“O segredo da confissão para nós, católicos, é absoluto, e nisso o papa Francisco é determinante, como têm sido todos antes dele. Aliás, devo dizer-vos que é por causa do segredo da confissão que muitas pessoas desabafam, exatamente porque sabem que é segredo”, disse o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, numa audição perante a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde hoje esteve a ser ouvido.
O clérigo foi ouvido a pedido do grupo parlamentar do Chega, na sequência das recomendações do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, cujos membros foram ouvidos imediatamente antes pela mesma comissão.
Na sua intervenção, o coordenador da comissão, Pedro Strecht, realçou a importância da revisão do segredo da confissão, notando que “está prevista, também, noutras estruturas profissionais, incluindo a dos próprios médicos, quando há questões que se sobrepõem”.
Questionado pelos deputados sobre o tema, D. Manuel Clemente acrescentou que o segredo da confissão não retira aos elementos da Igreja a obrigação de encaminhar vítimas de abusos para as autoridades, quando são confrontados com esses casos.
“Nós também, quando ouvimos alguma coisa destas em segredo de confissão, temos a obrigação, e fazemo-lo, de dizer à pessoa que se está a confessar ‘Agora a senhora, o senhor, vai dizer à autoridade competente o que é que aconteceu. A senhora sai daqui e dirige-se à autoridade policial, e dirige-se ao Ministério Público porque isso é um crime público, isso não é apenas um caso. Isso acontece na confissão e não aconteceria fora da confissão se as pessoas não contassem com o segredo da confissão”, disse.
“Mas mais do que isto, nós não podemos fazer”, declarou ainda, sobre a possibilidade de levantamento do segredo da confissão.
Questionado sobre uma eventual reação ambivalente dos bispos às conclusões do relatório da comissão independente, como afirmou o seu coordenador Pedro Strecht perante os deputados na audição anterior, D. Manuel Clemente rejeitou qualquer divisão na “unidade da ação” da Igreja.
“No que diz respeito às posições que nós tomamos no plenário da assembleia da Conferência Episcopal Portuguesa e que depois a presidência leva por diante, em relação a isso, meus amigos, não há ambivalência. Podemos discutir se é a melhor maneira, se foi o melhor processo de apurar o caso, isso com certeza”, disse o Cardeal Patriarca, mas sobre as decisões tomadas, insistiu “não há ambivalência possível”.
Considerou ainda que o tempo que as vítimas levaram para tornar públicos os abusos sofridos é “uma resistência natural, muitas vezes misturada com medo”, afirmando que “não é fácil” às vítimas falarem sobre o que passaram, muitas vezes em ambiente familiar.
No entanto entende que, com o trabalho da comissão independente, “criou-se um ambiente que proporcionou maior facilidade” para que as vítimas falassem, ainda que sob anonimato, o que criou outro problema à Igreja católica, que, sem conhecer a identidade das vítimas, fica com a sua atuação limitada.
D. Manuel Clemente sublinhou ainda a obrigatoriedade de reporte na Igreja católica, aplicável a qualquer pessoa que tenha conhecimento de uma situação de abuso, a qual, “se tiver verosimilhança” será reportada ao Vaticano e, se houver crime, também ao Ministério Público.
Perante os deputados, D. Manuel Clemente, que considerou os abusos sexuais contra menores “uma gravíssima questão” que a igreja quer resolver, não deixou de fazer referência aos dados das polícias que apontam para milhares de casos de abusos sexuais todos os anos, antes de sublinhar que o trabalho da comissão validou, para um período de 72 anos de análise, 512 testemunhos de abusos.
E acrescentaria que os que recaem sobre o clero representam “uma minoria muito restrita” no universo de católicos ligados à Igreja.
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