Sílvia Pestana, 42 anos, e Luís Costa, 61 anos, não se conheciam mas o destino juntou-os no Hospital Curry Cabral, em Lisboa.
À hora do almoço, de quarta-feira, chegaram à Unidade Funcional de Tratamento Cirúrgico da Obesidade do CHULC, onde a equipa médica os esperava para serem operados.
Antes de ser internada, Sílvia Pestana contou à Lusa que o processo começou em 2017, quando, durante uma sessão de fisioterapia, lhe falaram da cirurgia bariátrica.
“Já tinha feito várias vezes dietas, davam resultado, mas não era definitivo, então optei por me inscrever nas consultas de endocrinologia”, contou Sílvia, acompanhada pelo marido.
À consulta de endocrinologia, seguiu-se a do nutricionista e da psicóloga. “Pediram-me para emagrecer, emagreci, o processo foi andando até que estive um ano à espera de fazer um endoscopia com anestesia (…) porque não havia anestesistas, até que resolvi no verão passado fazê-la no particular”.
A cirurgia deveria ter acontecido até janeiro, “no máximo”, mas a pandemia de covid-19 acabou por atrasá-la.
Com 1,5 metros de altura, 108 quilos de peso e um índice de massa corporal (IMC) de 43, já considerado obesidade mórbida, Sílvia disse não recear fazer a cirurgia, confessando que “era uma coisa que queria muito”: “Tenho uma filha de 12 anos e quero ter mais saúde para a criar”.
Também Luís Costa, com 120 quilos e um IMC de 48, aceitou fazer a intervenção cirúrgica porque sonha em ter mais tempo de qualidade com a família.
Foi por intermédio da médica de família que Luís Costa chegou ao hospital Curry Cabral. O peso que têm a mais foi ganhando ao longo da vida e tornou-se um obstáculo no seu dia-a-dia.
“O problema de ser mais forte é querer movimentar-me e ter mais dificuldades, é querer brincar com o meu neto e ter dificuldades, e o cansaço”, além das doenças como a diabetes, colesterol elevado e apneia de sono, desabou à Lusa, nas vésperas do Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade, assinalado hoje.
Quando lhe propuseram realizar a cirurgia bariátrica, disse logo que sim. “Foi pena não ter sido mais cedo”, comentou Luís, que, ao contrário de Sílvia, não conseguiu perder os quilos desejáveis antes da operação.
À Lusa, o nutricionista Lénio Andrade explicou a importância de perder peso antes da operação: “Perdendo 5 a 10% do seu peso total, estes doentes melhoram drasticamente o seu risco anestésico e cirúrgico”.
Lénio Andrade acompanha os doentes antes e depois da cirurgia e salientou a importância do pós-operatório, em que os doentes têm uma capacidade gástrica mais reduzida.
Como só conseguem comer pequenas porções de alimentos é preciso ajustar a composição nutricional da alimentação para que não venham a desenvolver no futuro défices nutricionais.
Antes de entrar para o bloco operatório, a cirurgiã bariátrica Leonor Manaças explicou que Sílvia seria sujeita a um bypass gástrico de anastomose única, “uma técnica cirúrgica muito segura, com grande eficácia, com resultados de cerca de 80% na perda de excesso de peso”.
Já Luís Costa sofre de uma patologia na mucosa gástrica e, por isso, não pode fazer um bypass. No seu caso, foi sujeito a uma gastrectomia vertical calibrada, que consiste em retirar uma parte do estômago.
Leonor Manaças explicou que quando estes doentes recorrem ao centro hospitalar para um tratamento cirúrgico da obesidade é preciso estudá-los como “um só”, conhecer a sua história da obesidade e as doenças que o acompanham.
“É preciso conhecer o doente na sua história de perda de peso, de reganho de peso, a sua profissão, o seu ambiente familiar e principalmente a gravidade da sua doença”, salientou.
Ao operá-los, disse: “não estamos a tratar só o excesso de peso, mas também a diabetes, a hipertensão, a apneia do sono, todas as doenças que acompanham a obesidade mórbida e que, por si só, são tão incapacitantes como o excesso de peso”.
Os resultados das intervenções, explicou Leonor Manaças, são “uma restrição muito severa da sua capacidade gástrica, portanto, vão comer pouco e com o pouco que comem vão sentir-se saciados”.
Uma das primeiras sensações que têm após a operação é não lhes apetecer comer e às vezes nem sequer ver ou cheirar a comida, “armas úteis para continuar a perder peso”.
No futuro, pode ganhar-se algum peso, mas Lénio Andrade garante que a cirurgia bariátrica e metabólica é sempre uma mais-valia: “Mesmo que aconteça um reganho de peso, muitas vezes o que a pessoa ganha não é o suficiente para perder o sucesso global do contexto cirúrgico”.
Para a enfermeira Sofia França, estes doentes são “muito especiais”. Com a autoestima fragilizada, o apoio da família torna-se “importantíssimo” para o “sucesso terapêutico daquilo que está a ser feito”.
A enfermeira contou que habitualmente os pacientes chegam nervosos, mas “acabam sempre por se ir tranquilizando” quando percebem que podem contar com “bastante acompanhamento da área da enfermagem”.
Já a enfermeira chefe Teresa Branco sublinhou a importância do acompanhamento multidisciplinar no período pré-operatório e pós-alta para “garantir a otimização e a manutenção dos resultados decorrentes do procedimento cirúrgico”.
Nesse sentido, os pacientes são contactados telefonicamente após a alta - 48 horas, 73 horas e no primeiro mês - e têm consultas anuais presenciais ao longo de três anos.
Teresa Branco garantiu que “as complicações da cirurgia bariátrica são mínimas” devolvem ao doente “a autoestima e o interesse pela vida”.
A Lusa contactou na sexta-feira a médica Leonor Manaças que disse que as cirurgias correram bem, demoraram 90 minutos e que os doentes já estão em casa.
Luís e Sílvia esperaram cerca de seis meses para serem operados, mas já houve listas de espera de dois anos. Leonor Manaças disse contudo que esta resposta vai melhorar ainda mais com a abertura do Centro de Responsabilidade Integrada do Tratamento Cirúrgico da Obesidade, a 01 de junho, que substituirá a atual unidade.
Centro Hospitalar Lisboa Central quer alargar cirurgia bariátrica a jovens obesos
O Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC) quer alargar a realização de cirurgias bariátricas a jovens adolescentes obesos, avançou à agência Lusa o endocrinologista José Silva Nunes.
“Neste momento, vamos começar a avançar com a cirurgia de adolescentes”, provavelmente, a partir dos 16 anos, adiantou o especialista da Unidade de Tratamento Cirúrgico da Obesidade do CHULC, que falava à Lusa a propósito do Dia Nacional da Luta Contra a Obesidade, assinalado hoje.
Atualmente, o CHULC, que integra os hospitais S. José, Curry Cabral, Estefânia, Santa Marta, Capuchos e Maternidade Alfredo da Costa, só faz este tipo de cirurgia a partir dos 18 anos.
“Temos jovens de 18 anos, já oficialmente adultos, que já foram submetidos a cirurgia, mas no futuro vamos passar a ter ainda mais jovens”, na sequência de uma colaboração do Hospital Curry Cabral com o hospital pediátrico D. Estefânia, disse o endocrinologista.
José Silva Nunes explicou que os cirurgiões pediátricos e os pediatras do Hospital D. Estefânia vão também acompanhar esses jovens candidatos depois da cirurgia bariátrica.
“Neste momento, as idades [em que se fazem este tipo de cirurgias] são entre os 18 e os 65 anos, se bem que a questão do limite superior seja um bocadinho elástica, porque se uma pessoa tiver 66 anos e tiver uma obesidade severa e tiver múltipla patologia secundária, não é por causa de um ano que nós vamos negar uma solução benéfica para a sua saúde”, salientou.
O especialista referiu que no passado já tiveram doentes com 15 anos que foram intervencionados, mas que o plano deverá abranger jovens com 16 anos.
Recordou que o Hospital Curry Cabral já teve uma consulta multidisciplinar de obesidade infantil, mas que não era com fins cirúrgicos.
“Havia uma consulta multidisciplinar, com endocrinologia, psicologia e nutrição, e tínhamos alguns jovens muito perto dos 200 quilos, mas que não avançaram para a cirurgia nessa fase”, contou.
Segundo José Silva Nunes, quem recorre maioritariamente à cirurgia bariátrica para perder o excesso de peso são as mulheres, entre 80 a 85% do total dos doentes.
“Não é que os homens não sejam obesos, mas muitos deles têm pudor de procurar ajuda e outros consideram que estão como estão e não estão sensibilizados” para o problema, comentou.
Contudo, realçou o endocrinologista, a cirurgia “não é pela questão estética”, mas pelas implicações que a obesidade tem para a saúde, como um risco aumentado de cancro, diabetes, hipertensão, doença coronária, apneia obstrutiva do sono.
“A pessoa pensa que um doente com cancro é um doente magrinho, obviamente também há doentes magrinhos, que infelizmente acabam por ter processos neoplásicos, mas a obesidade por si só confere um risco aumentado de múltiplos cancros”, alertou o endocrinologista.
Portanto, rematou, “há uma panóplia brutal de patologias que são secundárias ao excesso de tecido adiposo, portanto, melhorando ou diminuindo a quantidade de gordura que a pessoa apresenta diminui inerentemente essas comorbilidades que as pessoas apresentam”.
João Silva Nunes alertou ainda que “o sedentarismo é uma das principais causas do aumento de peso” e “a população portuguesa é muito sedentária”.
A Organização Mundial de Saúde estima que haja 650 milhões de adultos a viver com obesidade em todo o mundo. Em Portugal, segundo o Inquérito Nacional de Saúde 2019, os dados apontam para 1,5 milhões de pessoas.
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