Esta semana, o SAPO24 juntou Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, e Peter Villax, presidente da Hovione Capital e dono de uma as maiores empresas da indústria farmacêutica em Portugal, para debater o surto atual de coronavírus.
O objetivo foi falar do coronavírus, estirpe Covid-19, fazendo o ponto da situação da evolução da doença e daquilo que é sabido sobre ela, nomeadamente quanto à forma de transmissão, mas também ao nível do impacto económico, já que a doença afecta sobretudo a China, um dos países com maior crescimento e onde está localizada uma boa parte da indústria farmacêutica.
Este fim de semana, a Europa ficou em alerta reforçado com o aumento do número de casos em Itália, país com mais casos registados e já com duas vítimas mortais, e em que há, pela primeira vez, um português com infeção confirmada pelo vírus, a bordo do cruzeiro "Diamond Princess" atracado no Japão.
Listamos, assim, as respostas dadas por Ricardo Mexia e Peter Villax que ajudam a compreender o contexto em que decorre este surto e esclarecem sobre as medidas em curso e as precauções que realmente fazem sentido.
O que é o Coronavírus?
Os Coronavírus são uma família de vírus que podem causar doença no ser humano. A infeção pode ser semelhante a uma gripe comum.
O que é o COVID-19?
É uma nova estirpe de Coronavírus, por isso inicialmente denominada 2019-nCoV (novel Coronavírus). A designação é agora COVID-19.
Quando foi identificado pela primeira vez?
Foi identificado a 7 de janeiro de 2020, na China, depois de o país ter reportado à Organização Mundial de Saúde (OMS), a 31 de dezembro de 2019, vários casos de doentes com pneumonia de causa desconhecida.
Onde foi identificado?
Os primeiros doentes eram trabalhadores e frequentadores do mercado de peixe, mariscos vivos e aves na cidade de Wuhan, província de Hubei.
Como se transmite?
Ainda nem tudo são certezas: presume-se que possa ter havido transmissão a partir do contacto com animais - incluindo morcegos e pangolim, uma espécie que estava quase em vias de extinção até a medicina tradicional chinesa o ter recuperado para fins terapêuticos. Foi comprovada a transmissão pessoa a pessoa, mas, assumindo-se a proveniência apenas da província de Hubei, na China, era critério epidemiológico. A possibilidade de o vírus se transmitir pelas fezes ainda não está afastada.
Quais são os sintomas?
Os sintomas reportados são semelhantes aos de uma gripe. Os doentes infetados queixam-se de febre, tosse, falta de ar e cansaço. As complicações como pneumonia e bronquite têm surgido sobretudo em doentes idosos ou com doenças crónicas que diminuem o seu sistema imunitário.
Qual o período de incubação?
Sabe-se que em 50% dos doentes o período de incubação é de 3 ou menos dias, mas não se sabe quantos estão acima dos 14 dias. Os especialistas consideram que o período de incubação pode variar entre os zero e os 24 dias. No entanto, estes cálculos dependem do período de contacto, que pode nem sempre estar identificado.
O COVID-19 tem tratamento?
Sim. Não existe tratamento específico até à data, o tratamento é sintomático e de suporte de órgãos, de acordo com a gravidade do caso. Os antibióticos não são adequados para infeções virais e os antivirais com que se tratam actualmente as pneumonias causadas pelo vírus da gripe não são adequados para o Coronavírus. Mas, os números de recuperações mostram que a doença tem cura.
Como prevenir?
Não existe vacina, pelo que a prevenção passa por evitar a exposição ao vírus.
Trata-se de uma epidemia ou de uma pandemia?
Epidemia, diz a OMS, ou seja, uma doença local ou regional. Acontece que o surto evoluiu rapidamente, afetando outras partes da China e o estrangeiro. A classificação de pandemia é dada quando se considera que se trata de uma doença alastrada a grandes áreas do globo.
Casos confirmados?
Os números mudam todos os dias e por vezes várias vezes ao dia.
De acordo com a informação publicada este domingo, 23 de fevereiro, em Portugal pela Lusa, na China estão registados, a nível continental, 76.936 casos. O segundo país mais afetado é o Japão, com 769 casos, incluindo pelo menos 364 no cruzeiro Diamond Princess, onde no sábado foi detetada a infeção de um cidadãos português. Segue-se a Coreia do Sul, com 556 casos. Itália surge em quarto lugar dos países e territórios com mais casos, registando 132 casos de infeção por Covid-19.
De acordo com o site da Johns Hopkins CSSE, de referência para a maioria dos especialistas, os dados de evolução da doença registados este domingo, até às 16 horas, eram os seguintes.
Do total de 78.891 casos registados no mundo, 76.936 na China, 602 na Coreia do Sul, 135 no Japão, 132 em Itália, 89 em Singapura, 74 em Hong Kong, 43 no Irão, 35 na Tailândia, 35 nos EUA, 28 em Taiwan, 22 na Austrália, 22 na Malásia, 16 na Alemanha, 16 no Vietname, 13 nos Emirados Árabes Unidos, 12 em França, 10 em Macau, 9 no Canadá, 9 no Reino Unido, 3 nasFilipinas, 3 na Índia, 2 na Rússia, 2 em Espanha e um no Líbano, no Nepal, no Camboja, em Israel, na Bélgica, na Finlândia, na Suécia, no Egipto e no Sri Lanka. Há ainda 634 casos em "outros", que são aqueles que foram detetados, sobretudo, em navios de cruzeiro como o "Diamond Princess", atracado no Japão.
Total de mortes?
Segundo a informação distribuída pela Lusa hoje, o Irão tornou-se, a seguir à China, o segundo país com mais vítimas mortais, com 8 casos.
De acordo com o site da Johns Hopkins CSSE, de referência para a maioria dos especialistas, os dados sobre vítimas mortais da doença registados este domingo, até às 16 horas, eram os seguintes:
Um total de 2,467 até à data, das quais 2.346 na província de Hubei e 96 no resto da China, 8 no Irão, 6 na Coreia do Sul, 3 em Itália, 2 em Hong Kong, 1 em França, 1 no Japão, 1 nas Filipinas, 1 em Taiwan e 2 no cruzeiro "Diamond Princess".
Total de recuperações?
Aqui os dados usados são exclusivamente do site da Johns Hopkins CSSE, uma vez que não existe compilação atualizada por outras fontes.
23.355 até à data, a grande fatia na China, mas 22 no Japão, 17 na Tailândia e 16 na Coreia do Sul, 14 na Alemanha e 8 no Reino Unido, para dar alguns exemplos.
Pode existir Coronavírus em Portugal?
Até à data os casos considerados suspeitos em Portugal não foram confirmados. Os casos que poderão existir em Portugal serão importados, sendo que a probabilidade de tal acontecer é considerada reduzida. A Direção Geral de Saúde tem acompanhado a situação, com orientações para os hospitais e plano de contingência. Estão definidos hospitais de referência que, entre as características exigidas, têm de ter laboratório integrado na rede de referência do Instituto Ricardo Jorge, e existem 17 no país, camas de cuidados intensivos, quartos de isolamento com pressão negativa e um número suficiente de médicos em especialidades chave. Poderão ser activadas 280 camas em caso de necessidade, de acordo com o Ministério da Saúde.
Há algum português afetado por COVID-19?
O primeiro português infetado com COVID-19 foi confirmado este domingo, 22 de fevereiro, pelas autoridade de saúde japonesas. Trata-se de Adriano Maranhão, de 41 anos, natural da Nazaré, e faz parte da tripulação do cruzeiro "Diamond Princess", atracado em Yokohama, no Japão. A diretora-geral de Saúde, Graça Freitas, diz que as autoridades nipónicas "estão a retirar as pessoas do navio para hospitais de referência no Japão" e o facto de o português "estar assintomático é positivo".
Há sinais de contenção da doença?
No dia 18 de Fevereiro o número de novos casos foi igual ao número de casos de recuperação: 1800. É boa notícia. A próxima estatística importante será quando o número de novos casos, que tem sempre vindo a subir, estabilizar e começar a baixar, até chegar ao dia em que não há novos casos detetados. Há, no entanto, algumas incógnitas: perdeu-se a comparabilidade quando as autoridades chinesas decidiram contabilizar como positivos não apenas os casos confirmados laboratorialmente, mas todos aqueles em que os sintomas clínicos apontam para a doença. O número de casos subiu em flecha, mais 15 mil só nesse mesmo dia.
Pode-se viajar?
De momento não existem limitações de viagens. No entanto, as recomendações de prevenção são as habituais para viajantes, de acordo com a Direção Geral de Saúde. Os viajantes que chegam da China ou que tenham tido contacto próximo com doente infetado há menos de 14 dias e que apresentem sinais e sintomas de infeção respiratória aguda, com febre, tosse e dispneia e nenhuma outra causa que explique a sintomatologia devem ligar para o SNS 24 (808 24 24 24) antes de recorrer a serviços de saúde.
Quais as restrições em termos de viagens?
Variam de país para país. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, proibiu a entrada no país de cidadãos não americanos vindos da China. Os viajantes que forem para uma área afetada devem seguir as recomendações das autoridades de saúde do país, evitar o contacto próximo com doentes com infeções respiratórias agudas, lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou uma solução de base alcoólica, evitar o contato com animais e evitar o consumo de produtos de origem animal, crus ou mal cozinhados.
A quarentena é obrigatória para quem esteve na China ou em contacto com quem tenha estado?
Não. Em Portugal, apenas o tribunal pode decretar um período de quarentena. No entanto, e como precaução para o próprio e para terceiros, as autoridades de saúde sugerem um período de quarentena voluntária de 14 dias para quem se encontra nesta situação.
Uma escola em Portugal emitiu um comunicado em que dizia: "Qualquer aluno, professor ou empresa externa que frequente o colégio e que tenha visitado a China deve ficar em casa por um período de 14 dias, de forma a controlar algum sinal/sintoma do vírus". Faz sentido?
Não. O comunicado é "alarmista" e "uma extrapolação exagerada das orientações técnicas, garante o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia. "A quarentena ou isolamento voluntário é excesso de zelo, diria que mais por uma questão de alarme social do que por questões técnicas".
Deve-se usar máscara?
Não. A não ser em situações muito específicas e já conhecidas - como estar constipado ao pé de alguém com um sistema imunitário deficitário, por exemplo - o uso de máscara não é aconselhado. Também é preciso saber usar máscara: uma nova a cada dia, o arame adaptado à cana do nariz, não tocar com as mãos no local contaminado.
Qual a taxa de letalidade do COVID-19?
A letalidade do COVID-19 está entre os 2% e os 3%. A maioria das pessoas ignora que a gripe sazonal mata muito mais: dos cerca de 5 milhões de indivíduos infectados pelos vírus da influenza no mundo, 650 mil morrerão de causas directamente associadas à gripe - que, só no ano passado, foi a causa de morte de 3 mil pessoas em Portugal.
Como manter-se saudável?
Lavar as mãos diversas vezes ao dia com água e sabão ou com uma solução desinfectante, ficar a dois metros de quem possa estar constipado e espirrar para a dobra do cotovelo são medidas básicas e eficientes. Perante quaisquer sintomas de febre persistente contactar um médico.
É possível haver uma rutura de medicamentos?
A indústria farmacêutica, que é quem fornece as vacinas e os medicamentos, terá de ter forçosamente uma participação na solução da crise. Cerca de 80% dos princípios ativos são produzidos na China, o que representa um problema. A produção de medicamentos está a ser fortemente afetada pela epidemia, já que os 760 milhões de habitantes estão sob alguma forma de controlo ou restrição, ou seja, têm dificuldade em ir trabalhar. E os laboratórios já se queixam de falta de matérias-primas (até porque, por uma questão de eficiência, os stocks são geralmente baixos). A extensão do problema não é ainda conhecida, mas a Organização Mundial de Saúde está preocupada e já começou a entrar em contacto com os produtores fora da China para saber se estão a ser afetados e de que forma.
A indústria farmacêutica está disposta a deslocalizar-se para outros países?
Sim, a longo prazo. A logística é complexa, obriga a novos testes e certificações e tem custos elevados. A nível mundial, muitas outras indústrias estão a ser afetadas pelo Coronavírus, a Apple foi uma das primeiras a admitir que não conseguiria alcançar os resultados esperados no trimestre. No caso da indústria farmacêutica coloca-se a questão da segurança nacional. "A China e a Índia assumiram um papel importante na produção de princípios ctivos nos últimos 20 anos. Verificaram-se recentemente alguns problemas de qualidade e alguns laboratórios, os maiores, já começaram a deslocalizar a produção da China para a Europa e para os Estados Unidos", afirma o chairman da Hovione Capital, Peter Villax. "Um dos países mais vulneráveis é precisamente os Estados Unidos, e a administração Trump já fala em voltar a desenvolver a indústria farmacêutica de base por uma questão de segurança nacional. E têm razão, os países devem ser auto-suficientes na produção de medicamentos - e isso vê-se sobretudo nas epidemias".
A China está a fazer tudo o que pode para controlar o vírus?
Aparentemente, sim. O perigo é se surgirem complicações em países com sistemas de saúde menos robustos, o que até agora não se verificou. Os países com mais risco de receber casos importados são aqueles que têm mais capacidade para lidar com a situação. E se é verdade que a Organização Mundial de Saúde não tem qualquer poder formal sobre a China - ainda há pouco disponibilizou uma missão de especialistas para a China e não foi permitido que visitassem Hubei, com a desculpa de que não tinham recursos humanos disponíveis para a acompanhar - também é verdade que a cooperação tem funcionado bem e que o nível de resposta das autoridades chinesas não tem paralelo. Na semana passada, a Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública recebeu da OAR - Global Outbreak Alert and Response Network, uma rede de institutos, organizações e especialistas da Organização Mundial de Saúde, um pedido de peritos para se deslocarem à China, no sentido de apoiar os esforços de resposta.
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