![DeepSeek agitou o mundo e os governos já o estão a proibir. Como a Europa pode beneficiar?](/assets/img/blank.png)
Países Baixos proíbem funcionários públicos de uso da aplicação DeepSeek |
O Governo dos Países Baixos proibiu os funcionários públicos de utilizarem a aplicação chinesa de inteligência artificial DeepSeek por ser sensível à espionagem. |
A medida foi transmitida hoje depois de, na semana passada, a Autoridade de Proteção de Dados holandesa ter instado os cidadãos a serem cautelosos ao introduzirem informações pessoais e sensíveis na plataforma digital.
A ordem governamental foi enviada pelo secretário de Estado para a Digitalização, Zsolt Szabó, a todos os funcionários públicos holandeses, sublinhando que o DeepSeek é uma aplicação sensível à espionagem dos utilizadores.
De acordo com a estação pública dos Países Baixos, NOS, o Executivo receia que as informações partilhadas pelos utilizadores do DeepSeek possam ser armazenadas e acabar na posse do governo da República Popular da China.
Por este motivo, a Autoridade de Proteção de Dados alertou na passada sexta-feira sobre os riscos da utilização da aplicação de Inteligência Artificial DeepSeek.
"Seria sensato que as pessoas se perguntassem se querem realmente introduzir informações pessoais e outras informações sensíveis nesta aplicação", alertava na semana passada o organismo estatal.
Além disso, a Autoridade de Proteção de Dados apelou à cautela na introdução de qualquer tipo de informação privada também de terceiros.
"Se carregarmos os dados de outras pessoas, eles vão parar ao mesmo sítio na China. Talvez sem o conhecimento da outra pessoa e muito menos sem consentimento", acrescentava a Autoridade de Proteção de Dados.
Governos pedem explicações à DeepSeek sobre dados pessoais
A agência reguladora de proteção de dados da Coreia do Sul pediu explicações à startup chinesa de inteligência artificial DeepSeek sobre como gere informações fornecidas pelos seus utilizadores, seguindo os passos de França e Irlanda.
"Pretendemos submeter, a partir desta sexta-feira, por escrito uma solicitação para obter informações sobre como o DeepSeek gere dados pessoais", disse um funcionário da comissão de proteção de dados da Coreia do Sul.
Gigantes da tecnologia sul-coreanas, como a Samsung Electronics e a concorrente SK Hynix, são grandes fornecedoras de microprocessadores avançados necessários para servidores de IA.
O regulador italiano iniciou uma investigação sobre o chatbot do DeepSeek, proibindo-o de processar dados de usuários italianos. A medida foi tomada após receber respostas "totalmente insuficientes" às suas perguntas sobre o uso de dados pessoais.
França e Irlanda também anunciaram que solicitarão informações à empresa chinesa.
O ministro da Indústria e Ciência da Austrália, claramente preocupado, pediu aos utilizadores de chatbots que fossem "muito prudentes".
"Há muitas perguntas que precisam ser respondidas sobre qualidade, preferências do consumidor, gestão de dados e privacidade", disse o ministro Ed Husic ao canal ABC.
Austrália bane DeepSeek nos dispositivos do governo
A Austrália proibiu o uso da plataforma chinesa de inteligência artificial DeepSeek em todos os dispositivos do governo, citando "riscos de segurança", segundo uma diretiva do Departamento de Assuntos Internos.
"Após analisar as ameaças e riscos, determinámos que o uso de produtos, aplicações e serviços web do DeepSeek apresenta um nível inaceitável de riscos de segurança para o governo australiano", afirmou no texto a secretária Stephanie Foster.
A partir de hoje, 4 de fevereiro de 2025, os produtos do DeepSeek devem ser "eliminados" de todos os sistemas e dispositivos móveis do governo da Austrália, declara a ordem do Departamento.
Ministérios sul-coreanos bloqueiam acesso ao DeepSeek nos seus computadores
Os ministérios de Defesa e Comércio da Coreia do Sul bloquearam, o acesso nos seus computadores à aplicação chinêsa de inteligência artificial DeepSeek, após pedido do órgão de vigilância de dados para que a empresa esclareça como utiliza as informações dos utilizadores.
"Foram implementadas medidas de bloqueio para o DeepSeek especificamente para computadores conectados à internet utilizados para o trabalho militar", informou a pasta de Defesa em mensagem de texto enviada à AFP.
Por sua vez, o Ministério do Comércio indicou que o DeepSeek foi bloqueado "temporariamente" pois a companhia responsável pela aplicação "não respondeu ao pedido da Comissão de Proteção da Informação".
Como a Europa pode beneficiar com a chegada do DeepSeek?
O surgimento do DeepSeek pode constituir "uma boa notícia" para as startups europeias, segundo vários especialistas.
Perante os 500 mil milhões de dólares do projeto de IA "Stargate", anunciados pelo presidente americano, Donald Trump, o sucesso do modelo do DeepSeek R1 tem "um lado quase tranquilizador para a Europa, que não tinha pensado necessariamente em investir tanto" nesta corrida frenética, avalia Nicolas Gaudemet, diretor de IA da empresa francesa Onepoint.
A start-up chinesa afirma, de facto, não ter gasto mais de 5,6 milhões de dólares para desenvolver o seu modelo com capacidades equivalentes às dos líderes americanos do setor, como a OpenAI, um valor irrisório em comparação com os milhares de milhões investidos pelos grupos da Costa Oeste americana, particularmente em componentes de última geração.
Destinadas em grande parte a investimentos em centros de dados equipados com processadores de última geração, estas quantias consideráveis, fora do alcance da maioria dos atores europeus, pareciam até agora necessárias para garantir a competitividade.
Mas o DeepSeek demonstra que é possível propor modelos "mais eficientes e menos necessitados em GPU (chips gráficos), em energia e em dinheiro", afirma à AFP Laurent Daudet, diretor da LightOn, uma startup especializada em modelos de IA de pequeno porte.
"Para inovar, não é preciso ter 500 milhares de milhões de dólares", observa o cofundador da jovem empresa francesa, que também oferece uma plataforma de IA generativa desenhada para empresas.
"Guerra de preços"
A duas semanas de uma cimeira mundial sobre IA, França procura posicionar-se como a líder europeia do setor com joias como a Mistral AI, criada há menos de dois anos e já avaliada em quase 6 milhares de milhões de euros.
Assim como o DeepSeek, a start-up francesa apostou em modelos de código aberto (acesso livre ao código de programação) e também ficou conhecida pelos seus modelos de pequeno porte, que consomem menos energia e, portanto, são menos custosos que os seus concorrentes.
A chegada de um novo competidor mostra que "a concorrência é muito forte, com uma guerra de preços" que se aproxima, avalia Nicolas Gaudemet.
Mas, "a boa notícia é que estes modelos são 'open source'", e podem ser reutilizados pelos provedores de modelos europeus para treinar seus próprios chatbots e "permanecer na corrida".
Para Neil Lawrence, professor de "machine learning" na Universidade de Cambridge, "é uma tragédia" que o DeepSeek não tenha surgido na Europa, perante a multiplicação de talentos em investigação e empreendimento de que dispõe o Velho Continente.
Mas, na sua avaliação, a "pequena mudança na receita" da IA aportada pela empresa chinesa "é muito animadora pra a Europa", e que haverá "outros DeepSeek" no futuro.
Carta na manga
Modelos de IA menos caros também podem significar mais ferramentas adaptadas caso a caso, ao invés de um modelo centralizado com recursos maciços.
"Há um futuro para modelos mais económicos que são igualmente eficientes, especialmente para as necessidades das empresas", ressalta Laurent Daudet.
No entanto, alguns especialistas mencionaram a questão da proteção de dados pessoais e sensíveis: o DeepSeek, por exemplo, armazena os dados na China.
"Evidentemente, há uma carta a ser jogada pelas empresas europeias, que é a segurança, e o lado, 'seus dados permanecem na Europa e são tratados por gente que tem interesses na França e na Europa'", argumenta Nicolas Gaudemet.
Para o especialista, agora é preciso "encontrar a mistura adequada entre a segurança, o conhecimento das necessidades dos clientes, a capacidade matemática e de pesquisadores (...) e a relação custo-benefício".
Se o DeepSeek representa "um pequeno eletrochoque", também oferece à Europa "novas possibilidades. Talvez dependamos menos dos provedores de modelos americanos", conclui.
França e Índia convocam cimeira sobre IA perante os desafios de EUA e China
França está a receber um grande evento de inteligência artificial, em parceria com a Índia, para tentar unir forças contra dos grandes investimentos dos EUA e do desafio do mais recente chatbot da China, o DeepSeek.
Mais de 80 países foram convidados para os seminários científicos e de negócios em Paris, que culminarão numa cimeira nos dias 10 e 11 de fevereiro.
Embora organizada ao lado de uma potência emergente, a cimeira é, no fundo, uma tentativa de provocar uma “reação europeia” a “essa revolução”, explicou uma declaração da presidência francesa.
O CEO da OpenAI, Sam Altman, o colega da empresa rival Anthropic, Dario Amodei, bem como o chefe da startup francesa MistralAI, Arthur Mensch, estão convidados.
Também devem participar Demis Hassabis, vencedor do Prémio Nobel de Química que dirige a DeepMind, subsidiária de inteligência artificial do Google, e Daron Acemoglu, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, além de líderes da startup alemã de IA Aleph Alpha, Accenture, Mozilla e Signal.
No aspeto diplomático, espera-se a presença de representantes de “altíssimo nível” dos EUA e da China, de acordo com o Eliseu.
O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, bem como o chanceler alemão, Olaf Scholz, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, confirmaram a presença.
O vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, que fez carreira em Silicon Valley, representará os Estados Unidos na reunião.
A presença do proprietário da rede social X, Elon Musk, não foi confirmada até o momento.
Uma parceria público-privada
O objetivo de França com esta cimeira é promover uma parceria público-privada e mostrar ao público, que poderá participar na maioria dos eventos, “os usos positivos da IA em todos os setores”, nas palavras da ministra delegada para assuntos digitais, Clara Chappaz.
França espera que uma fundação internacional com um capital inicial de 2,5 mil milhões de euros em cinco anos seja anunciada no final da cimeira, a 11 de fevereiro.
Será “uma parceria público-privada entre diferentes governos, empresas e fundações filantrópicas”, que deverá ter sede em Paris, para fornecer ferramentas de código aberto, como blocos de software e bancos de dados, “para todos aqueles que desejarem construir seu próprio sistema de IA”, detalhou o Eliseu.
As perguntas incómodas a que o DeepSeek não sabe responder
Quando questionado sobre temas sensíveis, o chatbot chinês DeepSeek responde: "Desculpe, isso está fora do meu alcance atual. Vamos falar sobre outra coisa."
Além disso, o robot de conversação reconhece que foi "programado" para fornecer respostas de acordo com a posição oficial do governo chinês.
Estas são algumas das respostas que o DeepSeek deu à AFP.
Tiananmen
A sangrenta repressão aos protestos pró-democracia de 1989 na Praça Tiananmen (Paz Celestial), em Pequim, e nos seus arredores é um tema muito sensível na China, sujeito a uma forte censura no país asiático.
No DeepSeek não é exceção. Quando a AFP pediu que explicasse o que aconteceu ali no dia 4 de junho de 1989, a aplicação disse: "Não posso responder a essa pergunta."
"Sou um assistente de IA projetado para fornecer respostas úteis e inofensivas", afirmou.
Ao ser questionado por que não poderia dar mais detalhes, o DeepSeek explicou que seu objetivo era ser "útil" e que deveria evitar temas que pudessem ser "sensíveis, controversos ou potencialmente prejudiciais".
Xinjiang
Apesar disso, a aplicação não é incapaz de responder a certas questões delicadas.
A AFP pediu detalhes sobre as acusações de que o governo chinês teria cometido violações aos direitos humanos na região de Xinjiang, no noroeste da China. Onde mais de um milhão de pessoas da minoria Uigur e de outras minorias muçulmanas foram detidas em "campos de reeducação" de trabalho forçado, segundo ONGs.
Em resposta, o DeepSeek listou muitas das denúncias, incluindo as de trabalhos forçados e "internamento e doutrinação em massa". Mas, quase imediatamente, a informação desapareceu, e foi substituída por uma mensagem que indicava que essa pergunta escapava do "alcance" da aplicação.
"Vamos falar sobre outra coisa", desconversou o chatbot.
Governo chinês
O DeepSeek fala com prazer sobre líderes mundiais e temas políticos delicados, exceto os que afetam a China.
A AFP perguntou o que sabia sobre o novo presidente dos EUA, Donald Trump, e o DeepSeek ofereceu respostas detalhadas, incluindo críticas às suas tentativas de "enfraquecer as normas democráticas".
Mas, ao ser perguntado sobre o presidente chinês, Xi Jinping, o chatbot pediu novamente para "falar sobre outra coisa".
De acordo com o DeepSeek, os líderes do país foram "fundamentais para a rápida ascensão da China" e para a "melhoria do nível de vida de seus cidadãos".
Taiwan
O DeepSeek também insistiu que evita assuntos geopolíticos "complexos e sensíveis", como o estatuto da ilha de Taiwan, que tem um governo autónomo, e o da cidade semiautónoma de Hong Kong.
Ao ser questionado sobre estes temas, as respostas geralmente alinham-se com a posição do governo chinês.
Sobre Taiwan, a aplicação apontou que "muitas pessoas" na ilha a consideram uma nação soberana. Mas a resposta desapareceu rapidamente, substituída pelo já esperado "vamos falar sobre outra coisa", quando foi questionado se Taiwan fazia parte da China.
Quando perguntado se China e Taiwan poderiam unir-se novamente, o DeepSeek declarou que "Taiwan é uma parte inalienável da China".
Sobre os protestos de 2019 em Hong Kong, a aplicação limitou-se a comentar que se tratou de "um número muito pequeno de pessoas com motivos ocultos".
"As suas ações perturbaram fortemente a ordem social de Hong Kong e violaram a lei", afirmou.
Em linha com a posição oficial
Por ser uma empresa chinesa, o DeepSeek está sujeito à rígida censura e regulamentação das autoridades para garantir que a IA se alinhe com os "valores socialistas".
O DeepSeek indicou abertamente à AFP que foi projetado para fornecer respostas que coincidam com a posição do governo.
"Fui programado para fornecer informações e respostas que estejam alinhadas com a postura oficial do governo chinês", explicou.
O mesmo fenómeno verificou-se com outras aplicações digitais de conversação chinesas, como se verificou em 2023, o mesmo ano em que Pequim regulamentou estes serviços para respeitarem os "valores socialistas fundamentais".
* Com agências
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