Identificas pela geografia, há três variantes do novo coronavírus que geram preocupação: a do Reino Unido, a da África do Sul e a do Brasil.
“Estas são as variantes que atualmente todos os organismos mundiais colocam como preocupantes e sob observação”, diz, ao SAPO24, Ricardo Leite, coordenador da Unidade de Genómica do Instituto Gulbenkian de Ciência.
Articulado com as autoridades de saúde, nomeadamente com o INSA, Ricardo Leite tem trabalhado sobre a temática da sequência do genoma do vírus do SARS-CoV-2 de maneira a "caracterizar quais são as variantes que existem em Portugal".
Por serem "as mais preocupantes", as variações do Reino Unido, a da África do Sul e a do Brasil são também aquelas que "estão a ser monitorizadas mais de perto", acrescenta, ao SAPO24, Luís Graça, investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM), professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e membro da Comissão Técnica de Vacinação.
O que distingue as variantes?
Cada variante, explica Ricardo Leite, tem as suas próprias características e, assim, é normal que varie a “virulência”, a “capacidade de propagação” e a “mortalidade” do vírus.
Quando não é possível fazer corresponder algum destes efeitos a uma variante registada, então esta passará, normalmente, despercebida da maior parte do público e, nesse caso, estamos perante variações "silenciosas" que não merecem, à partida, a atenção dos cientistas e das autoridades.
Este não é o caso das variantes do Reino Unido, da África do Sul e do Brasil que, "essas sim, demonstraram que tinham algum efeito tanto em termos de virulência como de mortalidade", diz.
Identificada pela primeira vez no Reino Unido no outono de 2020, crê-se que a B.1.1.7., ou variante britânica, se propague mais facilmente que as outras variantes, especialmente entre a população mais jovem. Em janeiro, quando o Governo decidiu encerrar as escolas, foi apontada pelo primeiro-ministro António Costa como uma das grandes responsáveis pelo sucedido. Terá 23 mutações associadas. Em fevereiro, a predominância em Portugal era de 58.2%, segundo o relatório mais recente sobre diversidade genética do novo coronavírus produzido pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).
Já a B.1.351, detetada originalmente no município de Nelson Mandela Bay, na costa leste da África do Sul, apenas terá atingido no mês de fevereiro em território luso uma percentagem de 0,1% da população. Esta variante compartilha algumas mutações com a estirpe inglesa e tem também um elevado potencial de transmissão.
Por outro lado, a P1, ou variante brasileira, terá registado uma predominância de 0,4% em Portugal - segundo os referidos estudos do INSA. Esta variante, recorde-se, foi pela primeira vez identificada em janeiro de 2021 em quatro passageiros que viajavam desde o estado do Amazonas, no Brasil, para o Japão, durante testes de rotina no aeroporto asiático.
Mutação ou Variação?
O SARS-CoV-2 tem uma “taxa mutacional” de mais ou menos “duas mutações por mês”, diz Ricardo Leite. Não obstante, urge que se clarifique a diferença entre mutação e variação:
A mutação é uma alteração na composição genética de um vírus; já uma variante é um vírus que pode conter um conjunto de mutações que alteram o seu comportamento.
Assim, as estirpes britânica, sul-africana e brasileira são consideradas variantes ou estirpes.
Como se descobrem estas mudanças no vírus?
Em termos de análise do estado e evolução do vírus, a referência são as primeiras sequenciações, realizadas ainda em dezembro de 2019, quando a pandemia emergia em solo chinês.
A sequenciação é o método “mais rigoroso” e o que melhor permite “aferir a totalidade de mutações no vírus”, explica Ricardo Leite.
No entanto, há também outros métodos de análise indiretos, como são exemplo as “sondas moleculares”, através das quais é possível detetar alterações no vírus. No entanto, depois é necessário fazer a “prova final” pelo método da sequenciação, afim de se entender se se está ou não perante uma nova variante.
O que é a proteína 'Spike' e que diferença faz nas variantes do vírus?
"‘Spike’, ou proteína da espícula, é a proteína que entra em contacto com as células do hospedeiro”, ou seja, aquelas que permitem a ligação do vírus à pessoa, explica Ricardo Leite. Logo, "qualquer mutação aí é uma mutação muito sensível e não deve ser desvalorizada", acrescenta o investigador.
E uma mutação nesta zona do vírus é bastante imprevisível, podendo provocar uma maior capacidade de este se propagar ou o seu contrário.
Esta proteína chama-se 'Spike' porque o vírus apresenta no exterior espículas — e é daqui que vem também o nome “corona” ou, em bom português, “coroa”.
A proteína 'Spike' funciona como um "sistema de fechadura", explica Ricardo Leite. Caso a chave – a proteína 'Spike' - sofra uma pequena mutação, pode acontecer que a fechadura abra pior, mas também pode ocorrer que abra melhor. Em suma, o vírus pode acabar por se propagar com maior ou menor facilidade por causa dessa mutação.
O quão eficazes são as vacinas atuais contra as novas variantes?
Quando vacinas como as da Moderna ou da Pfizer foram aprovadas não era possível prever a sua adaptabilidade às variantes atuais. Afinal, “no verão de 2020 estas variantes não existiam”, explica Ricardo Leite. Assim, à data, seria impossível aferir qual “seria a eficácia no mundo real das pessoas que estavam a ser imunizadas”, afirma.
Agora, já tendo conhecimento das novas estirpes, e através de um nova ronda de testes, "verificou-se que [as vacinas atualmente no mercado] não conferem um nível de proteção tão alto como conferiam com as variantes que estavam em circulação na altura em que foram criadas", diz Ricardo Leite.
No entanto, se é verdade que as novas variantes podem, "potencialmente", reduzir a eficácia das vacinas, também é verdade que "numa pessoa vacinada os anticorpos estão num excesso tão grande que conseguem na mesma neutralizar o vírus", diz o investigador Luís Graça.
E é "por isso que se acredita que na generalidade dos casos as vacinas continuam a ser eficazes em relação a estas novas variantes". Não deixando, claro, "de ser preocupante poder haver uma diminuição da eficácia", acrescenta.
Um bom exemplo será o caso da variante da África do Sul: "estudos na África do Sul sugeriram que algumas vacinas eram menos eficazes para esta variante". Contudo, para além de anticorpos, as vacinas "induzem as células t, responsáveis pela imunidade celular". Isto faz com que na maioria dos casos se consiga "na mesma evitar as formas mais graves de doença" Covid-19.
No caso específico de Portugal "todas as vacinas que estão a ser utilizadas são igualmente eficazes para as variantes que estão em circulação em Portugal", acrescenta.
Luís Graça confirma: "o que se tem verificado nestas variantes é que, na generalidade dos casos, as vacinas existentes continuam a conferir um grau de proteção bom".
As vacinas da Pfizer e da AstraZeneca podem ter "alguns problemas em lidar com as variantes da África do Sul e do Brasil", mas tratam-se de variantes com pouca prevalência em Portugal. Posto isto, "o benefício da vacina parece sempre superior a qualquer risco", conclui Ricardo Leite.
É possível adaptar as vacinas existentes às novas variantes?
Sim, e especialmente em vacinas de tipo mRNA, como são as da Pfizer e da Moderna.
As vacinas mRNA, também denominadas RNA Mensageiro, em vez de inserirem o vírus atenuado ou inativo no organismo de uma pessoa, ensinam as células a sintetizarem uma proteína que estimula a resposta imunológica do corpo.
Nestes casos, afirma Ricardo Leite, basta editar o “código de mRNA e fazer as modificações nas mutações que se estão a observar no momento”.
No entanto, não nos podemos antecipar ao vírus: “Conseguimos seguir [o vírus], conseguimos ver o crescimento ou a diminuição destas variantes, mas nunca sabemos como vão progredir", diz Ricardo Leite.
Alterações noutros tipos de vacinas, como é o caso da vacina da AstraZeneca ou da Johnson & Johnson, que utilizam vírus atenuado e “são ligeiramente mais difíceis, mas também passíveis”, acrescenta o investigador.
Existe ainda outra hipótese para tornar as vacinas mais eficazes contra as novas estirpes, nomeadamente dando-lhes um “booster”, explica Ricardo Leite.
Simplificando, trata-se de uma dose extra que vai aumentar a proteção. A ideia será reforçar a imunidade que as vacinas atribuem, moldando-as a estas novas variantes. O método não seria novo e é usado noutras vacinas, como no caso do sarampo.
“Os fabricantes das vacinas, tentando antecipar a eventualidade de surgirem variantes que sejam um problema maior do que aquelas que são conhecidas neste momento, e já estão a tentar estudar alterações à própria composição da vacina”, nota Luís Graça.
Por outro lado, as agências regulamentares, diz o investigador do Instituto de Medicina Molecular, “já definiram o que é necessário para a aprovação das vacinas baseadas nessas variantes”.
"Para a aprovação da primeira vacina é necessário um estudo muito completo com dezenas de milhares de pessoas". Contudo, para as modificações subsequentes, não sendo uma vacina nova, “é possível [obter aprovação das agências regulamentares] com um estudo mais pequeno”.
Em princípio, será “um processo relativamente simples”, conclui.
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