esta tarde iniciam-se, também por videoconferência, as audiências do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aos partidos com assento parlamentar, um passo que tem antecedido a renovação do estado de emergência. Hoje serão ouvidos os representantes da Iniciativa Liberal, do Chega, do PEV, do PAN e do CDS-PP.

Portugal continental entrou num novo confinamento geral no dia 15 de janeiro, com os portugueses sujeitos ao dever de recolhimento domiciliário, em que apenas se prevê deslocações autorizadas num quadro muito limitado, para comprar bens e serviços essenciais ou desempenho de atividades profissionais.

Inicialmente, o Governo manteve as escolas com o ensino presencial, mas corrigiu essa decisão na semana seguinte e suspendeu as aulas de todos os graus de ensino face ao continuado agravamento da situação epidemiológica do país.

O Governo determinou a obrigatoriedade do teletrabalho, sempre que as funções em causa o permitam, sem necessidade de acordo das partes, prevendo que o seu incumprimento seja considerado uma contraordenação muito grave.

Ao fim de três semanas de vigência de normas apertadas de confinamento, o país tem registado nos últimos dias sucessivas reduções do número de infetados com o novo coronavírus, embora os hospitais permaneçam sob grande pressão e continuem a aumentar ligeiramente o número de internamentos e de doentes em cuidados intensivos.

No Governo, é praticamente certo que nenhuma medida de alívio das restrições à atividade será levantada a curto prazo. Entre os epidemiologistas, prevalece a tese de que o país não poderá começar a desconfinar enquanto não baixar de forma sustentada para os dois mil casos novos de infeção por dia.

Portugal registou 196 mortes relacionadas com a covid-19 e 2.505 casos de infeção com o novo coronavírus, segundo o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde (DGS), divulgado na segunda-feira.

O boletim da DGS revelou também que estão internadas 6.344 pessoas, mais 96 do que no domingo, das quais 877 em unidades de cuidados intensivos, ou seja, mais 12.

[Notícia atualizada às 14:19 com as conclusões da ministra da Saúde, Marta Temido]