As primeiras orientações surgiram na segunda-feira, por parte da Direção Geral da Saúde (DGS), que sugeriu que não houvesse velórios, que os funerais fossem restritos a familiares próximos e que os corpos das vítimas mortais da covid-19, ou de pessoas suspeitas de estarem infetadas com o novo coronavírus, sejam cremados ou “embalados em sacos impermeáveis”, ficando “em caixão fechado, estando as famílias também proibidas de os abrir”.
A Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL) diz que essas limitações "devem ser seguidas em todos os funerais, independentemente da causa da morte ou da região em que ocorreu o óbito".
Que “nenhum cadáver seja preparado (…), nem com simples vestimenta. O cadáver deve ser introduzido num sudário impermeável e após pulverização com uma solução desinfetante, acondicionado dentro da urna", acrescenta a ANEL.
O decreto do Governo que concretiza as medidas de emergência apenas remete a fixação do limite de pessoas presentes para a “autarquia local que exerça os poderes de gestão do respetivo cemitério".
Sobre estas restrições, a investigadora Sandra Torres refere que “os momentos das despedidas e a forma como a vida é finalizada têm, muitas vezes, um impacto grande na vivência do processo de luto” e considera que “seria bom que houvesse um conjunto de medidas para cuidados ‘post mortem’, para os casos em que esta [a covid-19] não seja a causa da morte”.
É importante pensar nas outras mortes, “entendendo que não há aqui outro tipo de riscos adicionais, porque estas medidas são difíceis de aceitar e podem ter um impacto no processo de luto”, atestou a professora auxiliar da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
A norma do caixão fechado pode trazer implicações, por “não se poder ver a pessoa, sobretudo se não houve um momento prévio de despedida ou um momento em que se esteve presente já com o corpo falecido”, adianta a psicóloga.
“O facto de ver um caixão fechado não permite validar a morte. Acaba por ser um processo um pouco semelhante ao que acontece com outras mortes em que o corpo não é encontrado. Fica sempre esta questão para as pessoas num processo de luto: eu não vi, será que aconteceu?”, exemplifica.
Porque “o processo de validar a morte é importante”, Sandra Torres considera que, “se não houver necessidade, porque a morte não foi causada por este vírus”, torna-se “mais difícil de aceitar” medidas como esta.
Em relação aos velórios, a investigadora lembra que têm “um significado muito relevante no nosso contexto cultural”, e que permitem “às pessoas, sejam familiares próximos, sejam amigas, fazer o processo de despedida”.
Já os funerais, por outro lado, permitem “o reconhecimento público da perda” e estas restrições acabam “por limitar muito todo este processo de homenagem”.
“As homenagens são muito importantes para as pessoas, porque são uma forma de dignificar a vida, realçar a importância que a pessoa teve enquanto familiar e amigo, e o facto de não haver um momento, depois da morte, que permita fazer este reconhecimento público da perda faz com que, muitas vezes, se tenha a sensação de que não se dignificou a vida da pessoa”, concretiza a investigadora.
A acrescer a isso, “os funerais têm a missão importante de suporte social”, e “toda esta expressão de apoio fica limitada, com este distanciamento social imposto às poucas pessoas que podem estar presentes”, aponta.
A psicóloga sugere às pessoas enlutadas que tentem “encontrar algumas formas de fazer esta despedida e dignificar estas pessoas de uma forma alternativa”.
“Bem sei que o ideal seria que tudo isto fosse feito no momento presente, mas a sugestão que deixaria para as famílias é que tentassem encontrar outras formas de dignificar a pessoa que partiu, eventualmente mais tarde, planeando até uma cerimónia de homenagem que possa, essa sim, ser vivida com todas as pessoas que gostariam de ter estado presentes”, afirma.
As redes sociais podem ser importantes aliadas, já que ajudam “a colmatar este isolamento necessário”.
“Nestes casos das perdas, isto também pode ter alguma função. As redes sociais serão uma forma de se fazer a tal homenagem e dignificação da pessoa e da vida da pessoa, contudo, penso que será importante haver outra forma de complementar todo este apoio que encontram nas redes sociais”.
A especialista ressalva, no entanto, que as redes sociais “não serão um veículo de apoio para todas as pessoas, sobretudo numa faixa etária mais velha, em que não há uso nem acesso a estes meios digitais, isto não será uma alternativa”, e isso torna-se um desafio para as famílias.
Sandra Torres é licenciada e doutorada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Na área da Psicologia da Saúde orienta estágios em contexto hospitalar, nos quais se destaca a problemática do Luto. Leciona vários cursos sobre este mesmo tema, em diferentes instituições de ensino superior e hospitais, e tem publicado o estudo “Luto: intervenção psicológica em diferentes contextos”, cuja autoria partilha com Marina Prista Guerra.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, infetou mais de 265 mil pessoas em todo o mundo, das quais mais de 11.100 morreram.
Em Portugal, registam-se 1.280 casos confirmados de infeção e 12 mortos.
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