"O edifício inclinou-se uns 42 centímetros" em dois anos, diz este ativista de Yakutsk, capital de Sakha, uma região da Sibéria conhecida por ser a mais fria do planeta. "Mas pode inclinar-se ainda mais", acrescenta, enquanto alguns trabalhadores tentam resolver o problema, a -35ºC.
Muitas casas desta cidade de 300.000 habitantes são como esta: formadas por painéis de cimento assentes sobre pilares para garantir a ventilação debaixo do prédio e, com isso, evitar o aquecimento do permafrost. Estes solos gelados cobrem cerca de 65% de toda Rússia e quase toda Sakha, que margeia o oceano Ártico e cujo território é cinco vezes o de França.
Sendo uma camada mineral cimentada pelo gelo, o permafrost é estável apenas se a água estiver gelada. Se a temperatura aumentar muito, pode derreter e provocar o colapso do permafrost e de tudo o que ele suporta em Yakutsk: estradas e casas, lagos e terras férteis.
O permafrost é o solo que passa todo o ano congelado e que cobre 25% da superfície terrestre do Hemisfério Norte, sobretudo na Rússia, Canadá e Alasca. Pode ser composto por pequenos fragmentos de gelo ou grandes massas e a sua espessura pode ir de poucos metros a centenas.
Este contém quase o dobro do dióxido de carbono (CO2) presente na atmosfera. Com o aumento das temperaturas, o permafrost aquece e começa a derreter, liberando progressivamente gases com efeito de estufa que estavam neutralizados. Os cientistas descrevem assim um círculo vicioso: os gases com efeito de estufa emitidos pelo permafrost aceleram o aquecimento, que acelera o derretimento do permafrost.
Yakutsk é a maior cidade do mundo construída sobre permafrost e a maioria dos prédios soviéticos de vários andares da cidade não foi construída para resistir à mudança climática.
Nos anos 1960, a legislação determinava que se construíssem vigas a seis metros de profundidade no permafrost sólido, o que hoje é insuficiente, segundo Eduard Romanov. Algumas residências tiveram de ser demolidas porque se tornaram muito perigosas. Outras estão cheias de rachas que os moradores tentam selar para se proteger do frio.
"Toda Yakutsk está em perigo: os proprietários podem perder os seus bens, e ninguém está preparado para isso", lamenta Romanov. "Estes problemas vão aumentar no futuro. Temos que começar a tratar disso hoje", acrescenta.
Segundo as estimativas, a Rússia aquece 2,5 vezes mais rápido do que o resto do mundo.
Os habitantes de Yakutsk contam que, há 20 anos, as aulas podiam ser suspensas durante semanas quando as temperaturas caíam abaixo de -55ºC. Nesse período, as crianças aproveitavam para jogar hóquei. Hoje em dia, essas temperaturas raramente são atingidas. Na última década, o termómetro marcou, em média, 2,5º C a mais, afirma Mikhail Grigoriev, vice-diretor do Instituto Russo de Permafrost de Yakutsk, o único centro do mundo dedicado a este fenómeno.
No seu relatório anual, o Ministério russo do Meio Ambiente admitiu que a degradação do permafrost coloca sérios riscos para a população e para a natureza, pondo em causa infraestruturas como tubos de água, oleodutos e estruturas de armazenamento de resíduos químicos, biológicos e radiativos. O derretimento do permafrost pode também acelerar a propagação dos agentes poluentes, segundo esse relatório.
Em Yakutsk, o aquecimento global hoje "não é crítico", diz Griogriev, mas pode pôr a cidade em perigo nas próximas décadas, especialmente se as velhas tubagens dos edifícios soviéticos tiverem vazamentos e acelerarem o degelo.
O que mais preocupa Gregoriev é o permafrost situado mais a sul, o que atravessa principalmente a Sibéria Ocidental, rica em petróleo. O solo ali é menos frio, uniforme e espesso, e o aquecimento global pode "comportar deformações de edifícios, catástrofes”, diz.
No Instituto Russo de Permafrost de Yakutsk, cientistas e engenheiros desenvolvem técnicas de construção e meios para manter o solo gelado quando a temperatura aumentar. Um método que já está disponível consiste em instalar tubos refrigeradores verticais em torno dos prédios para manter o solo frio.
O degelo do permafrost, que prende bactérias e vírus às vezes esquecidos, também representa uma ameaça para a saúde.
Em 2016, uma criança faleceu na Sibéria após ser contaminada por antraz, o que não acontecia há 75 anos na região. Segundo os cientistas, terá sido foi muito provavelmente devido ao descongelamento de um cadáver de rena que foi vítima de antraz várias décadas antes. Libertada, a bactéria mortal, que se conserva no permafrost durante mais de um século, infectou manadas de renas. Mas a ameaça não se limita ao antraz. Cientistas descobriram que nos últimos anos dois tipos de vírus estavam conservados no permafrost.
Nas regiões árticas, que o degelo do permafrost tornou mais acessíveis para a indústria da mineração e do petróleo, os cientistas prevêem que alguns vírus poderiam despertar um dia caso o homem remova o solo em demasia.
Ainda assim, as técnicas para proteger o permafrost continuam a ser caras, e a legislação, que não está adaptada à mudança climática, não obriga que sejam aplicadas, lamenta Vladimir Prokopiev, deputado regional de Sakha.
Os efeitos são bastante visíveis: está a acelerar-se a erosão da costa ártica russa, e Sakha perde pelo menos dois metros de costa cada ano, conta o deputado.
Este ano, a região tornou-se a primeira a votar uma lei para proteger o permafrost. O assunto é crucial, principalmente tendo em conta que a Rússia quer desenvolver a região ártica.
Apesar da pressão feita por Sakha, Moscovo ainda não adotou nenhuma medida em nível nacional.
Gelo, um meio de subsistência na região mais fria do planeta
Innokenty Tobonov afunda o seu arpão num grande bloco de gelo que os seus colegas tiram da água gelada e carregam no trator. É água potável suficiente para um idoso da Sibéria sobreviver no inverno. Para os habitantes de Sakha, como os do vilarejo de Oi, os blocos de gelo fornecem água potável a maior parte do ano.
"Fazemos isto todos os anos, as pessoas precisam de água potável", afirma Innokenty Tobonov, membro do conselho local, com os cílios congelados face aos -41°C.
Cavar poços é muito caro por causa do permafrost e a água da torneira - procedente do rio Lena - só fica disponível por dois meses e meio por ano. Durante o resto do tempo, a canalização está congelada e quando finalmente descongela, a água está cheia de sedimentos e não é potável.
A maioria das localidades de Sakha não possui estações de tratamento de água. Assim, resta apenas o gelo, a fonte de água potável mais limpa disponível. Apanhado em novembro, geralmente é armazenado no exterior durante o inverno. Quando a atmosfera aquece, os habitantes armazenam os blocos de gelo em porões, transformados em geleiras pelas paredes de permafrost.
"Fisicamente é uma tarefa árdua, especialmente quando o gelo tem cerca de 50 cm de espessura", diz Innokenty, que acredita que uma pequena casa precisa de cerca de dez metros cúbicos de gelo para fazer face às suas necessidades no inverno. "Nós usamos esta água para beber e cozinhar, é muito prático", diz uma senhora de Oi, Pelageya Semenova, ao receber um bloco de gelo à sua porta.
"A água gelada é mais limpa e tem um gosto melhor do que a água da torneira: na cidade, tem gosto de cloro e aqui, às vezes, tem gosto de óleo", afirma. "Mas parece que não contém vitaminas”, comenta.
Beber apenas água de gelo pode, efetivamente, levar a deficiências minerais, uma vez que é muito pobre em cálcio e magnésio.
Pouco povoada, a região de Sakha é conhecida como "a terra dos lagos", tantos quanto os seus milhões de habitantes. As comunidades rurais são particularmente dependentes do gelo para sobreviver e qualquer poluição ambiental afeta diretamente a água que consomem.
Subsolo rico
No entanto, Sakha é rica: os seus solos têm ouro, petróleo e carvão e é a primeira região produtora de diamantes no mundo.
"Damos muito à Rússia, mas as populações rurais locais recebem poucos benefícios em troca", afirma a ativista Valentina Dmitrievna, que dirige a Eyge, uma ONG de proteção ambiental com sede em Yakutsk, a principal cidade da região.
No mês de agosto, a ruptura de várias barragens construídas pela Alrosa - maior produtora de diamantes do mundo - forçou os habitantes na margem do Viliui a usar água contaminada. As autoridades russas contabilizaram os danos causados por este acidente na bacia do Viliui em 22 mil milhões de rublos, mas Alrosa argumentou que não poderia ser responsabilizada porque o que aconteceu deveu-se a uma "catástrofe natural”.
No entanto, os porta-vozes das comunidades locais estão convencidos de que a empresa causou o acidente ao deslocar as suas infraestruturas de mineração sem autorização. A disputa pode durar anos e, enquanto isso, os habitantes são obrigados a usar água de qualidade duvidosa, lamenta Valentina Dmitrievna.
"As pessoas sofrem com esse tipo de incidente porque têm um estilo de vida tradicional", explica. "Em Sakha, as pessoas preocupam-se mais com o meio ambiente porque entendem que dependem da natureza”. "Não esquecemos nossas tradições. Ensinamos as crianças a recolher gelo, cortar madeira, caçar e pescar", explica. "Ser capaz de sobreviver em situações extremas é uma necessidade".
Comentários